Evolução solidária
A expressão evolução solidária, evocada
como título a esta reflexão, foi apresentada por
Gustavo Geley, ilustre pesquisador espírita,
morto em 1924. Geley se referia à necessidade de
entendermos o desenvolvimento do Espírito
humano, pensamento central da Doutrina espírita,
como um esforço coletivo em prol do
aprimoramento, não unicamente pessoal, mas de
toda a coletividade.
Escreveu:
As suas consequências práticas [da reencarnação]
são fáceis de conceber. Antes de tudo, ela impõe
o trabalho e o esforço; não o esforço isolado, a
luta pela vida egoísta, mas o esforço solidário,
porque tudo o que favorece ou retarda a evolução
de outrem e a evolução geral favorece ou retarda
a evolução de qualquer membro da coletividade. [i]
A ideia avançada de Geley encontra consonância
na proposta de Kardec, quando apresentou a dupla
finalidade da encarnação dos Espíritos: o
desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento
coletivo (fazer a nossa parte na obra da
criação).[ii]
Embora a evolução se dê na intimidade de cada
um, na expansão pessoal e intransferível dos
recursos cognitivos e afetivos, o enfoque
exclusivista dessa evolução neutraliza a própria
dinâmica do processo, pois se cristaliza no
egoísmo, a fonte de todas as imperfeições
humanas. [iii] Além
disso, que sentido faz avançarmos quando aqueles
que amamos permanecem para trás? Como nos
acomodarmos diante das conquistas espirituais
quando assistimos a tantos infelizes e
atormentados clamando um instante de paz e o
alívio de suas dores?
André Luiz, em Obreiros da vida eterna, [iv] reportando-se
ao Instrutor Albano Metelo, um campeão das
tarefas de auxílio aos ignorantes e sofredores
dos círculos imediatos à Crosta Terrestre, coloca
na fala do benfeitor as seguintes considerações:
- E os nossos Irmãos que ainda ignoram a luz?
Subiríamos até Deus, num círculo fechado? Como
operar o insulamento egoístico e partir, a
caminho do Pai Amoroso e Leal que acende o Sol
para os santos e os criminosos, para os justos e
injustos?
E mais à frente:
- Indubitavelmente, os ensejos de elevação
felicitam todas as criaturas; no entanto, é
imprescindível ponderar que a bênção da fonte
pode converter-se em venenosa água estagnada, se
a trancamos num poço incomunicável. Seria
completo o nosso regozijo, havendo lágrimas
atrás de nossos passos? Como entoar hinos de
hosana à felicidade sobre o coro dos soluços?
Nobilíssimo, todo impulso de atingir o cume;
entretanto, que veremos após a ascensão? Entre
os júbilos de alguns, identificaríamos a ruína e
a miséria de multidões incalculáveis!...
E ainda:
- Também eu tive noutro tempo a obcecação de
buscar apressado a montanha. A Luz de cima
fascinava-me e rompi todos os laços que me
retinham embaixo, encetando dificilmente a
jornada [...] cheguei a sentir-me feliz, diante
da posição que me distanciava de tamanhas
angústias [..] eis que, certa noite, notei que o
vale se represava de fulgente luz. Que sol
misericordioso visitava o antro sombrio da dor?
Seres angélicos desciam, céleres, de radiosos
pináculos, acorrendo às zonas mais baixas,
obedecendo ao poder de atração da claridade
bendita.
- Que acontecera? — perguntei, ousadamente,
interpelando um dos áulicos celestiais.
- O Senhor Jesus visita hoje os que erram nas
trevas do mundo, libertando consciências
escravizadas.
Nem mais uma palavra. O mensageiro do Plano
Divino não podia conceder-me mais tempo. Urgia
descer para colaborar com o Mestre do Amor,
diminuindo os desastres das quedas morais,
amenizando padecimentos, pensando feridas,
secando lágrimas atenuando o mal, e, sobretudo,
abrindo horizontes novos à Ciência e à Religião,
de modo a desfazer a multimilionária noite da
ignorância.
A evolução será solidária ou não será plena e
compensatória.
E dentre as diferentes ferramentas à nossa
disposição na proposta de evolução solidária
encontra-se a força do exemplo na ação da
compaixão e da solidariedade humana. O exemplo
da humildade e da perseverança centradas no
trabalho voluntário toca os corações das pessoas
sensíveis, mostrando que existem pessoas
preocupadas com o semelhante.
Há muitos anos, perguntaram a Emmanuel como a
Espiritualidade superior entendia o movimento
fraterno das campanhas do quilo, tão caro aos
espíritas do passado. O benfeitor esclareceu
dizendo que essa modalidade de exercício da
fraternidade era vista pelos Espíritos
superiores com muita alegria, não tanto pelos
recursos adquiridos na tarefa, mas,
particularmente, pela presença dos espíritas nas
ruas. Porque as pessoas observavam e isso tocava
a emotividade de muitas delas, sensibilizando-as
para uma tomada de atitude em prol do bem
coletivo.
Disse o apóstolo Paulo, em mensagem mediúnica,
referindo-se aos discípulos de Jesus, que eles
seriam reconhecidos pelo perfume de caridade
que espalham em torno de si.[v] Ora,
o perfume beneficia particularmente quem o
percebe.
Na sua inesquecível viagem de divulgação do
Espiritismo, acontecida em 1862, Kardec se
deparou com a seguinte pergunta:
- Não seria desejável que os espíritas
tivessem uma senha, um sinal qualquer para se
reconhecer quando se encontram?
O codificador respondeu de forma genial:
- Os espíritas não constituem nem uma
sociedade secreta, nem uma afiliação. Eles não
devem, pois, ter nenhum sinal secreto para mútua
identificação. Eles nada ensinam e nada praticam
que não possa ser conhecido por toda a gente e
não têm, por consequência, nada a ocultar [...]
Vós tendes uma senha que é compreendida de um ao
outro extremo do mundo: é a da caridade. Esta
palavra é fácil de ser pronunciada e pode estar
na boca de todos, mas a verdadeira caridade não
pode ser falsificada. Na prática da caridade
reconhecereis sempre um irmão, ainda que ele não
se diga espírita, e deveis estender-lhe a mão,
pois, se ele não vos partilha a crença, nem por
isso deixará de ser para convosco benevolente e
tolerante. [vi]
[i] Resumo
da Doutrina espírita,
de Gustavo Geley, terceira parte.
[ii] O
Livro dos Espíritos, item 132.
[iii] O
Livro dos Espíritos, item 917.
[iv] Obreiros
da vida eterna, André Luiz/Chico
Xavier, cap. 1.
[v] O
Evangelho segundo o Espiritismo,
cap. 15, item 10.
[vi] Viagem
espírita em 1862, Instruções
particulares, item II.