Entrevista

por Orson Peter Carrara

Formação espírita na infância com repercussão no presente

Natural de Quatiguá (PR) e atualmente residente em Florianópolis (SC), Ilza Castilho Esteves Godinho (foto), nossa entrevistada de hoje, é graduada em Ciências e Biologia e pós-graduada (strictu sensu) em Fisiologia e Anatomia Humanas, Metodologia do Ensino Superior, Psicopedagogia. Vinculada ao Centro Espírita Luz e Caridade, na cidade onde reside, auxilia na coordenação de grupos de estudos, nas sessões mediúnicas e nos passes, nas palestras e no grupo de gestantes.

Sendo espírita de nascimento, quais lembranças de sua infância relacionadas à Doutrina Espírita lhe marcam a memória?

Nessa fase de nossas vidas se fizeram os mais intensos aprendizados. A coragem e abnegação de nossos pais na pequena cidade de Quatiguá, quase solitários em suas convicções espíritas, de receberem e atenderem os que nos batiam à porta e irem até ao centro encaminhá-los. Alguns apresentavam-se agressivos e até contidos, tal a proporção das interferências obsessivas.

Nós, os 5 filhos, aprendíamos a falar e juntamente orar as preces de Cáritas e Pai Nosso em silêncio. Ajoelhávamo-nos em espírito e em sintonia com eles. Minha mãe dialogava e buscava os ajustes que se fizessem apropriados para romper os grilhões da animosidade entre encarnados e desencarnados. Diziam-nos eles que, com o poder do mais sagrado amor e o auxílio da espiritualidade, tudo entraria em equilíbrio.

Também recebemos valiosas instruções para termos um dia harmonioso, para que à noite estivéssemos em boas companhias espirituais, em repouso e aprendizado, pois a vida era uma escola e que não renascemos por acaso. Para tal, o valioso recurso era “João Vermelho no Mundo dos Espíritos”, de Rodolfo Américo Ranieri.

Que destaque seus pais lhe transmitiam do conhecimento e prática espírita em que estavam envolvidos?

Amor ao próximo como a nós mesmos. Evangelho no lar como nossa fortaleza. Nós irmãos, que nos amássemos muito, pois nos escolhemos para mais uma experiência na Terra. Também nos afirmavam que aos olhos de Deus éramos transparentes. Todas as nossas mais íntimas ações eram registradas no íntimo do nosso ser. O estudo deveria ser uma constante. Os livros, suas histórias nos trariam grandes conhecimentos.

Pelo correio chegavam-nos a Revista Internacional do Espiritismo (RIE) e o jornal “O Clarim”, a coleção da Revista Espirita de Kardec, além dos livros, com destaque especial para a coleção do André Luiz, da qual detenho um conhecimento razoável. Aconselhavam-nos a pensarmos e fazermos sempre o bem.

E de onde veio a inspiração para poemas?

O gosto pelas declamações de poesias me foi especialmente incentivado pelo Sr. Pedro Esquiba, presidente do Centro Espírita Amantes do Bem, da cidade vizinha de Joaquim Távora, e do Albergue Noturno. Além disso, ele coordenava a Infância e Juventude espírita, à qual meu pai nos levava aos domingos, em um Jeep 54. Ele copiava poesias, especialmente as do “Parnaso de Além-Túmulo”, e nos ensinava a declamar. Algumas ainda tenho na lembrança.

Comecei a escrevê-las na graduação de Biologia, transformando os textos e a fala dos professores em poesia e, mais tarde, nas minhas aulas, enquanto docente, como por exemplo: 

“O Vírus:

É tão pequenino, nem célula é,

Mas traz prejuízos e a morte até. 

Adentra a célula e faz divisão, 

Deixando o organismo sem proteção.

Causa poliomielite, também hepatite, 

A febre amarela, herpes, meningite, Caxumba, varíola. 

Extenso o seu campo, 

Catapora, rubéola, ebola e sarampo.

E o HIV, ele mata você. (Anos 80).

Nessa construção de poemas, com temas variados, como é o critério de estabelecer tão bonita concepção?

Importante a leitura para o conhecimento do assunto, sempre tomando os devidos cuidados para manter a maior fidelidade possível, dentro de uma linguagem poética acessível a diferentes públicos. Envolvo-me muito prazerosamente, promovendo a sintonia com vibrações afins... É ilusão acreditar que se faz algo sozinho! Então faz-se a sintonia pelo trabalho a ser feito.  

Dos poemas já declamados qual lhe causou maior lembrança de gratidão e mesmo de encantamento pela inspiração espontânea?

Sem dúvida, o poema para Cairbar, por duas razões: uma delas foi a oportunidade de fazer uma síntese da jornada de tão ilustre vulto do Espiritismo, e a outra foi a maneira de como todo o processo transcorreu. Uma palestra virtual para a Sociedade Espírita Renovação, de Connecticut (EUA), que proferi, foi encerrada com dois dos cinquenta capítulos do livro “Nosso Lar”, reescritos em linguagem poética por mim. Após alguns dias, a Sra. Yone, do Centro Espírita Cairbar Schutel, de Guarulhos, que assistira à palestra, contactou-me com o pedido da possibilidade de fazer um poema sobre a vida de Cairbar, em homenagem pelos seus 152 anos de nascimento. Fez-se então a construção do poema que já existia em mim. Sincronicidade?

Por ocasião dos 152 anos de nascimento de Cairbar Schutel, agora em 2020, você nos surpreendeu com o poema, apresentado na pré-abertura do evento. Qual é sua relação com o conhecido benfeitor?

Minha relação com Cairbar vem da infância, quando nos chegavam pelo correio a Revista Internacional do Espiritismo e o jornal “O Clarim” e demais obras suas. Assim, tínhamos notícias dos grandes vultos do Espiritismo, contos, poesias, dentre outros. O incentivo, a abnegação e a perseverança, por exemplo, de Leão Pita, que, ao entender a importância dos conhecimentos que estes periódicos traziam, viajava a pé, a cavalo, de carona, de trem, percorrendo grandes distâncias para angariar assinantes. Por onde passava levava os conhecimentos espíritas em forma de palestras, conversas e afins.

Embalados fomos pelo livro “Espiritismo para Crianças”, de Cairbar, em convite perene à prática do estudo e do bem.

O que mais causa admiração com o conteúdo da Doutrina Espírita?

É a certeza de que somos imortais, iguais, filhos do mesmo Pai; que somos os construtores de nossos destinos e temos competência de mudá-los a cada segundo mediante nossas ações. Da mesma forma, o aspecto físico e biológico é mutável; a isso se dá o nome de Epigenética.

Observando sua experiência de vida, com o conhecimento do Espiritismo ao longo das décadas, o que mais lhe chama atenção?

Quase aos setenta, realmente entender que de ordinário os espíritos nos dirigem, aproveitando-se das nossas tendências como sementes que irão brotar, mostrando-nos dois caminhos a seguir:  um deles, os momentos de cólera e suas fermentações, levando-nos a espinhosos caminhos de reações em cadeia, lastimáveis; ou o orai e vigiai policiando pensamentos e buscando mudanças comportamentais em sintonia com a gentileza, a paciência e a tolerância, caminhando para a leveza de espírito, de alegria, de harmonia, de paz e felicidade, pois é isso que o Cristo espera que alcancemos.

De suas lembranças de atuação no movimento espírita, qual a mais marcante?

Foram muitos trabalhos envolvendo o Espiritismo em projetos, os mais variados, todos eles com respostas importantes, tornando-se assim difícil apontar um único, mas sem dúvida, um trabalho que marcou foi o de divulgação do Espiritismo além das fronteiras do centro espírita, realizado em parceria com uma rádio local de Ourinhos/SP, por aproximadamente dois anos. Nesse projeto, aos sábados, eu respondia, por 20 minutos, perguntas e curiosidades relacionadas ao Espiritismo que eram enviadas ao longo da semana para a rádio. Esse trabalho exigia muito estudo, disciplina e foco. Foi árduo, porém, a oportunidade da divulgação do Espiritismo na cidade e o alcance em algumas cidades vizinhas foi gratificante.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Sim. A importância do conhecimento espírita nas minhas práticas pedagógicas. Não enxergava meus alunos com a idade que se apresentavam, conseguia neles entrever espíritos milenares em contínua evolução. Vê-los como seres biopsicodsocialespirituais. 

Como psicopedagoga, inspirada na Prof. Dra. Neide de Aquino Noffs, diretora do Departamento de Educação da PUC-SP e palestrante espírita, percorri os caminhos como educadora com mais tranquilidade e consciência e, posso assim dizer, com mais amorosidade.

Suas palavras finais.

As considerações finais são de gratidão imensa pela oportunidade que se fez de reviver a história de um Cairbar e tantos valorosos vultos que fizeram e fazem parte da minha história de vida. Meu grande abraço e reconhecimento a toda a equipe responsável pela Revista.


 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita