O talento da coragem
“E, tendo medo, escondi na terra o teu talento...”
– (Mateus, 25:25)
Essa referência evangélica faz parte de uma das
parábolas mais conhecidas que encontramos no Novo
Testamento: A Parábola dos Talentos, como aparece
designada no Evangelho de Mateus ou a Parábola das
Minas, como está no Evangelho de Lucas.
Independentemente do título que tenha, o conteúdo é o
mesmo, ou seja, a nossa responsabilidade moral,
espiritual e material diante da vida. Ela se divide em
duas, tendo a segunda parte servido de alvo para que
Emmanuel nos trouxesse a mensagem desta lição. Para
entendermos essa parte, vamos procurar refletir um pouco
sobre toda ela, a fim de não perdermos a oportunidade de
tão precioso estudo.
A parábola – história que Jesus contava usando os
costumes do dia a dia do povo como exemplo para fazer-se
compreender – narra a história de um senhor de grande
fortuna que, precisando ausentar-se por longo tempo,
chamou três servos e entregou a cada um deles uma
quantia diferente em moedas que deveriam ser devolvidas
a ele quando regressasse. Assim, entregou, ao primeiro,
cinco moedas; ao segundo, duas e, ao terceiro, uma.
Tempos depois retornou, e pediu aos três a devolução dos
bens que havia deixado sob seus cuidados. O primeiro
apresentou-se trazendo as cinco moedas e mais outras
cinco que havia ganhado, por aplicar com critério o que
lhe havia confiado. Contente com o lucro que o servo
obtivera para si, disse-lhe que, por haver se saído bem
em tarefa pequena, daria a ele agora maiores tarefas. O
segundo, a quem ficara encargo de guardar duas moedas,
também se apresentou diante do senhor com o valor
dobrado daquilo do qual fora depositário. Feliz com o
desempenho do segundo servo, entregou a ele tarefa muito
maior que a anterior, pois sabia que ele tinha condição
de executá-la, já que havia sido diligente na pequena. O
terceiro servo, aquele que ficou encarregado de zelar
por uma moeda, apresentou-se diante do senhor e lhe
disse que, tendo medo de perder o que lhe havia sido
confiado, escondeu-a na terra até que ele voltasse e
estava naquele momento devolvendo-lhe a única moeda que
lhe fora entregue. Apesar de contar com apenas uma
moeda, foi incapaz de fazê-la dar lucros, pois,
temeroso, não tivera coragem de lutar para valorizá-la.
Evidentemente, o senhor, aborrecido com o insucesso do
servo, expulsou-o dos seus domínios, deixando-o à mercê
de seus próprios medos e temores, para que aprendesse a
valorizar o pouco que tinha, transformando esse pouco em
muito.
A lição de Jesus não deixa dúvidas com relação às nossas
atitudes diante das possibilidades que temos de
trabalhar em benefício nosso e dos que nos cercam.
Melhorar para progredir é a senha do Pai Criador para
nossa evolução. Para que esse progresso se realize
através do nosso trabalho, Deus distribui Seus bens para
que todos, segundo suas capacidades de percebê-los e
captá-los, possam multiplicá-los em benefício de muitos.
Assim, alguns adquirem talentos que outros não possuem,
para que cada um, dentro das suas possibilidades, faça
com que se multipliquem e que quando compartilhados,
também uns com os outros, gerem o progresso a todos.
Na questão 804 de O Livro dos Espíritos, Kardec
pergunta aos Espíritos superiores por qual razão Deus
não deu as mesmas aptidões para todos os homens, que é
necessária a variedade das aptidões para que cada um
possa concorrer para a execução dos desígnios da
Providência, no limite do desenvolvimento das suas
forças físicas e intelectuais. Torna-se fácil, portanto,
imaginar, para efeito de exemplo, que aqueles que
receberem como talento recursos materiais poderão
permutar seus valores com outros que sejam dotados de
talentos que lhes faltem, tais como uma aptidão
artística, ou intelectual, ou ainda um dom moral,
necessários todos eles ao bem-estar da própria vida.
Verdadeiramente, quando dizemos que nem todos recebem os
bens divinos na mesma quantidade, não é porque Deus
privilegia uns em detrimento de outros, mas, sim, porque
ainda não conseguimos recebê-los da mesma maneira. Pela
nossa própria evolução moral, não temos condições,
muitas vezes, ainda, de perceber a presença desses
recursos em nossas vidas. E por essa razão, acreditamos
que Ele seja injusto porque dá muito a uns e pouco a
outros.
O Pai coloca todos os bens à nossa disposição para que
possamos usufruir deles, mas como cada um tem capacidade
diferente para recebê-los, independentemente da
quantidade, como fala a parábola, teremos de prestar
contas daquilo que tivermos captado. Se é pouco ou muito
não fará nenhuma diferença na balança divina. O que vai
contar será sempre a maneira como empregarmos esses
valores. Por causa do nosso egoísmo, culpamos Deus pela
nossa pouca “sorte” sem percebermos que cada um de nós
só consegue captar esses bens segundo a sua capacidade
individual. Assim, acusamos os que nos cercam, porque
nos perseguem; lamentamos a vida que temos porque não
nos dá maiores oportunidades e em tempo algum admitimos
a nossa indolência, a nossa preguiça ou o nosso medo de
lutar para melhorar o que já conseguimos conquistar.
Desejamos maiores recursos materiais quando, na verdade,
não conseguimos sequer administrar o pouco que temos.
Lamentamos não sermos chamados para executar tarefas de
maiores responsabilidades quando, na realidade, mal
conseguimos realizar com zelo as obrigações mais simples
do dia a dia. Almejamos tarefas de maior destaque e
culpamos os outros por não sermos designados para
trabalhos mais relevantes nos setores espirituais. Mas,
se não alcançamos a harmonia no nosso lar, porque não
sabemos consegui-la, ou porque temos medo de enfrentar a
luta doméstica para conquistá-la, de que modo teremos
condições de dizer ao outro como alcançá-la? Vamos
examinar as nossas consciências e procurarmos descobrir
que tipo de servos somos, ou mais importante ainda, que
tipo desejamos ser.
Emmanuel nos lembra na lição que “existem muitas pessoas
que se acusam pobres de recursos para transitar no mundo
como desejaria. E recolhem-se à ociosidade, alegando
medo da ação”. Tem, assim, “medo de trabalhar, medo de
servir, medo de fazer amigos, medo de desapontar, medo
de sofrer, medo da incompreensão, medo da alegria, medo
da dor”, e alcançam o fim da vida terrena como seres que
apenas tiveram as sensações físicas do corpo, mas que
nada fizeram para enriquecer a existência. Quase sempre,
essas criaturas tornam-se campeãs da preguiça e da
inutilidade, pois sob o pretexto de serem menos
favorecidas ignoram até as condições básicas de higiene
de seus corpos, da limpeza do local onde moram,
permanecem debruçadas na janela da ociosidade, mais
preocupadas em ter medo ou culpar os outros, a se
queixarem indefinidamente de suas mazelas, sem vontade
de se reergueram e iniciarem um processo de faxina
física e mental.
Estamos colocados no lugar certo, no tempo certo, com as
pessoas que podem nos ensinar se quisermos aprender e
realizando a melhor tarefa para nosso crescimento. Desse
modo, por mais rude que possa nos parecer, a tarefa que
nos coube no mundo, não temamos e façamos dela o nosso
caminho de progresso e renovação.
O querido instrutor espiritual Emmanuel nos esclarece na
lição que “por mais sombria seja a estrada a que foste
conduzido pelas circunstâncias, enriqueça-a com a luz do
teu esforço no bem, porque o medo não serviu como
justificativa aceitável no acerto de contas entre o
servo e o Senhor”. Somos usufrutuários de patrimônios
que pertencem ao Pai, e nos encontramos, no presente
momento, no campo das oportunidades negociando com os
valores Dele. Fiquemos, pois, mais atentos aos negócios
que estamos realizando com os recursos que nos foram
confiados no mundo, por algum tempo.
Bibliografia:
XAVIER, F. C. Fonte Viva. Pelo
Espírito Emmanuel – 8ª edição – RJ: FEB – lição 132.
____________ Vinha de Luz. Pelo
Espírito Emmanuel – 14 ed. RJ: EB. Lição 2. 1996.
____________ Seara dos Médiuns.
Pelo Espírito Emmanuel – 8 ed. Brasília: FEB. P. 147.
1993.
SCHUTEL, C. Parábolas e Ensinos de
Jesus. 14. ed. Matão: Editora Casa O Clarim. P. 56.
1997.
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