O artifício da meditação não pode
engessar as mãos do trabalho
Uma singular prática de reeducação de presos tem sido
adotada na Índia. O Complexo Penitenciário de Tihar, em
Nova Delhi, conquanto abrigue o dobro de sua capacidade
oficial de encarcerados, conseguiu implantar o exercício
do vipassana (“visão interior"), ideário adotado por
Sidarta Gautama, o popular Buda. A técnica consiste em
exercícios de meditação bem complexos. Os presos
(voluntários) devem ficar algumas vezes por mês
completamente em silêncio e meditar por 8 horas diárias
- inteiramente inertes, sem mover nenhum músculo do
corpo em busca de paz e “ascensão espiritual”.
Na concepção de Satya Narayan Goenka, idealizador da
prática no presídio, a meditação ajuda a maior
compreensão da realidade. Por essa razão, auxilia os
presos a distinguir a clausura como uma etapa, uma
jornada para se tornarem pessoas melhores e
verdadeiramente livres. Segundo Goenka, os presos
praticantes se tornaram mais “equilibrados”, motivo pelo
qual a penitenciária passou a registrar menos incidentes
violentos, a reincidência criminal dos praticantes que
são libertados igualmente diminuiu. (1) A proposta de
Satya Narayan é desafiadora sem dúvida, considerando o
ambiente hostil de um presídio. Não deve ser nada
simples a disciplina do corpo e da mente para
introspecções (meditações) nas atmosferas de uma
penitenciária.
A rigor, ao exercitarmos uma oração experimentamos
alguma forma de meditação. Obviamente, com o exercício
disciplinado dos pensamentos se pode chegar aos melhores
resultados de uma prece. É quando se consubstanciam
energias harmônicas em níveis de autoconsciência. Mas o
domínio dos pensamentos, considerando a cultura
ocidental, é de extraordinária dificuldade. Quase sempre
nós ocidentais lançamos ideias vagas, pueris, sensuais,
projetamos censuras, mantemos anseios utilitaristas,
entulhamos as descargas neurológicas que geram amplo
consumo de energia física e mental. Seguramente a
concentração (meditação) no ambiente adequado pode
aliviar a tensão emocional e patrocinar um nível de
estabilização e alívio psíquico que tende a refletir no
bem-estar físico e espiritual.
Obviamente, a prática meditativa aplicada por Narayan
Goenka no presídio de Tihar não contém vínculos diretos
com as finalidades espíritas. Não constam nos cânones
das Obras Básicas as técnicas para meditação esotérica,
embora não haja rigorosa incompatibilidade com os
mandamentos doutrinários, até porque todo e qualquer
exercício que favoreça o equilíbrio espiritual deve ou
pode ser estimulado. Entretanto, nesse caso específico,
urge muita cautela; lembremos que não se deve confundir
as irradiações mentais através da prece com a meditação
mística, mormente aplicada pelo budismo. Em razão disso,
a Doutrina dos Espíritos recomenda que não se instale
nos centros espíritas salas específicas para meditações
esotéricas.
Há instituições espíritas que promovem cursos para
técnicas de meditação com base na cultura oriental,
todavia, é necessário ajuizar a inoportunidade de tais
práticas. É preciso ter cuidado para que esses métodos
não descaracterizem a proposta dos Benfeitores
Espirituais, até porque as doutrinas vinculadas às
práticas de meditações místicas têm suas próprias
instituições destinadas ao exercício de meditação, e
certamente nada impede que os “espíritas” ajustados com
essas propostas busquem os núcleos não espíritas
adequados e aí meditem quando, como e quanto desejarem.
Seja como for, é de bom alvitre que os “meditadores” não
se esqueçam que qualquer exercício de meditação não deve
ser inoperante, pois o ideal de concentração mais nobre,
sem trabalho que o materialize, a benefício de todos,
será sempre uma soberba prática improdutiva. Conservar,
pois, a meditação transcendente no coração, sem nenhuma
atividade nas obras de ampliação da caridade, da
sabedoria e do amor, consubstanciados no emprego do amor
e da fraternidade, consistirá em manter na terra viva do
sentimento um ídolo morto, enterrado entre as flores
agrestes nos jardins da ilusão.
Jamais olvidemos que enquanto diferentes doutrinas
ensinavam a meditação (recolhimento contemplativo), o
insulamento social completo, na busca do EU “profundo”,
o Cristo elegeu peregrinar por entre a multidão,
confortando uns, auxiliando outros, situando sua
doutrina não através de vocábulos vazios ou artifícios
místicos, todavia, fundamentando-a no exercício da ação
do amor, a exemplo da metáfora do samaritano que
socorreu seu próximo na estrada de Jericó.
O Codificador, confessando Jesus, igualmente não se
isolou numa atitude meditativa (contemplativa); sua
meditação foi o exercício do Espiritismo através da
caridade, na medida em que confortou numerosos
necessitados, estimulou doações a desabrigados por meio
da Revista Espírita, e junto de sua amada Amélie
Gabrielle Boudet fez visitas a diversas famílias
carentes. Justamente por sentir essa necessidade, Kardec
lançou O Evangelho segundo o Espiritismo, para mim a
Carta Magna da Codificação, que se tornou imprescindível
ao entendimento da angústia humana, assim como do
desígnio da existência terrena, ensinando que a
beneficência é o mais perfeito caminho a dar sentido e
significado à nossa vida social.
Aliás, Chico Xavier percebeu bem essa dimensão de Jesus
e Kardec, uma vez que poderia ter ficado embevecido, em
meditações e êxtases, deslumbrado ou arrebatado com as
interligações diretas com mundo espiritual; contudo,
praticando o EVANGELHO se consagrou a amar o próximo
incondicionalmente.
Em suma, cremos que meditar é importante, desde que não
paralise nossas mãos, nem nos faça abdicar dos convites
dos Benfeitores Espirituais, uma vez que eles apontam a
rota segura de uma meditação produtiva, que não nos
hipnotiza com técnicas que centram atenções exclusivas
em nós mesmos, até porque O Meigo Rabi nos conclamou a
amar o próximo como a nós mesmos e não o oposto, ou
seja, todo o amor, júbilo, contentamento que ansiamos
para nós, devemos em condição de equidade aos nossos
iguais.
Referência:
Disponível em clique
aqui, acesso em 19/04/2014
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