Dias nublados
Em meio à persistente pandemia que assola o ano
de 2020, em todo o mundo, muitas reflexões
surgem, fruto da observação dos movimentos
existentes na atualidade.
No meio espírita, os escândalos se sucedem
ininterruptamente. A Federação Espírita
Brasileira, que se autoproclama “Casa-Máter” do
Espiritismo no Brasil, volta e meia colhe o
fruto de alguma decisão equivocada do passado
distante ou recente. No passado distante mora o
docetismo, pertinente, sorrateiro e que permeou
o movimento espírita dobrando a cerviz de muitos
que acreditaram nessa reedição espírita do
Vaticano.
Em passado recente – que se mistura ao passado
mais distante pela repetição –, a FEB é
envolvida em “adulterações” e, como se
surpreendesse alguém a sua decisão, mantém-se
firme negando, sendo evasiva e assegurando
tratar-se de “atualização ortográfica” ou até
mesmo adequação do conteúdo para melhor
entendimento na atualidade. É uma obra que
precisa ser revista e refeita, para corrigir
mandos e desmandos de mais de um século.
Documentos pessoais, pertencentes ao acervo de
Allan Kardec, manuscritos diversos, são
disponibilizados a conta-gotas, ou então, por
meio de livros extensos, repetidos, de leitura
enfadonha, que beneficiam apenas quem produz;
afinal, os documentos do acervo de Allan Kardec
deveriam ser interpretados por cada um, de
acordo com seu entendimento e não com base no
olhar de um ou de outro. Sem contar,
evidentemente, que o principal continua sendo o
estudo das obras de Allan Kardec, a Doutrina
Espírita.
A chuva de “lives” se arrasta e com ela
uma infinidade de impropérios endereçados a
lideranças, instituições, coachings,
autores de “autoajuda”, “psicólogos e
psicanalistas”, que se acotovelam na divulgação
de quase tudo, menos Espiritismo. De um lado a
fala açucarada daqueles que não desejam embates
e conclamam todos a se amarem porque o momento
exige; de outro, aqueles que se colocam como
instrumentos de justiça “colocando pingos nos
is”. No meio, o espírita e o simpatizante,
reféns dessas sandices, em busca apenas e tão
somente de aprender sobre o Espiritismo. O
estrago é tão grande, mas o ego é tão maior que
essas tais lideranças não enxergam.
Esses arroubos do ego, as lideranças
despreparadas, a prática distante da teoria, o
ganho em detrimento do gratuito, as obras
complexas ante a necessidade do simples, fizeram
com que o jovem se afastasse do
Espiritismo. Em pesquisa realizada pelo Sr. Ivan
René Franzolim, em 2020, apenas 0,8% dos
respondentes possuíam entre 14 e 20 anos, em um
total de 3.684 respondentes em 538 cidades,
cobrindo todo o território brasileiro.
Repetimos: líderes despreparados, que se
enxergam missionários, médiuns desequilibrados,
vendilhões dos templos e instituições
corrompidas, são alguns dos exemplos que podem
ser considerados motivos para o afastamento dos
jovens.
O mais pessimista, que se diria “realista”, vê
tudo isso com tristeza pois, quando os
“justiceiros” apontam as incongruências do
movimento espírita, “cospem no prato” que já se
alimentaram, demonstrando mais uma vez um velho
jargão utilizado pelos padres católicos do
passado: “faça o que digo, mas não faça o que
faço”.
O mais otimista vê todo o movimento como a
separação do joio e do trigo, quando esses
“infelizes” – que normalmente são aqueles que
pensam diferente dos justiceiros, que não
possuem a “folha de serviços” que eles possuem
ou o “conhecimento” que eles detêm –, serão
convidados livremente ou compulsoriamente a
deixar o planeta, rumo a um orbe que seja mais
adequado ao seu desenvolvimento espiritual. Essa
pecha, travestida de “bom senso”, é tão fora de
propósito, como a venda de “lotes na Lua” porque
é sempre utilizada como a remediar uma contenda,
a exemplo de religiões convencionais, quando
apelam para a divindade.
Espíritas, de fato, são aqueles que lutam para
se transformar e não para transformar o outro a
“golpes verbais”. Chico Xavier não tentava
traduzir o movimento espírita: ele pregava e
vivia o Espiritismo. Carlos Imbassahy se
notabilizou pela defesa doutrinária ante os
detratores de outras religiões e pensamentos
filosóficos, não só pela inteligência nos
argumentos, mas pela postura sempre fraterna,
reconhecida pelos seus “opositores”, como o
Padre Negromonte e o Pastor Jerônimo Gueiros.
Herculano Pires foi literalmente preterido pela
FEB e teve seu nome aplicado ao index daquela
instituição. Em áureos tempos, a FEB viu nele
uma ameaça à sua soberania. Deolindo Amorim
refugiava-se entre os filósofos da Sociedade
Brasileira de Filosofia, levando Léon Denis,
como patrono, para o refrigério da alma, já que
no meio espírita eram poucos que acompanhavam o
alcance de sua obra.
Não sei se vocês perceberam, mas até em outras
religiões há mais fraternidade no trato com o
espírita, do que entre os próprios espíritas e
isso é histórico!
Antigamente, quando nos procuravam para
desabafar sobre as agruras vividas no movimento
espírita, tentávamos convencê-los a permanecer
porque “precisamos” trabalhar nossas emoções
etc. e era o que tentávamos aplicar em nós
mesmos. Hoje, com um pouco mais de vivência,
sugerimos que analisem o contexto: os espíritas
que andam “infernizando” sua vida, limitando
seus trabalhos, tolhendo a manifestação de
pensamentos diferentes, de forma “fraterna”, na
realidade, são indivíduos altamente
comprometidos com a necessidade de corrigir
desmandos do passado, mas que, na vida presente,
só conseguem agir dessa forma: desacreditando o
outro, tentando limitar as potencialidades do
outro ao seu mundo pequeno e assim por diante. É
o que eles dão conta de fazer. O nosso papel é
compreender, e o nosso desafio é o de não nos
agastarmos com isso. O dia que essa postura não
incomodar mais, estaremos habilitados a novos
desafios, dentro ou fora do movimento espírita.
E isso é libertador!
Por fim, ainda que em dias nublados e sem muitas
perspectivas de mudança no curto prazo, é
possível ser feliz e superar todas essas
querelas. Você pode ser espírita e não ter a
folha de serviços “formais” que muitos possuem,
praticando o Espiritismo por onde passar! É
possível ver tudo isso que foi citado e não se
deixar afetar, quando você assume seu
compromisso de ser melhor hoje e amanhã do que
foi ontem! É admiravelmente libertador não se
enquadrar em meio a instituições falíveis, com
líderes tacanhos, que não representam em
absolutamente quase nada aquilo que a Doutrina
Espírita preconiza! É empoderador, não se
adequar em rótulos que lhe atribuem, pelo
simples fato de pensar diferente! É
incrivelmente salutar responsabilizar-se
integralmente pelo que se diz e faz, sem poder
aplicar ou atribuir a terceiros a
responsabilidade que lhe cabe! É muito bom ser
espírita, sem depender de espíritas e do
movimento espírita! Tudo isso “vai passar”...