Algumas
questões relacionadas aos conceitos de beleza, considerando especificamente a
forma humana, eventualmente, são colocadas em nossos estudos espíritas: existe
um padrão universal de beleza, como existe um padrão ético universal? Há
relações entre o belo e o desenvolvimento intelecto-moral? Até que ponto beleza
e fealdade são provas escolhidas pelos Espíritos em via de reencarnar? São
alguns pontos que colocamos em discussão neste texto.
Padrão
universal de beleza
Os
psicológos evolucionários afirmam que existe um padrão universal de beleza,
definido nos primórdios da evolução humana, através da seleção natural e da
seleção sexual, e que são invariáveis no tempo e no espaço, ou seja, surgiram
com o homem e se manifestam em qualquer lugar do mundo. (1)
Obviamente, não podemos desconsiderar outros fatores, como fatores pessoais e
culturais. Mantém-se a ideia,
já defendida em 1757 pelo filósofo David Hume, de que a beleza está nos olhos
de quem contempla e, portanto, deverá consistir numa experiência subjetiva,
aprendida e cultural. Quem ama o feio bonito lhe parece, afirma o
dito popular.
Tornou-se célebre o comentário do cacique de uma tribo no Parque Indígena do
Xingu, quando a comunidade recebeu a visita da modelo Gisele Bündchen em 2006.
Indagado por um repórter quanto à beleza da modelo brasileira, ele se
manifestou:
- Magra demais! Índio nenhum aqui ia querer se casar com ela.
Além
dos fatores pessoais e culturais, que são indiscutivelmente importantes, os
psicológos evolucionistas esclarecem que a
ciência psicológica tem identificado alguma transversalidade nas características
físicas que influenciam a percepção de atratividade. Três dessas principais
características são a simetria, a mediania (grau de semelhança com as proporções
faciais médias da população geral) e o dimorfismo sexual (presença de
características faciais que tipicamente distinguem os indivíduos do sexo
masculino dos do sexo feminino).
Espera-se que os indivíduos selecionem parceiros de longo prazo com indicadores
de fertilidade e saúde (juventude, beleza, relação cintura e quadril). Beleza
retrata aparência saudável. Nossa existência como espécie depende disso. Agradam
à nossa mente sinais que induzam padrões de juventude, sáude e fertilidade, pois
do ponto de vista evolutivo só uma coisa importa: sobreviver. Para a
sobrevivência da espécie precisamos identificar os melhores parceiros. Aparência
indica qualidade reprodutiva. Beleza é sinal de fertilidade e qualidade
genética.
Simetria, auência de deformidades, limpeza, pele sem manchas, olhos límpidos,
dentes intactos são atraentes em todas as culturas. Ortodontistas descobriram
que um rosto bonito tem dentes e mandíbulas no alinhamento ótimo para a
mastigação. Uma cabeleira exuberante sempre agrada, provavelmente porque indica
não só uma boa saúde no presente, mas também um histórico de boa saúde nos anos
anteriores. Um sinal mais sútil de bons genes é estar na média em termos do
tamanho e forma de cada parte do rosto. A geometria da beleza foi outrora um
indicador de juventude, saúde e inexistência prévia de gravidez. Nossa mente
evoluiu neste contexto e ainda possui detectores de saúde através da beleza,
embora muita coisa tenha mudado.
Bebês
de três meses preferem olhar para um rosto bonito, e diante dele sorriem mais e
fixam o olhar por mais tempo. Isso corrobora fortemente um conceito de beleza
inato na espécie humana. (2)
E o
Espiritismo? Manifesta-se a respeito? Não encontramos na pesquisa que realizamos
para este texto nenhuma abordagem direcionada e ampla sobre o tema, no entanto
as considerações que André Luiz apresenta, quando examina o planejamento
reencarnatório (3), encaminham-nos em direção da teoria de um modelo universal
de beleza. André se vale das seguintes expressões: o molde masculino
apresentava absoluta harmonia de linhas, qual arte helênica de sabor antigo;
o modelo constituía a mais primorosa obra anatômica; semelhava-se
aquela figura humana a qualquer coisa divinal; formas irrepreensíveis,
quanto às linhas exteriores; moldes exteriores menos graciosos;
linhas impecáveis para a forma física; perfeita harmonia física e
fealdade corpórea.
Bom e
belo se equivalem?
Um
estereótipo comum, denominado pela ciência como efeito de Hal (4),
representa a nossa tendência para associar tudo o que é belo a tudo o que é bom.
Devido a este estereótipo, as pessoas atraentes são habitualmente percebidas
como detentoras de uma variedade de caraterísticas de personalidade positivas,
mas também como sendo mais competentes e felizes. (5)
A
experiência vulgar mostra que isso não é verdade. Indivíduos de bela aparência,
muitas vezes, demonstram um mau caráter, enquanto que pessoas não rotuladas como
belas demonstram um comportamento ético e compassivo evidentes. Mas, de alguma
forma, o desenvolvimento intelecto-moral se retrataria nas expressões físicas do
belo e do feio, considerando que o corpo físico é modelado pelo próprio
Espírito, quando do processo de regresso à dimensão corpórea?
Kardec aventou essa hipótese em comunicação oral feita na Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas em
4 de
fevereiro de 1869,
embora tais ideias nunca tenham sido publicadas por ele, mas sim postumamente.
Segundo o codificador,
a
perfeição da forma seria a consequência da perfeição do Espírito; donde se pode
concluir que o ideal da forma há de ser a que revestem os Espíritos em estado de
pureza.
E ainda: a beleza real consiste na forma que mais afastada se apresenta da
animalidade e que melhor reflete a superioridade intelectual e moral do
Espírito, que é o ser principal. Acrescenta também que o tipo da beleza
consiste na forma mais própria à expressão das mais altas qualidades morais e
intelectuais e que, à medida que o homem se elevar moralmente, seu
envoltório se irá avizinhando do ideal da beleza, que é a beleza angélica.
(6)
Essa
afirmativa encontrou apoio em várias comunicações mediúnicas recebidas na mesma
reunião. Em uma
delas, uma entidade que se assinou como Pamphile colocou o seguinte:
Ponderastes com acerto que a fonte primária de toda bondade e de toda
inteligência é também a fonte de toda beleza. — O amor gera a beleza de todas as
coisas, sendo, ele próprio, a perfeição. — O Espírito tem por dever adquirir
essa perfeição, que é a sua essência e o seu destino. Ele tem que se aproximar,
por seu trabalho, da inteligência soberana e da bondade infinita; tem, pois,
também que revestir a forma cada vez mais perfeita, que caracteriza os seres
perfeitos.
Manifestou-se, igualmente, o Espírito de Lavater
(7), afirmando que
a conexão entre o bom e o belo é fato certo e lógico, quando examinado do ponto
de vista do Espírito: nos aproximamos cada vez mais da beleza real, à medida
que nos elevamos para a perfeição. Escreveu: Belo, realmente belo só é o
que o é sempre e para todos; e essa beleza eterna, infinita, é a manifestação
divina em seus aspectos incessantemente variados; é Deus em suas obras e nas
suas leis! Eis aí a única beleza absoluta. É a harmonia das harmonias e tem
direito ao título de absoluta, porque nada de mais belo se pode conceber.
Mas, ao
reportar-se à beleza como manifestação da corporeidade, o autor relativiza tal
conceito afirmando que a harmonia, mesmo no mal, produz o belo. Há o
belo satânico e o belo angélico.
Emmanuel expressa pensamento equivalente: Nem tudo o que é belo é santo. (8)
Concluindo, por ora, podemos aceitar que a condição intelecto-moral do
reencarnante possa ter participação nos traços físicos definidos em sua
manifestação corpórea, mas muitos outros fatores intervêm na construção do seu
corpo, como veremos a seguir.
Beleza
e fealdade como provas
Kardec
define prova como as vicissitudes da vida
corporal, pelas quais os Espíritos se depuram, conforme a maneira por que as
suportam. (9) Beleza e fealdade,
quando significativas, são consideradas provas porque têm implicações diretas
nas experiências vivenciadas pelo Espírito reencarnado. Muitos estudos em
Psicologia social têm mostrado que homens e mulheres bonitos se iniciam na vida
profissional com salários mais altos, e mulheres bonitas recebem punição menor
quanto julgadas por um crime cometido. Homens mais altos avançam mais
rapidamente nas empresas que os de baixa estatura.
André Luiz se reporta ao tema ao examinar a dinâmica do retorno do Espírito à
dimensão física, relacionando entidades que, na organização dos mapas
cromossomiais que definirão sua futura forma, se preocupam com questões
relacionadas à aparência física e coloca que os
contornos anatômicos da forma física, disformes ou perfeitos, longilíneos ou
brevilíneos, belos ou feios, fazem parte dos estatutos educativos.
(10)
Segundo André Luiz, vários fatores se somam ao definirem a aparência fisica de
um indivíduo. Ao descrever a reencarnação de Segismundo comenta:
[...]
os
contornos e minúcias anatômicas vão desenvolver-se de acordo com os princípios
de equilíbrio e com a lei da hereditariedade. A forma física futura de nosso
amigo Segismundo dependerá dos cromossomos paternos e maternos; adicione, porém,
a esse fator primordial a influência dos moldes mentais de Raquel, a atuação do
próprio interessado, o concurso dos Espíritos Construtores, que agirão como
funcionários da natureza divina, invisíveis ao olhar terrestre, o auxilio
afetuoso das entidades amigas que visitarão constantemente o reencarnante, nos
meses de formação do novo corpo, e poderá fazer uma ideia do que vem a ser o
templo físico que ele possuirá.
(11)
Assim,
didaticamente, podemos relacionar à aparência física do sujeito aos seguintes
fatores:
a)
Hereditariedade.
Segundo
André: A hereditariedade funciona com inalienável domínio sobre todos
os seres em evolução. A modelagem fetal e o desenvolvimento do embrião obedecem
a leis físicas naturais, qual ocorre na organização de formas em outros reinos
da Natureza. O organismo dos nascituros, em sua expressão mais densa, provém do
corpo dos pais, que lhes entretêm a vida e lhes criam os caracteres com o
próprio sangue.(12)
b)
Psiquismo do reencarnante retratando sua condição espiritual e suas necessidades
evolutivas mais prementes e o psiquismo da mãe, em íntima ligação com a mente do
feto.
Escreve
André: A hereditariedade, qual é aceita nos conhecimentos científicos do
mundo, tem os seus limites [...] os progenitores fornecem determinados recursos
ao Espírito reencarnante, mas esses recursos estão condicionados às necessidades
da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no fundo, somos herdeiros de
nós mesmos. (13)
Examinando a reencarnação de Júlio, comenta André: Durante a gravidez de
Zulmira, a mente de Júlio permanecerá associada à mente materna, influenciando,
como é justo, a formação do embrião. Todo o cosmo celular do novo organismo
estará impregnado pelas forças do pensamento. Como vemos, na mente reside o
comando. A consciência traça o destino, o corpo reflete a alma. Toda agregação
de matéria obedece a impulsos do espírito. Nossos pensamentos fabricam as formas
de que nos utilizamos na vida. Certos estados íntimos da mulher alcançam, de
algum modo, o princípio fetal, marcando-o para a existência inteira. É que o
trabalho da maternidade assemelha-se a delicado processo de modelagem,
requisitando, por isso, muita cautela e harmonia para que a tarefa seja
perfeita. (14)
c)
Interferência de Espíritos especializadas no processo reencarnatório.
Comenta
André Luiz que grande percentagem de reencarnações na Crosta se processa em
moldes padronizados para todos, no campo de manifestações puramente evolutivas.
Mas outra percentagem não obedece ao mesmo programa. Elevando-se a alma em
cultura, conhecimentos e, consequentemente, em responsabilidade, o processo
reencarnacionista individual é mais complexo, fugindo à expressão geral, como é
lógico. Em vista disso, as colônias espirituais mais elevadas mantêm serviços
especiais para a reencarnação de trabalhadores e missionários.
Lembra
ainda que a hereditariedade funciona com inalienável domínio sobre todos os
seres em evolução, mas sofre, naturalmente, a influência de todos aqueles que
alcançam qualidades superiores ao ambiente geral. Além do mais, quando o
interessado em experiências novas no plano da Crosta é merecedor de serviços “intercessórios”,
as forças mais elevadas podem imprimir certas modificações à matéria, desde as
atividades embriológicas, determinando alterações favoráveis ao trabalho de
redenção. (15)
O tema
é complexo e pouco material sobre o assunto encontra-se disponível na literatura
espírita. Devemos estar abertos para novas considerações, que possam permitir,
no futuro, reflexões mais amplas e precisas.
_______________________
1 Manual da Psicologia Evolucionista, org. por Maria
Emília Yamamoto e Jaroslava Varella Valentova
2 Steven Pinker, Como a mente funciona.
3
Missionários da luz, caps 12, 13 e 14
4
O efeito halo é a possibilidade de que a
avaliação de um item, produto ou indivíduo possa, sob um algum viés, interferir
no julgamento sobre outros importantes fatores, contaminando o resultado geral.
Por exemplo, nos processos de avaliação
de desempenho o
efeito halo é a interferência causada devido à simpatia que o avaliador tem pela
pessoa que está sendo avaliada
5
A ciência da beleza
humana,
Mariana Carrito, em 22/12/19
6 Revista
Espírita, agosto de 1869
7
Johann Kaspar Lavater (1741-1801), além de pastor, foi filósofo,
poeta, teólogo e um entusiasta do magnetismo animal na Suíça. É considerado o
fundador da fisiognomia, a arte de conhecer a personalidade das pessoas através
dos traços fisionômicos.
8 Pão Nosso, Introdução
9
Instruções práticas sobre as manifestações
espíritas,
Vocabulário espírita.
10 Missionários da luz, cap. 13
11
Missionários da luz, cap. 13
12
Missionários da luz, cap. 13
13 Entre a
Terra e o Céu, cap. 28
14 Entre a
Terra e o Céu, cap. 28
15 Missionários da luz, cap. 13.