O que temos feito do Espiritismo?
O ano de 2021 surgiu na alvorada com a esperança
de quem acredita em dias melhores, após um 2020
assolado por pandemia.
Em meio a perdas de entes queridos, de empregos
e de perspectivas para muitas pessoas, a saúde
física e mental da população foi abalada. Alguns
sobreviveram às intempéries graças ao poder de
sua Fé. Outros se apegaram àquilo que melhor
pudesse representar um mínimo de segurança
diante da tempestade e assim foram conduzindo
suas vidas.
A religião, em momentos de crise, acaba sendo
uma excelente oportunidade para um reencontro
consigo, um “olhar para dentro” diferente,
talvez mais terno, talvez mais reflexivo, quem
sabe até de ternura, já que a luta de cada um,
só o próprio indivíduo é capaz de descrever.
Em meio a todos os acontecimentos, e
paradoxalmente, em meio ao compasso de espera,
em função da pandemia, as casas espíritas, em
sua grande maioria, seguiram fechadas
fisicamente. Abriram-se para o mundo virtual
como a levar esperanças e a manter o vínculo
daqueles que, fisicamente, não poderiam buscar o
lenitivo para o espírito. Houve um crescimento
importante no número de palestras e cursos
virtuais.
Com o tempo, em função da qualidade das
transmissões e dos conteúdos, a perseverança
arrefeceu e o público se dispersou, e foi buscar
lenitivo onde melhor encontrava acolhimento e,
não necessariamente, conhecimento doutrinário.
O conhecimento é importante para o indivíduo
mudar o seu painel mental, assim como para
conseguir passar para o outro aquilo que tem
aprendido e considera importante. Mas não é
suficiente.
Entramos o ano de 2021 com casas espíritas
realizando reuniões mediúnicas “on-line”. Isso
mesmo: médiuns entrando em transe, pela
internet, enquanto o dirigente conduz os médiuns
por meio de ideoplastias e ao som metálico dos
microfones.
Se uma reunião mediúnica presencial já guarda
desafios, imagine uma reunião mediúnica
“virtual”? Será que esse modelo seria o melhor
para atender as necessidades de educação da
faculdade do médium? Um acompanhamento
individualizado, não seria melhor para auxiliar
o médium a lidar com a influência do mundo
espiritual diante dessa mudança que vivemos
(pandemia)?
Evidentemente que não há orientação doutrinária
nas obras de Kardec explicitamente a respeito
desse assunto. Cabe o “bom senso”. Entretanto, o
que é “bom senso” para um, pode não ser “bom
senso” para outro, ignorando que o sentido de
“bom senso” é aquilo que é “bom para todos”. Por
isso, ao comentarmos esses acontecimentos, não
temos a intenção de fechar questão, mas chamar a
atenção para o que temos feito do Espiritismo,
esse poderoso recurso que Jesus nos apresentou
há dois mil anos e que foi melhor traduzido por
Allan Kardec, mais de mil e oitocentos anos
depois.
Cada um faz o que quer, no movimento espírita.
Espera-se, apenas, que se faça com conhecimento
de causa porque somos responsáveis pela
divulgação do espiritismo diante do público que
nos acolhe com interesse em busca de uma palavra
de incentivo, esperança e até consolo. A
expressão evangélica de “cego guiando cego”
(Lucas 6:39), é apropriada para o momento.
Há diferença entre o que se descobre e se aplica
na própria vida, em termos de Espiritismo,
daquilo que se divulga. É o que o educador Paulo
Freire dizia, sobre aproximarmos o que falamos
daquilo que praticamos.
No exemplo trazido, um líder poderia dedicar-se
em conversar com cada médium individualmente, ao
longo da pandemia, para entender o momento que
cada um vive, e não abrir uma reunião mediúnica
“on-line”, deixando os médiuns em seus ambientes
buscando sintonia com o mundo espiritual a ponto
de entrar em transe, incorporar e haver
esclarecimento de um espírito via internet.
Daria mais trabalho ao líder esse movimento de
fazer contato com cada membro da reunião? Sem
dúvida. Manter contato apenas por WhatsApp resolve?
Claro que não. Esses são os “ossos do ofício” de
um verdadeiro líder, principalmente quando o que
se pretende é acolher, manter o vínculo,
demonstrar afeto, fraternidade e esperança para
os médiuns que se viram, em educação da sua
faculdade, temporariamente interrompida.
Além das reuniões mediúnicas virtuais, obras
ditas mediúnicas foram lançadas com conteúdos
bastante questionáveis, o que levou a sérias e
oportunas críticas no movimento espírita.
Percebem que a maior parte das “polêmicas”
ocorre em torno da mediunidade? Pois é... aí há
elementos suficientes para estudarmos, revermos
conceitos, entendimentos e práticas.
Entretanto, estudiosos do movimento espírita
estão dedicados em buscar “pelo em ovo”, a
partir de análises de manuscritos, cartas e
documentos acessórios, periféricos, que, em sua
grande e avassaladora maioria, servem apenas
para satisfazer o ego, do que esclarecer,
aprofundar estudos, obter respostas mais
condizentes com as necessidades do Espírito no
século XXI. Traduzindo: sabemos que cada um dá o
que pode, daquilo que sabe e consegue fazer. Por
isso, peço vênia aos amigos: não há, na prática,
profundo conhecedor de Espiritismo no movimento
espírita. Existem teóricos. Se houvesse, a
preocupação estaria em estudar e encontrar
respostas para problemas mais complexos, como a
mediunidade, por exemplo. Criticar os trabalhos
de Roustaing, Ramatis e agora do Pierre-Gaëtan
Leymarie não torna o conteúdo espírita mais
claro e nem é novidade. Quando romperemos esse
ciclo vicioso?
Que o orvalho da alvorada e os primeiros raios
de luz toquem a nossa fronte, iluminando nossos
caminhos para o que realmente importa fazer com
o Espiritismo: ajudar a humanidade,
ajudando-nos, a nós mesmos.