Quando a
mudança pode significar
uma tortura
Observa-se a dificuldade
das pessoas para cumprir
os protocolos em relação
à pandemia do Covid-19.
Se muitas o fizeram no
início da calamidade,
com o passar dos meses
foram perdendo a
disciplina, e o que era
medo virou afrontamento
social, principalmente
no Brasil, o que fez
piorar a situação já
grave.
Pode-se dizer que uma
parcela da população se
lança à sorte (ou à
morte), tentando
demonstrar que “esse
vírus” não é capaz de
alterar indefinidamente
a rotina da sua vida.
Convive com os equívocos
e mentiras circulantes
sem nenhuma reflexão, o
que torna quase
impossível o acatamento
dos conselhos da
ciência, e não dá a
mínima chance ao bom
senso.
É certo que as tantas
situações que permeiam o
convívio entre as
pessoas tornam difícil
criar um modelo fixo de
comportamento para
todos.
Mas, convenhamos, coisas
simples que não exigem
tanto sacrifício de cada
um estão sendo
sistematicamente
desrespeitadas: o uso de
máscara protetora que
causa nada além de um
leve desconforto; o
distanciamento
preventivo nos contatos
presenciais inevitáveis;
as aglomerações que se
formam para pretenso
lazer e distração; os
ajuntamentos
desnecessários e às
vezes até provocativos,
tudo isso poderia ser
observado com um pouco
mais de renúncia e
paciência, inteligência
e boa vontade.
Estamos falando de uma
grave pandemia global,
altamente transmissível,
que mata, e, se não
mata, pode deixar
sequelas. Isso, no meu
ponto de vista, deveria
ser motivo suficiente
para criar um forte
movimento em defesa da
vida, cada um
colaborando com o
que lhe fosse possível. Mas
infelizmente não tem
sido bem assim.
Se cumprir algumas
regras sociais e alguns
cuidados sanitários de
relativo incômodo se
torna difícil para tanta
gente – fazendo um
paralelo comportamental
–, o que dizer então das
mudanças profundas e de
grande esforço moral que
o homem precisa e terá
que fazer para o seu
próprio bem? Se há
enorme dificuldade com o
simples, o que se dará
com o complexo?
Há um pensamento da
escritora espírita
espanhola Amalia Domingo
Soler que nos ajuda a
refletir sobre as
dificuldades do homem em
relação às mudanças. Ela
diz: “O estudo do
Espiritismo vem
indubitavelmente
destruir a paz de
algumas existências que
se deslizam na
languidez” (1). Essa
reflexão traduz a
inquietação, o incômodo
e o medo que as mudanças
provocam nas pessoas que
não querem mudar. A
reação contrária às
mudanças é tão forte,
que buscar conhecimento
novo e libertador pode
representar uma tortura.
Estudar o Espiritismo,
por exemplo, e ser
convocado à
transformação moral
inevitável é muito
penoso para aquele que
está satisfeito com a
sua vida egoísta e
medíocre. É como se
visse “sua paz”
ameaçada.
Uma longa e pedregosa
estrada aguarda a
travessia do homem
cínico, cheio de revolta
e acomodação. A
humanidade tem recebido
tanta ajuda do Alto que,
em vista disso, deveria
ser, já, mais
responsável e amorosa,
mais grata e solidária.
No caso da pandemia,
acatar normas e regras
por um tempo
indeterminado é, para
muitos, privar-se de
prazer e ter que mudar
de hábitos. O caso é
que, fincar o pé na
ignorância contra as
determinações da ciência
médica, não beneficia a
ninguém e prejudica a
todos.
(1) Amalia
Domingo Soler, Contos
espíritas,
Madras-USE, 2004.