Nesta semana o calendário apontou-nos uma data
importante para os espíritas do Brasil: o dia em que
desencarnou José Petitinga, o fundador da União Espírita
Baiana, hoje transformada em Federação Espírita do
Estado da Bahia. Corria então o dia 25 de março de 1939.
Dotado de sólida cultura geral, José Florentino de Sena
(seu verdadeiro nome)
notabilizou-se por suas qualidades no campo jornalístico,
literário e espírita.
Nascido no dia 2 de dezembro de 1866 na fazenda
denominada Sítio da Pedra, à margem direita do Rio
Paraguaçu, em
Nazaré, Bahia, seus pais foram Manoel Antônio de
Sena e Maria Florentino de
Sena.
Cabe a Petitinga a justa glória de fazer com que o
movimento espírita se organizasse na Bahia, motivo pelo
qual fundou a União Espírita Baiana.
Segundo se sabe, ele teria frequentado e abandonado na
mocidade, por falta de recursos financeiros, os estudos
acadêmicos, o que não impediu que adquirisse sólida
cultura geral e se destacasse nas lides jornalísticas,
literárias e espíritas.
Respeitado cultor do idioma português, recebeu
importante elogio de seu amigo César Zoma, político,
latinista e
orador baiano,
que afirmou: "Na
Bahia,
em
conhecimentos
de latim,
eu, e
de
português, o
Petitinga".
Além de colaborar com artigos em diversos jornais da
Bahia, Petitinga escreveu os
livros
de poesias
"Harpejos Vespertinos",
"Madressilvas"
e
"Tonadilhas", obras essas que mereceram grandes elogios
de vários jornais importantes da
época, inclusive do Jornal do Comércio, do
Rio de Janeiro.
Iniciação no Espiritismo
Seu primeiro contato com o Espiritismo se deu em 1887,
aos 21 anos de idade, quando leu O Livro dos
Espíritos. Algum tempo e muitos estudos depois, ele
fundou na cidade de Juazeiro o "Grupo Espírita
Caridade", onde foram recebidas,
por meio do médium Floris de Campos Neto, belas
e incentivadoras mensagens de uma entidade
espiritual
que
assinava
"Ignotus".
Mudando-se em 1912
para a cidade do Salvador,
Petitinga reviveu
em sua
residência o
"Grupo Espírita
Caridade",
aí reunindo companheiros dedicados
igualmente aos estudos espíritas. Convidado, logo
depois, a participar do "Centro
Espírita Religião e Ciência", que passava por uma
fase de declínio, ele tudo fez para restaurá-lo, sem
nenhum sucesso. Percebeu então que a decadência daquela
sociedade se devia
em parte à falta de unidade
doutrinária e à ausência de uma direção geral.
União Espírita Baiana
Disso lhe veio a ideia de fundar uma sociedade que pudesse orientar o
movimento
espírita na
Bahia, surgindo assim no dia 25
de
dezembro de 1915, na sede do "Grupo Espírita Fé,
Esperança
e
Caridade", a União
Espírita Baiana, atual FEEB.
No início a federativa não tinha sede definida, tendo de
transferir-se inúmeras vezes de local, até que nasceu,
cresceu e vingou a ideia da aquisição de uma sede
própria. No dia 4
de julho de 1920, a Diretoria recebeu plenos
poderes para trabalhar nesse propósito e, em 3 de
outubro do mesmo ano, foi solenemente inaugurada
a sede própria situada no histórico Terreiro
de S.
Francisco
(hoje
Praça Padre
Anchieta,
número 8).
José Petitinga presidiu a União Espírita Baiana até a data de
sua
desencarnação,
dando tudo de si -- material e
espiritualmente -- para
o
engrandecimento daquela tradicional instituição e para a
difusão do Espiritismo no estado em que nasceram vultos
espíritas de destaque, como Deolindo Amorim, Carlos
Imbassahy, Leopoldo Machado, Divaldo Franco, entre
muitos outros.
Um episódio marcante na vida de Petitinga
No livro Nos Bastidores da Obsessão, Manoel
Philomeno de Miranda, pelas mãos de Divaldo Franco,
narra um episódio que nos mostra perfeitamente como era
e como se comportava José Petitinga.
Certa vez, numa reunião pública na União Espírita
Baiana, Petitinga pregava e sua palavra harmoniosa
vibrava em tons de consolo, focalizando a lição de
Simeão sobre "Perdão das Ofensas", constante do cap. X
d' O Evangelho segundo o Espiritismo. Algumas
pessoas tinham os olhos coroados de lágrimas quando, de
repente, conhecido senhor de respeitável família local,
obsidiado contumaz, adentrou a sala pública da sessão e,
avançando em direção da tribuna, ruidosamente, bradou:
- "Hipócrita! Quem és para pregar? Imperfeito como tu,
como te atreves a falar da verdade e ensinar pureza,
possuindo largas faixas de desequilíbrio íntimo, que
ocultas dos que te escutam?"
O constrangimento foi geral. Petitinga, empalidecendo,
levantou os olhos claros e transparentes, fitou o
obsessor que falara pela boca do atormentado cavalheiro,
e respondeu, humilde:
- "Tens toda a razão e eu o reconheço. O tema em pauta,
hoje, que o caro irmão não ouviu, se refere exatamente
ao `Perdão das ofensas'..."
A entidade não parou com as ofensas e disse que
Petitinga não tinha condições morais de ensinar; por
fim, o desafiou a que abandonasse a tribuna religiosa ou
a vida que levava...
Petitinga, imperturbável, retomou a palavra e disse à
plateia atenta que o amigo espiritual tinha toda a razão
e contou que lutava com dificuldades para aprimorar-se
intimamente, lapidando grossas arestas e duras
angulações negativas de sua personalidade enferma.
Dizia, porém, que jamais abandonaria o arado, apesar de
suas imperfeições e que preferia a condição de enfermo
ajudando doentes, a ser ocioso buscando a saúde para
poder ajudar com eficiência... "Embora imperfeito –
disse Petitinga –, deixo luzir minha alma quando
contemplo a Grande Luz; vasilhame imundo, aromatizo-me
ao leve rocio do perfume da fé; Espírito infeliz, mas
não infelicitador, banho-me na água lustral da esperança
cristã..."
O auditório, compungido e emocionado, chorava comovido,
e lágrimas transparentes adornavam a face do servidor do
Cristo. De repente, o perturbador espiritual arrojou ao
chão o médium de que se servia, e, dominado por crua
emotividade, bradou:
- "Perdoa-me, tu! A tua humildade vence-me a braveza,
velhinho bom! Deus meu! Deus meu! Blasfemo! O ódio
gratuito cega-me. Perdoa-me, velhinho bom, e ajuda-me
com a tua humildade a encontrar-me a mim mesmo. Infeliz
que sou. Tudo mentira, mendacidade inditosa, a que me
amarga os lábios. Ajuda-me, velhinho bom, na minha
infelicidade..."
José Petitinga desceu os degraus da tribuna,
aproximou-se do sofredor e, falando-lhe bondosamente,
envolveu o médium com gesto de carinho, convidando-o a
sentar-se. "Perdoe-nos o Senhor de nossas vidas!", falou
em discreto pranto. E levantando a voz, rogou: "Oremos
todos a Jesus, pelo nosso irmão sofredor, por todos nós,
os sofredores". (Obra citada, cap. 11, págs. 213 a 217.)