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por Claudia Gelernter

 

Fé e boas obras

Como humanos já vivemos diversas crises.

Medos, perdas e adoecimentos não são novidade no contexto terreno, porém carregamos em nós certa dúvida se o que estamos vivenciando no agora não seria o pior se comparado ao que já se foi.

Sabemos que não…

E, apesar da história escrita e recontada, nosso medo e sensação de desamparo nos arrastam para um drama muito além do real, que nada ajuda e mais agrava situações, com desequilíbrios e outros adoecimentos.

Por certo hoje já não podemos falar em crise, no singular, mas em “crises”, pois que estão acontecendo, em diversas áreas, em todos os lugares, atingindo a todos.

Crise ambiental, política, econômica, de valores… são muitas crises porque todas as áreas onde atuam os humanos precisam ser revistas, refletidas, reformuladas, reconstruídas sob outras bases.

Faz lembrar a advertência precisa de Jesus: “Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as observa, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia. Desceu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu: e foi grande a sua ruína”. (Mt, 7: 25).

Temos construído nossa 'casa humana’, ao longo dos milênios, sobre a areia do egoísmo, da vaidade, da soberba. Areia das ilusões, que se espalham e somem ao sopro do vento renovador da Lei Divina.

Construímos nossas vidas numa cultura pautada no consumismo, no materialismo e no individualismo - três pilares de palha - que jamais poderiam sustentar o edifício que nos abrigaria da dor e do sofrimento!

Sendo assim, colhemos hoje frutos semeados no ontem.

Alguns me perguntam: "Como atravessar este momento sem adoecer?”. Invariavelmente, retorno com a receita que temos aprendido nesta trilha Espírita: “Com fé e boas ações”. O segundo ingrediente traz vida ao primeiro, disse-nos Tiago (2: 26) e, sem o primeiro, sobra-nos desesperança e depressão.

A fé é atributo dos que observam a vida para além do ego transitório. É o resultado de uma peregrinação consciente, quando transitamos pela Terra como discípulos da realidade e não como vítimas ou algozes.

Fé é a certeza da guiança, da Mão forte do Criador, que jamais permitiria crise sem função, colheita sem semeadura, dor sem ensinamento.

Sim, tudo tem um porquê, nada é acaso. Já nos contaram os Espíritos que o acaso é o nada e que o nada não existe. Tudo é força, energia, evolução neste mundo, queiramos (saibamos) ou não. E o trabalho é o caminho para o desenvolvimento real, disseram eles.

No âmbito da fé podemos nos inspirar em uma das mais belas passagens do Evangelho de Marcos. Está lá no capítulo 10, a partir do versículo 46. Contou-nos o evangelista que, antes de caminharem para o que seria a última entrada de Jesus em Jerusalém - dias antes da festividade de Pessach e seus funestos desdobramentos, culminando com a crucificação - passaram (o Mestre e seus discípulos) pela milenária cidade de Jericó.

Foi quando um grito ecoou no ambiente, quebrando a relativa harmonia presente: “Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim!”

Não tardou para que os homens que seguiam o Mestre ralhassem com ele: “Cala-te!” - disseram.

E o que fez o cego, conhecido como Bartimeu? Gritou ainda mais! “Jesus, filho de Davi, tende piedade de mim!”

Gritos nascidos da certeza de que, se escutados, seriam emudecidos pela alegria da visão.

E assim foi.

Jesus pede para que ele se aproxime. Bartimeu fica de pé, joga sua capa e vai até ele, resoluto.

Sente-se visto nos recônditos da alma. Já não era o marginal, o excluído. Estava agora no centro da cena, num diálogo curto, preciso e sagrado: “Que queres que eu faça?” - perguntou o Mestre -

“Rabonni, que eu volte a ver…”.

A palavra rabonni significa “meu mestre”, em hebraico. Bartimeu reconhece que Jesus era o messias anunciado nas escrituras, pois o chama de Filho de Davi e diz mais que isso: era, também, o Mestre de um cego abandonado à beira do caminho.

Sabia ele que Jesus vê muito além do que pode alcançar os olhos comuns e míopes dos humanos e que, por isso, saberia reconhecer os anseios mais profundos de sua alma.

“Vai! Tua fé te curou”, foi a última resposta dada àquele homem, agora feliz.

Nada de imposições, explicações ou movimentos.

Na simplicidade do momento, a riqueza da verdade última: a fé é o antídoto contra a cegueira. Ela o salvou e agora ele podia enxergar.

A força da fé foi capaz de mudar todo o sentido daquela vida, a ponto de Bartimeu lançar a própria capa (considerada como uma continuação do corpo e proteção para ele) sem olhar para trás. Nenhuma dúvida, nenhuma fala sem proveito. O resumo necessário se fez ali.

E deste encontro comovente, entre um cego do corpo e um iluminado da alma, surge um novo Bartimeu, um homem que, lúcido e pleno de novas disposições, passa a seguir Jesus.

Fé e boas obras.

Não a fé que vacila, que questiona ou violenta, mas a fé que se traduz em certeza, que nos mantém na trilha, apesar do mundo.

Fé e boas obras que nos permitem um olhar para além do perceptível aos olhos comuns.

E é por conta destes ingredientes fundamentais que, atônitos, nos deparamos com aqueles que, mesmo diante das perdas e dores, conseguem cultivar a serenidade na alma.

São os “Bartimeus" do caminho - iluminados pelo sublime encontro com a luz do Cristo através da força impressionante da própria fé.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita