Contribuições de Paulo e Estêvão e como o livro foi designado por
Emmanuel
Além de ser a principal biografia do convertido de Damasco e também um
fundamental registro histórico do cristianismo nascente,
o relato em Paulo e Estêvão contém, em detalhes, a valorização que o
apóstolo dos gentios deu às mulheres nas comunidades cristãs, algo que Holzner
(2008, p. 199-201) e Wright (2018, p. 101-102) ressaltaram em
contraposição ao machismo amplamente atribuído a ele. Cabe dizer que o professor
universitário e padre jesuíta polonês Norbert Baumert (1932-2019) também abordou
o tema das mulheres na trajetória missionária de Paulo mediante uma ampla
pesquisa publicada na Alemanha em 1992 sobre a epístolas paulinas, incluindo
erros cometidos de tradução delas (Baumert, 1999). Além de ressaltar a dignidade
feminina, o livro psicografado por Chico Xavier traz ainda em uma nota a
definição mais sucinta e clara existente sobre algo muito importante na Bíblia e
no mundial segmento cristão:
Ninguém
deverá ignorar que Espírito Santo designa a legião dos Espíritos santificados na
luz e no amor, que cooperam com o Cristo desde os primeiros tempos da
Humanidade.
(Xavier;
Emmanuel, 2013, p. 7)
Creio que a presente reflexão sobre a veracidade do relato em tal livro cabe
também, de algum modo, quanto às obras congêneres de Emmanuel, chamadas
igualmente pela FEB e o movimento espírita de “romances históricos”. Neste
sentido, vejamos o que seu autor diz nos três textos de introdução delas,
respectivamente: Cinquenta
anos depois (2004) [1940]; Renúncia (2015) [1944];
e Ave Cristo (2015) [1953].
Se leste as
páginas singelas do ‘Há dois mil anos’ é possível que procures aqui a
continuação das lutas intensas, vividas pelas suas personagens
reais, na arena de lutas redentoras da Terra. É por esse motivo que
me sinto obrigado a explicar-te alguma coisa, com respeito ao desdobramento
desta nova história [grifos meus].
(Xavier;
Emmanuel, 2004, p. 7)
Para as
almas sinceras, que ainda solucem nos laços do desânimo e desalento, a
história de Alcíone [grifo
meu] é um bálsamo reconfortador”.
(Xavier;
Emmanuel, 2015, p. 8)
Alinhando,
pois, as reminiscências deste livro, não nos propomos romancear, fazer
literatura de ficção, mas sim trazer aos nossos companheiros do Cristianismo
redivivo, na seara espírita, breve página da história sublime dos pioneiros
da fé [grifos
meus]
(Xavier;
Emmanuel, 2015, p. 8)
Pode-se
observar que na introdução das três obras, seu autor espiritual emprega a
palavra história, em vez de romance, sendo isso categórico e
explícito na última delas, publicada em 1953. Cabe, por fim, vermos como ele se
referiu especificamente a Paulo e Estêvão. A primeira vez, em 18 de
fevereiro de 1941, numa mensagem psicografada por Chico Xavier durante uma
reunião doméstica na casa de seu chefe, Rômulo Joviano, na Fazenda Modelo -
lugar onde a obra foi transcrita ao papel durante oito meses - Emmanuel utiliza
o referido termo.
Que Jesus
recompense a todos pela cooperação ao esforço humilde na história [grifo
meu] do grande apóstolo dos gentios.
(Xavier;
Emmanuel, 2014, p. 153)
Porém, quatro
meses depois e exatos treze dias antes de assinar o texto introdutório de Paulo
e Estêvão, o mentor de Chico Xavier não utilizou a palavra história para
se referir à obra:
Os retoques
ao livro da biografia romanceada de Paulo de Tarso poderemos concluir em breves
dias.
(Xavier;
Emmanuel, 2014, p. 159)
O
uso da expressão “biografia romanceada” não
remete a uma biografia fictícia, mas sim a algo escrito com beleza literária, o
que não significa redigida com omissão ou então suavização de fatos, por vezes,
violentos. E isso é explicitado, mais uma vez, pelo próprio Emmanuel, também no
texto introdutório da obra:
Esclareceremos, ainda, que não é nosso propósito levantar apenas uma biografia
romanceada (...) A
contribuição de Estêvão e de outras personagens desta história real [grifo
meu] vem confirmar a necessidade e a
universalidade da lei de cooperação.
(Xavier;
Emmanuel, 2013, p. 7; 9)
Devido aos
escritos espirituais reproduzidos acima e por causa de tudo que já foi dito
neste pequeno artigo, defendo que tais obras sejam reclassificadas pela FEB não
mais como “romances históricos”, mas sim como livros históricos de
Emmanuel, o que elas realmente são. Creio também que um glossário ao final de
cada uma delas, contendo o significado das palavras ausentes do nosso cotidiano
desta fase do século XXI, ajudaria bastante a difundir sua importante leitura
nos segmentos menos intelectualizados, ou seja, as popularizaria mais. E tenho
bastante esperança de que Paulo e Estêvão se torne um belo filme
espírita.
Conclusão
Foram
objetivamente expostas neste singelo texto as razões pelas quais podemos
reconhecer a veracidade da história narrada no livro Paulo e Estêvão.
Além de fazer isso com base nelas, trata-se de considerar - sem qualquer traço
de idolatria - o testemunho missionário de Chico Xavier junto com Emmanuel e
guiado por este em suas obras psicográficas e na prática de vida. Há diversos
vídeos disponíveis no YouTube de palestras públicas nas quais é mencionado o
fato de os protagonistas da história narrada no livro terem-se tornado visíveis
ao médium, muito comovido em pranto, quando terminada a psicografia do livro,
para agradecerem a fidelidade com a qual ela havia sido transcrita.
Naquele momento, terminava uma empreitada que tivera início com uma reunião no
mundo espiritual para tratar da elaboração dessa obra literária, supervisionada
pelo próprio Paulo de Tarso, conforme relato de Arnaldo Rocha, que foi amigo
próximo de Chico Xavier, contado diretamente a mim pelo também médium mineiro
Wagner Gomes da Paixão. Por sua vez, outro amigo de Chico, além de editor de
parte de seus livros e igualmente natural de Minas Gerais, Geraldo Lemos Neto,
complementa nesse sentido ao afirmar que Emmanuel foi uma espécie de “médium da
história de Paulo e Estêvão através daqueles que viveram essa história”.
Ele respalda tal afirmação em mensagem de Emmanuel psicografada na casa de
Rômulo Joviano em 25/06/1941:
A biografia
de Paulo tem trazido muitos lembranças amáveis e preciosas de antigos
companheiros de luta. Se fosse registrar todos os pedidos de amigos do grande
apóstolo, o livro custaria a chegar ao término. São negociantes de Colossos,
proprietários de Laudiceia, antigos trabalhadores de Tessalônica, figuras de
toda a Ásia, antigos filhos do cativeiro e do patriciado de Roma, que me trazem
subsídios para iluminar o quadro em que viveu o inesquecível apóstolo. Mas a
relação se torna impraticável, contudo, tudo o que eu puder trazer-vos de
agradável não deixarei de o fazer.
(Xavier;
Emmanuel, 2014, p. 155)
Para dizer, por fim, do propósito através do presente texto,
cabe relembrar o motivo pelo qual Emmanuel ditou o livro a Chico Xavier:
Nosso melhor
e mais sincero desejo é recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um
coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos
do Mestre, num esforço incessante. As Igrejas amornecidas da atualidade e os
falsos desejos dos crentes, nos diversos setores do Cristianismo, justificam as
nossas intenções [grifo
meu, relembrando que por “igrejas”, evidentemente, se entende as comunidades
cristãs em geral, inclusive as espíritas].
(Xavier;
Emmanuel, 2014, p. 7)
O autor parece
ter pretendido, com sua obra, assoprar a brasa do real amor fraterno nas casas
espíritas para que elas busquem, verdadeiramente, inspirar-se nas autênticas
comunidades cristãs, conforme o registro em Atos dos Apóstolos (2:
44-47), na descrição da Casa do Caminho até ocorrer a prisão de Estêvão, bem
como da comunidade liderada por Barnabé e Paulo em Antioquia e também, diria eu,
da italiana Porciúncula medieval, conduzida por Francisco de Assis. E para
encerrar este singelo artigo em prol do reconhecimento da veracidade da história
narrada por Emmanuel, deixo aqui parte das palavras finais do Nosso Senhor Jesus
Cristo na obra ao recomendar a Paulo de Tarso (Xavier; Emmanuel, 2013, p. 378)
que enviasse cartas às comunidades por ele formadas: “Poderás
resolver o problema escrevendo a todos os irmãos em meu nome; os de boa vontade
saberão compreender”.
Referências bibliográficas:
BAUMERT,
Norbert. Mulher e homem em Paulo. São Paulo, Loyola, 1999.
HOLZNER, Josef. Paulo
de Tarso. 2ª edição. São Paulo, Quadrante, 2008.
XAVIER, Francisco
Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo espírito Emmanuel. 45ª edição. Brasília,
FEB, 2013.
_______. Cinquenta
anos depois. 32ª edição. Rio de Janeiro. FEB, 2004.
_______. Renúncia. 36ª
edição. Brasília. FEB, 2015.
_______. Ave
Cristo! 24ª edição. Brasília. FEB, 2015.
_______. Deus
conosco. 4ª edição. Belo Horizonte. Vinha de Luz, 2014.
WRIGHT, Nicholas
Thomas. Paulo: uma biografia. Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2018.