Especial

por André Ricardo de Souza

É verídica a história narrada no livro Paulo e Estêvão(Parte 3 e final)

Contribuições de Paulo e Estêvão e como o livro foi designado por Emmanuel

Além de ser a principal biografia do convertido de Damasco e também um fundamental registro histórico do cristianismo nascente[1], o relato em Paulo e Estêvão contém, em detalhes, a valorização que o apóstolo dos gentios deu às mulheres nas comunidades cristãs, algo que Holzner (2008, p. 199-201) e Wright (2018, p. 101-102) ressaltaram em contraposição ao machismo amplamente atribuído a ele. Cabe dizer que o professor universitário e padre jesuíta polonês Norbert Baumert (1932-2019) também abordou o tema das mulheres na trajetória missionária de Paulo mediante uma ampla pesquisa publicada na Alemanha em 1992 sobre a epístolas paulinas, incluindo erros cometidos de tradução delas (Baumert, 1999). Além de ressaltar a dignidade feminina, o livro psicografado por Chico Xavier traz ainda em uma nota a definição mais sucinta e clara existente sobre algo muito importante na Bíblia e no mundial segmento cristão:

Ninguém deverá ignorar que Espírito Santo designa a legião dos Espíritos santificados na luz e no amor, que cooperam com o Cristo desde os primeiros tempos da Humanidade.

(Xavier; Emmanuel, 2013, p. 7)

Creio que a presente reflexão sobre a veracidade do relato em tal livro cabe também, de algum modo, quanto às obras congêneres de Emmanuel, chamadas igualmente pela FEB e o movimento espírita de “romances históricos”. Neste sentido, vejamos o que seu autor diz nos três textos de introdução delas, respectivamente: Cinquenta anos depois (2004) [1940]; Renúncia (2015) [1944][2]; e Ave Cristo (2015) [1953].

Se leste as páginas singelas do ‘Há dois mil anos’ é possível que procures aqui a continuação das lutas intensas, vividas pelas suas personagens reaisna arena de lutas redentoras da Terra. É por esse motivo que me sinto obrigado a explicar-te alguma coisa, com respeito ao desdobramento desta nova história [grifos meus].

(Xavier; Emmanuel, 2004, p. 7)

Para as almas sinceras, que ainda solucem nos laços do desânimo e desalento, a história de Alcíone [grifo meu] é um bálsamo reconfortador”.

(Xavier; Emmanuel, 2015, p. 8)

Alinhando, pois, as reminiscências deste livro, não nos propomos romancear, fazer literatura de ficção, mas sim trazer aos nossos companheiros do Cristianismo redivivo, na seara espírita, breve página da história sublime dos pioneiros da fé [grifos meus]

(Xavier; Emmanuel, 2015, p. 8)

Pode-se observar que na introdução das três obras, seu autor espiritual emprega a palavra história, em vez de romance, sendo isso categórico e explícito na última delas, publicada em 1953. Cabe, por fim, vermos como ele se referiu especificamente a Paulo e Estêvão. A primeira vez, em 18 de fevereiro de 1941, numa mensagem psicografada por Chico Xavier durante uma reunião doméstica na casa de seu chefe, Rômulo Joviano, na Fazenda Modelo - lugar onde a obra foi transcrita ao papel durante oito meses -  Emmanuel utiliza o referido termo.

Que Jesus recompense a todos pela cooperação ao esforço humilde na história [grifo meu] do grande apóstolo dos gentios.

(Xavier; Emmanuel, 2014, p. 153)

Porém, quatro meses depois e exatos treze dias antes de assinar o texto introdutório de Paulo e Estêvão, o mentor de Chico Xavier não utilizou a palavra história para se referir à obra:

Os retoques ao livro da biografia romanceada de Paulo de Tarso poderemos concluir em breves dias.

(Xavier; Emmanuel, 2014, p. 159)

O uso da expressão “biografia romanceada”[3] não remete a uma biografia fictícia, mas sim a algo escrito com beleza literária, o que não significa redigida com omissão ou então suavização de fatos, por vezes, violentos. E isso é explicitado, mais uma vez, pelo próprio Emmanuel, também no texto introdutório da obra:

Esclareceremos, ainda, que não é nosso propósito levantar apenas uma biografia romanceada (...) A contribuição de Estêvão e de outras personagens desta história real [grifo meu] vem confirmar a necessidade e a universalidade da lei de cooperação.

(Xavier; Emmanuel, 2013, p. 7; 9)

Devido aos escritos espirituais reproduzidos acima e por causa de tudo que já foi dito neste pequeno artigo, defendo que tais obras sejam reclassificadas pela FEB não mais como “romances históricos”, mas sim como livros históricos de Emmanuel, o que elas realmente são. Creio também que um glossário ao final de cada uma delas, contendo o significado das palavras ausentes do nosso cotidiano desta fase do século XXI, ajudaria bastante a difundir sua importante leitura nos segmentos menos intelectualizados, ou seja, as popularizaria mais. E tenho bastante esperança de que Paulo e Estêvão se torne um belo filme espírita.


Conclusão

Foram objetivamente expostas neste singelo texto as razões pelas quais podemos reconhecer a veracidade da história narrada no livro Paulo e Estêvão. Além de fazer isso com base nelas, trata-se de considerar - sem qualquer traço de idolatria -  o testemunho missionário de Chico Xavier junto com Emmanuel e guiado por este em suas obras psicográficas e na prática de vida. Há diversos vídeos disponíveis no YouTube de palestras públicas nas quais é mencionado o fato de os protagonistas da história narrada no livro terem-se tornado visíveis ao médium, muito comovido em pranto, quando terminada a psicografia do livro, para agradecerem a fidelidade com a qual ela havia sido transcrita.

Naquele momento, terminava uma empreitada que tivera início com uma reunião no mundo espiritual para tratar da elaboração dessa obra literária, supervisionada pelo próprio Paulo de Tarso, conforme relato de Arnaldo Rocha, que foi amigo próximo de Chico Xavier, contado diretamente a mim pelo também médium mineiro Wagner Gomes da Paixão. Por sua vez, outro amigo de Chico, além de editor de parte de seus livros e igualmente natural de Minas Gerais, Geraldo Lemos Neto, complementa nesse sentido ao afirmar que Emmanuel foi uma espécie de “médium da história de Paulo e Estêvão através daqueles que viveram essa história”[4]. Ele respalda tal afirmação em mensagem de Emmanuel psicografada na casa de Rômulo Joviano em 25/06/1941:

A biografia de Paulo tem trazido muitos lembranças amáveis e preciosas de antigos companheiros de luta. Se fosse registrar todos os pedidos de amigos do grande apóstolo, o livro custaria a chegar ao término. São negociantes de Colossos, proprietários de Laudiceia, antigos trabalhadores de Tessalônica, figuras de toda a Ásia, antigos filhos do cativeiro e do patriciado de Roma, que me trazem subsídios para iluminar o quadro em que viveu o inesquecível apóstolo. Mas a relação se torna impraticável, contudo, tudo o que eu puder trazer-vos de agradável não deixarei de o fazer.

(Xavier; Emmanuel, 2014, p. 155)

Para dizer, por fim, do propósito através do presente texto[5], cabe relembrar o motivo pelo qual Emmanuel ditou o livro a Chico Xavier:

Nosso melhor e mais sincero desejo é recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante. As Igrejas amornecidas da atualidade e os falsos desejos dos crentes, nos diversos setores do Cristianismo, justificam as nossas intenções [grifo meu, relembrando que por “igrejas”, evidentemente, se entende as comunidades cristãs em geral, inclusive as espíritas].

(Xavier; Emmanuel, 2014, p. 7)

O autor parece ter pretendido, com sua obra, assoprar a brasa do real amor fraterno nas casas espíritas para que elas busquem, verdadeiramente, inspirar-se nas autênticas comunidades cristãs, conforme o registro em Atos dos Apóstolos (2: 44-47), na descrição da Casa do Caminho até ocorrer a prisão de Estêvão, bem como da comunidade liderada por Barnabé e Paulo em Antioquia e também, diria eu, da italiana Porciúncula medieval, conduzida por Francisco de Assis. E para encerrar este singelo artigo em prol do reconhecimento da veracidade da história narrada por Emmanuel, deixo aqui parte das palavras finais do Nosso Senhor Jesus Cristo na obra ao recomendar a Paulo de Tarso (Xavier; Emmanuel, 2013, p. 378) que enviasse cartas às comunidades por ele formadas: “Poderás resolver o problema escrevendo a todos os irmãos em meu nome; os de boa­ vontade saberão compreender”.


Referências bibliográficas:

BAUMERT, Norbert. Mulher e homem em Paulo. São Paulo, Loyola, 1999.

HOLZNER, Josef. Paulo de Tarso. 2ª edição. São Paulo, Quadrante, 2008.

XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo espírito Emmanuel. 45ª edição. Brasília, FEB, 2013.

_______. Cinquenta anos depois. 32ª edição. Rio de Janeiro. FEB, 2004.

_______. Renúncia. 36ª edição. Brasília. FEB, 2015.

_______. Ave Cristo! 24ª edição. Brasília. FEB, 2015.

_______. Deus conosco. 4ª edição. Belo Horizonte. Vinha de Luz, 2014.

WRIGHT, Nicholas Thomas. Paulo: uma biografia. Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2018.

 

[1] Emmanuel opta pelo termo cristianismo nascente em vez de cristianismo primitivo. Isto faz refletir, uma vez que ‘primitivo’ remete a ‘atrasado’, sendo que as destacadas comunidades cristãs pioneiras são, na verdade, referência para as contemporâneas.

[2] Tal livro foi objeto de investigação, quanto à veracidade histórica, do químico e pesquisador espírita, com doutorado na área ambiental, Gilmar Trivelato, havendo vídeos seus a respeito no YouTube.

[3] Algo que aparece também na introdução do livro e que talvez tenha contribuído para a FEB classificá-lo como um romance histórico, tal como fizera com os dois anteriores.

[4] Link-1 Acesso em: 27/03/2021.

[5] Lembrando a lei de cooperação - mencionada por Emmanuel em sua obra, como visto acima - quero aqui agradecer às pessoas que dialogaram comigo, em algum momento, ou enviaram suas contribuições para a elaboração deste modesto artigo: Aíla Pinheiro Andrade, Almir Del Prette, Altino Mageste, Cesar Perri, Flávio Mussa Tavares, Geraldo Lemos, Gilmar Trivelato, Júlio Corradi, Tales Argolo, Wagner Paixão e minha esposa Margareth Cecoti de Souza.


André Ricardo de Souza é d
outor em sociologia pela Universidade de São Paulo, professor associado II do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos e organizador dos livros: Espiritualidade e espiritismo: reflexões para além da religiosidade (Porto de Ideias, 2017) e Dimensões identitárias e assistenciais do espiritismo (Appris, 2020). É integrante do paulistano Núcleo Espírita Coração de Jesus.

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita