Artigos

por Almir Del Prette

 

O espírita deve ser assertivo?

O termo assertivo se refere a um conjunto de comportamentos sociais, caracterizados pela expressão aberta e honesta de sentimentos, ideias, juízos concordantes ou discordantes com o interlocutor. Esse termo é derivado de assertividade, ambos cunhados por Joseph Wolpe (1) na década de 70. Wolpe era um psiquiatra e pesquisador sul-africano, que foi lecionar e pesquisar nos Estados Unidos, na Universidade de Philadelphia, iniciando, na ocasião, uma bem-sucedida carreira como clínico pesquisador. Um dos problemas que lhe chamou a atenção foi a ansiedade interpessoal.

A ansiedade se apresenta com correlato fisiológico-comportamental, que pode levar à baixa autoestima, insônia, timidez ou evitação de contatos sociais e agressividade. A ansiedade está relacionada à dificuldade em assertividade, podendo ocorrer ocasionalmente nas situações sociais mais complexas e, também, se generalizar para a maioria das interações sociais. Existem situações mais ansiógenas, por exemplo, falar em público, e outras menos ansiógenas, como cumprimentar o colega na chegada ao trabalho.

A literatura da área não registra um período do desenvolvimento mais crítico para o desenvolvimento da assertividade, que pode ocorrer desde a infância até a idade avançada. Wolpe observou que pessoas ansiosas apresentam dificuldades relacionadas ao contato com estranhos, principalmente quando investidos de autoridade, e classificou os comportamentos sociais em três categorias amplas: passivo (ou não assertivo), assertivo e agressivo. Em geral as pessoas oscilam entre essas três categorias de comportamentos com predominância em uma ou outra, a depender das situações cotidianas mais frequentes. Em 1976, Randolph Sanders desenvolveu sua tese de doutorado sobre treinamento assertivo e religião (2), na Austin State University, combinando um programa de educação religiosa com técnicas educacionais psicoterápicas para desenvolver comportamentos assertivos.   

O leitor que nos acompanhou até aqui, possivelmente tem algumas perguntas, que são comuns na abordagem desse tema na comunidade espírita: (1) Qual a relação entre movimento espírita e assertividade? (2) A participação ativa no movimento espírita pode ajudar no desenvolvimento da assertividade? (3) Por que os Espíritos não utilizam o jargão da assertividade? (4) Jesus teria sido não assertivo ao não responder sobre o que é a verdade a Pôncio Pilatos (João, 18:33,38)? Vamos tratar dessas questões sem a pretensão de encerrá-las enquanto discussão teórico-prática.

A primeira questão exige uma identificação de situações em que comumente, na casa espírita, se organizam as várias atividades, tais como, por exemplo, a abertura das reuniões, momento dedicado aos avisos, palestras, evangelização infantojuvenil etc. De certa forma, estas são fases da organização que podem fluir mais ou menos espontânea como exercícios de assertividade, mesmo não se utilizando vocabulário wolpeano. Por exemplo, a prece de abertura ou encerramento de uma reunião, o processo de recepção dos visitantes à porta da casa em uma palestra etc. De certa maneira os vários processos sociais cotidianos, tais como escola, trabalho, lazer etc., são ocasiões para aprendizagem da assertividade. Contudo, algumas vezes, as dificuldades interpessoais podem requerer a intervenção de um profissional em um sistema de atendimento.   

Quanto à segunda pergunta, a resposta é SIM! Neste caso, basta ler a vida das grandes personalidades espíritas. Chico Xavier, por exemplo, desde bem jovem, fazia leitura de trechos de livros espíritas durante as atividades do grupo em que participava. Isso e mais um conjunto de atividades no movimento espírita, e ainda as do trabalho profissional que realizava o ajudaram a se preparar para enfrentar situações complexas como, por exemplo, sua participação no programa “Pinga-Fogo”, da antiga TV-Tupi. Alguém pode objetar dizendo que Chico tinha o Emmanuel para apoiá-lo, entretanto, este jamais fez o que competia ao médium mineiro realizar.

A terceira questão, de certa maneira, é complexa. A espiritualidade, segundo as obras básicas, não interfere no desenvolvimento teórico-científico da humanidade, substituindo-nos em nossas tarefas. Quando os empreendimentos científicos da humanidade se tornam um passo adiante na senda evolutiva, os Espíritos adotam o novo jargão convencionado. Supondo, então, que a assertividade possa contribuir para o aperfeiçoamento espiritual do homem, é possível que esses termos sejam também utilizados pelos Espíritos que atuem no campo da educação e terapia. Daí talvez o reconhecimento por Joana de Ângelis (Espírito), que, através da psicografia de Divaldo Franco, escreveu, entre outros, o capítulo “Comportamento Assertivo” (4).

Em relação à quarta questão, vale lembrar a importância do autocontrole para o exercício da assertividade, quando a situação é de provocação ou enfrentamento. Nesse caso, Jesus em toda sua plenitude de autocontrole, situação muito singular, própria dos Espíritos altamente evoluídos, optou pelo silêncio diante do desafio de seu interlocutor ao perguntar o que é a verdade. O registro de João (18:33,38) é bem explícito e demonstra um Pilatos confuso e, de certa forma, pusilânime. Jesus não se intimidou como pretendiam as autoridades romanas e o Sinédrio. Pilatos não obteve nenhuma resposta verbalizada de Jesus, contudo, seu silêncio falou alto e até hoje ecoa em nosso sistema cognitivo nos impondo à reflexão: o que é a verdade?    

Michael Emmons foi o primeiro psicólogo americano a se interessar pela divulgação da assertividade junto aos membros das igrejas nos EUA. Ele se associou ao reverendo David Richardson e, após um programa extenso junto a participantes interessados, em 1973 produziram o livro O cristão assertivo (The Assertive Christian). O livro contém doze capítulos e o terceiro foi denominado por The Assertive Jesus. Alguns registros históricos do livro são interessantes, por exemplo, em 1976, Randolph Sanders desenvolveu sua tese de doutorado sobre treinamento assertivo e religião (2), na Austin State University, combinando um programa de educação religiosa com técnicas educacionais psicoterápicas para desenvolver comportamentos assertivos.

No Brasil, embora alguns religiosos tenham se interessado pela assertividade, ainda há pouca utilização do conhecimento produzido nesse campo como parte do processo educativo das novas gerações cristãs. O livro Habilidades sociais – O modelo de Jesus (3) foi idealizado a partir do atendimento acadêmico a uma jovem religiosa, aparentemente confusa em relação aos comportamentos de Jesus, narrados nos evangelhos. Sua confusão a levava a atender sugestões ou ordens de terceiros, o que lhe provocava crise de choros e autorrecriminações. Seus pais, inadvertidamente a apoiavam em sua submissão, pois viam a filha como exemplo de humildade. O atendimento da jovem estudante foi bem-sucedido e ela passou a compreender muito bem a importância do desempenho assertivo. Espontaneamente começou a falar sobre a assertividade em Jesus. Essa foi uma conquista importante, pois compreendeu que continuava cristã mesmo ao expressar sua opinião, algumas vezes discordantes de seus interlocutores. Seus pais somente aos poucos entenderam as mudanças de comportamento da filha e, ao verem-na mais calma e participante dos encontros da igreja, sentiram-se satisfeitos.

 

(1) Wolpe, J. S. (1976). A prática da terapia comportamental. São Paulo: Brasiliense.

(2) Emmons, M. & Richardson, D. (1981). The Assertive Christian. Minneapolis, MN: Winston Press.

(3) Ângelis, J. (Espírito). Franco, D. P.  (2004). Diretrizes para o êxito. Salvador, BA: Livraria Espírita Alvorada.

(4) Del Prette, A. & Del Prette, Z.A.P. (2003).  Habilidades sociais: O modelo de Jesus. Petrópolis, RJ: Vozes.
  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita