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por Cláudio Bueno da Silva

 

O Nezinho é que era feliz!


Lembro-me de um rapaz muito humilde e ingênuo que prestava serviço de limpeza e manutenção na Companhia em que eu trabalhava. O prédio tinha muitos andares, com uma das laterais toda envidraçada. A cada certo período, os vidros precisavam ser limpos. Então o Nezinho (era esse o seu nome) aparecia, com todos os equipamentos de segurança atrelados ao corpo magro, se pendurava nas cordas e vinha, de lá de cima, descendo e fazendo o seu trabalho. Todos gostavam do Nezinho e riam muito com ele. Espirituoso, sem ser galhofeiro, sua marca proverbial nas conversas era a frase “Não tem talvez”, que usava tendo ou não motivo. Era uma forma de dizer que estava lá, pronto pra tudo.

Levinho e brincalhão, batia com o calcanhar da bota de borracha nos vidros dos andares onde tinha conhecidos e fazia micagens, enquanto ensaboava e espirrava água nos espelhos. Numa dessas vezes, rindo da alegria infantil do Nezinho, um colega de setor filosofou: “Esse é feliz! Flertando com a morte, ri dela. Nezinho não sofre, por isso se dá bem com a vida”.

O tempo passou, sabotando muitas das nossas expectativas e esperanças da época, mas tenho certeza de que dando também boas respostas aos esforços de todos os que trabalhávamos naquela empresa e que éramos amigos do Nezinho. E hoje, lembrando daquela figurinha simpática e destemida, me ocorreu escrever algumas reflexões.

O “colega filósofo” estava certo em sugerir que as pessoas simplórias, iletradas, crédulas, sofrem menos? O espírito rude, sem malícia, pouco adiantado se choca menos com a realidade adversa, e por isso tem menos consciência do sofrimento? Em que medida o espírito ingênuo relaciona o sofrimento com suas causas e a necessidade de eliminá-las?

Acredito que um espírito com estas características se espanta pouco porque percebe menos. Não compreende intelectualmente muitas das situações que vive, e que ficam assim sem reflexão, sem avaliação. Sua natureza em desenvolvimento não se surpreende com a mesma eficiência dos Espíritos mais adiantados. Por isso seu nível de reivindicação perante a vida é insatisfatório e confuso, e busca para si quase que exclusivamente o que satisfaça às suas necessidades imediatas. Sob a ótica da evolução, não é um espírito mau, apenas caminha mais lentamente.

Observando-se bem, é possível identificar nas pessoas mais simples virtudes suaves que dão conta da alegria, da confiança e de um jeito humilde de não se magoar.

Possivelmente, o maior segredo da vida seja o avançar lento, gradual, imperceptível, das faculdades remotas do Espírito. Estas estão incrustradas nele, recebendo os golpes reativos das suas ações externas a princípio, e internas com o passar intermitente do tempo. Mais evoluído ou menos, do ponto de vista da convivência humana, é uma condição um tanto abstrata neste mundo, já que há ingênuas criaturas capazes de rir da própria dor, enquanto mentes lúcidas se inebriam com a dor alheia.

O Nezinho era um menino bom, e sob vários aspectos, acho sim, que ele é que era feliz...

 

Fonte de reflexão:

Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, livro segundo: Mundo Espírita ou dos Espíritos, capítulo I; Escala Espírita.

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita