Cinco-marias

por Eugênia Pickina

 

Educar sem violência


Somos as coisas que moram dentro de nós
. Rubem Alves


Punição, castigos, gritos, causam dor, humilhação e, ao contrário do que muita gente pensa, não educam.

Aprendemos melhor através do amor. Por sua vez, a dor ensina culpa, decepção, vergonha, ressentimento… É muito doloroso apanhar de quem se ama. E isso confunde a criança: “como alguém que diz que me ama pode também me ferir?” É cruel aquele que tem a função de educar uma criança, em vez de tratá-la com respeito, bater, maltratar, punir, fazendo, no dia a dia, o uso de violência.

Estudei os primeiros anos da escola com a Maria Rita, uma menina que era filha de um médico da cidade onde eu morava.  Ela apanhava com frequência da mãe, do pai, e ficava de castigo por horas a fio, o coraçãozinho atordoado.

“Dormi parte da tarde, eu acho, no castigo”, ela contava no recreio, rindo, mas os olhos cheios de lágrimas. Passou a ir mal na escola, não fazia as tarefas, vivia com raiva e, na aula, quando a professora a convocava para ler, ela se punha aflita, chorosa. Ou seja, por conta das punições, o comportamento da menina só piorou.

Perdi de vista a Maria Rita quando mudei de cidade. Mas nunca a esqueci. Meu coração se condoía por ela. Há alguns anos, nós nos vimos em uma livraria em Campinas. Na verdade, foi ela quem me reconheceu. Nós duas nos abraçamos e pergunta vai, pergunta vem, contou-me que tinha um filho e vivia em Ribeirão Preto. Indagou sobre mim, minha vida, ficou triste quando soube que minha mãe havia falecido, lembrando as ocasiões em que era acolhida na minha casa para almoçar e fazer trabalhos escolares, e tantas vezes as pernas marcadas por surras. Ela me disse: “passei a infância e adolescência achando que era uma péssima pessoa. Precisei de anos de psicoterapia para reconstruir minha autoestima, para validar meus sentimentos e competências. Claro que, quando crianças, precisamos de limites, aprender a seguir regras e a respeitar o próximo. Mas quando crescemos sob o efeito da agressividade, integramos, junto com a educação violenta, um distanciamento emocional dos pais e que me parece algo intransponível na vida adulta. Meu perdão a eles foi dado, mas convivência amorosa e espontânea está implicada com um outro cenário e do qual nunca tive acesso na minha infância, infelizmente”.

O que cabe aos pais ou aos cuidadores? Entender que cada filho é de um jeito e reconhecer que educar outro humano supõe um desafio cotidiano e, por isso, estamos sujeito a erros. No entanto, hoje em dia, é cruel e totalmente inaceitável educar uma criança fazendo uso da punição, de medidas que contemplem o uso da violência.

Educar sem bater?

No dia a dia, procure: a) não rotular seu filho, pois usar adjetivos na correção de uma criança faz com que ela interiorize esses rótulos e se limite devido a isso. Ou seja, quando digo/repito para uma criança “você não presta atenção em nada”, a tendência será ela realmente se tornar desatenta… b) deixe a criança chorar, pois chorar é uma forma de expressar sentimentos. Frustração, tristeza e angústia precisam ser experimentadas livremente pela criança; c) escute com atenção quando seu filho estiver contando algo e sugira caminhos apenas com o fim da narrativa. Isso fará com que a criança se sinta respeitada, entendida, confiando no seu auxílio/suporte para desabafar; d) valorize o esforço, porque reconhecer e validar as boas atitudes das crianças as estimulam a continuarem tentando e experimentando novas possibilidades. Ademais, desse modo, elas não vão desenvolver o medo de serem humilhadas, ridicularizadas ou ignoradas; d) apresente consequências lógicas, isto é, se o seu filho pintou a parede da sala, pode ajudar a limpá-la; se ele bateu no irmão, deve pedir desculpas, entender que o outro sentiu dor e reparar o dano com um curativo, por exemplo. Será a reparação do dano causado que ajudará a criança a regular suas emoções e entender que seu comportamento traz consequências; f) aborde a criança conforme a sua faixa etária: por exemplo, até os três anos a principal fonte de aprendizagem é a imitação; com adolescentes, é preciso procurar dimensionar corretamente o que se espera deles e saber o que eles conseguem de fato atender, e sempre levando em consideração a maturidade de cada um.

Por fim, sabemos que não é possível ter regras para tudo, então quando ocorrer uma falha séria, o sugerido é que pai e mãe respirem fundo antes de falar com a criança.


Notinhas

No Brasil, 80% da violência física dirigida a crianças e adolescentes acontece no meio familiar.

Se tiver dúvidas em relação à educação do filho, procure informar-se sobre a disciplina positiva e/ou também a comunicação não violenta, técnica de comunicação desenvolvida por Marshall Rosenberg que pode ajudar qualquer pessoa, mesmo em situações cheias de conflito como a guerra, a se comunicar de maneira mais eficaz.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita