Inveja dos jupiterianos!
– Não vai pegar bife, Marcinho? Você precisa comer
carne, filho!
Minha mãe me disse isso em tom enfático e todos na mesa
olharam para mim. Corei. Tínhamos visita de parentes e
nessas ocasiões o almoço era solene, com a mesa longa,
toda tomada.
Tentei resistir, afinal havia outras comidas para
escolher, mas minha mãe quis dividir sua inconformação
com os presentes, e insistiu: “Como pode desprezar um
bifinho macio assim? Você está em fase de crescimento,
Marcinho!"
Quase morri de vergonha. Os olhares continuavam sobre
mim e agora também os risos concordantes com o
despropósito de mamãe.
Criou-se uma expectativa e eu, vencido, enquanto me
predispunha a escolher o menor dos bifes, reparei que
todos já se haviam servido e manuseavam habilmente facas
e garfos.
Depois de respirar fundo, pus a carne no meu prato e foi
como se alguém tivesse apertado um botão e despausado a
conversa que estivera suspensa. O falatório reiniciou de
imediato e eu deixei de ser o foco das atenções.
Enquanto mastigava sem pressa, mentalmente ia
desculpando mamãe que não fez por mal, pois ela sabia
que eu não apreciava carne, embora às vezes comesse. Sua
preocupação bem possivelmente era com as “vitaminas” no
meu corpo, e quis mostrar aos convivas que conhecia a
importância disso. O que talvez ainda não
soubesse era que ultimamente se tornara difícil para mim
deglutir aquilo que eu sabia ter sido esfolado de
um animal morto.
Dar cabo daquele pedaço de carne foi uma das coisas mais
tristes que enfrentei na infância. Não sei se as falas
de mamãe tiveram alguma influência no meu psicológico,
fato é que comecei a sentir náuseas e lutei bravamente
para que ninguém percebesse. Acho que estava começando
ali o meu processo de rejeição à carne animal, de que me
orgulharia para sempre.
Mais tarde eu conheceria o Espiritismo, e a amplitude da
sua filosofia me faria refletir sobre o assunto me
deixando bastante satisfeito com aquela “decisão” madura
da minha adolescência.
Allan Kardec e os Espíritos não trataram objetivamente
da alimentação humana com carne animal. Esse tema não
fazia parte das preocupações da época, ainda ignorante
das contribuições que a ciência mais tarde traria sobre
a vida animal. Hábitos e costumes precisando de
renovação, o mundo de 1850 estava por se desenvolver
econômica e materialmente para a explosão demográfica
que ocorreria no planeta.
Passado o tempo, sabemos hoje da importância decisiva
que o reino animal tem na vida planetária, e atingimos a
exaustão com a industrialização egoísta e
impiedosa da Vida, de tudo. O homem já não mata animais
para prover à fome (se é que um dia o fez), e sim para
ganhar muito dinheiro.
O Espiritismo tratou competentemente das questões morais
profundas que envolvem toda a vida na Terra, e as ações
dos homens para com os animais estão subentendidas
perfeitamente em bases solidárias e de cumprimento às
leis de Deus.
O Espírito Bernard Palissy, que diz habitar Júpiter, faz
na Revista Espírita, abril de 1858, uma descrição
sobre as condições gerais daquele planeta, em tudo
superiores às da Terra: o estado físico do globo, dos
animais, o estado moral dos habitantes. Sobre a questão
proposta por Allan Kardec: “Qual a base da alimentação
dos habitantes? É animal e vegetal como aqui?”, o
Espírito Bernard Palissy revela: “Puramente vegetal. O
homem é o protetor dos animais”.
Nós da Terra agiremos assim, um dia. Por enquanto, é
quase impossível não sentir uma invejazinha dos
jupiterianos!
Saiba mais em:
Allan Kardec, Revista Espírita,
1864, março, “Da perfeição dos seres criados”.
Allan Kardec, Revista Espírita,
1865, abril, “Destruição recíproca dos seres vivos”.
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