Estelionato afetivo
Engana-se quem tem o entendimento de que o estelionato, tipificado no art. 171 do Código Penal, caberia, tão somente, nas relações comerciais, pois é passível a sua aplicação na esfera emocional/afetiva, o chamado Estelionato Sentimental, que se dá quando uma das partes do relacionamento afetivo, um namoro, aproveita-se dos bons sentimentos da outra para levar vantagem indevida. Aceitando presentes e valores, por exemplo, sem uma reciprocidade, num patamar que foge ao bom senso.
Tanto o Tribunal de Justiça do Distrito Federal como o Tribunal de Justiça de São Paulo já têm esse entendimento, já que as relações sociais têm que ter como pedra angular a boa-fé. É um dos princípios fundamentais do Direito que ninguém pode lesar ninguém. Assim como é um princípio básico de toda escola religiosa que devemos tratar o semelhante como nós mesmos gostaríamos de ser tratados. O “amar ao próximo como a si mesmo” das leis divinas trazidas por Moisés ou ainda quando Jesus foi interrogado pelo discípulo e reafirmou, segundo podemos observar em Mateus, 22:39.
Ah, mas ele fez porque quis, podemos afirmar usando de um artifício que Cairbar Schutel, no livro Conversando sobre Mediunidade, qualifica como teorias secundárias. Já que são desculpas que inventamos para nos escusar de responsabilidade, e que até possuem o manto da verdade. Mas que não tem base cristã e, portanto, não são válidas.
Quando agimos dessa forma estamos enganando a nós mesmos, pois, mais dia ou menos dia a nossa consciência desperta e vamos nos arrepender e entrar em conflito, querendo nos punir por termos agido mal. E, além disso, vamos minando a confiança das pessoas, de Espíritos encarnados e desencarnados, e vamos cada vez mais, dependendo do tempo que resolvemos mudar, desperdiçando oportunidades de boas relações. De ter ao nosso lado Espíritos que realmente se preocupam conosco, não nos vendo apenas como um pedaço de carne. Que primam e fazem o possível para contribuir com nosso bem-estar.
É muito importante, através do estudo sério da doutrina espírita, que nos leva à compreensão de como funciona a lei de causa e efeito, observar para o nosso próprio crescimento e não para apontar dedos, que as leis divinas são únicas e imutáveis e que as leis humanas é que vão se adequando às primeiras, de acordo com a evolução da humanidade. (Questão 763 de O Livro dos Espíritos.) E no exemplo em pauta, estelionato afetivo, não queremos incitar ninguém a começar uma briga nos tribunais, embora lícita e amparada pela jurisprudência, mas acima de tudo alertar a todos nós sobre como devemos proceder e sobre as consequências dessas escolhas em todas as esferas da vida.
O Novo Código de Processo Civil, inclusive, entende que é tão necessária e útil a conciliação, tão mais saudável à sociedade do que a demanda em si, que determinou que seja realizada audiência de tentativa de conciliação antes da apresentação da defesa do réu, sendo, ainda, possível a composição amigável a qualquer tempo processual.
E para a maioria de nós que gosta sempre de se colocar na condição de vítima, podemos trazer, ainda, um trecho do livro Sexo e Destino, do autor espiritual André Luiz, através da psicografia de Chico Xavier, que nos adverte sobre a influência de nossos pensamentos e atitudes sobre as atitudes de nossos semelhantes. André Luiz e seu mentor espiritual observam uma situação de traição conjugal e dizem que é digno de nota que, apesar da predisposição daqueles dois Espíritos que ali estavam envolvidos nessa relação, a expectativa de André Luiz e do seu mentor, no sentido de que o ato se consumaria, aumentava a vontade dos dois de praticar o ato. Significando que, apesar de cada um ser responsável pela sua escolha, muitas vazes, através dos nossos pensamentos, que possuem forma e energia, que não são uma abstração da realidade, mas algo que sai de nós para alcançar alguém, e de nossas atitudes e palavras, estamos também contribuindo para que as coisas aconteçam, sejam elas positivas ou não. E temos, portanto, também, a nossa parcela de responsabilidade.
Mas quando tivermos dúvida sobre como agir, haja vista sermos falíveis, vale lembrar da questão 632 de O Livro dos Espíritos: “Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal? Jesus disse: Vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis”.