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por Vladimir Alexei

 

A criação de significado como oportunidade de aprendizado espírita


Em uma carta a seu filho Eduard, em 5 de fevereiro de 1930, Albert Einstein com seu humor peculiar, registrou uma frase que ajudou ainda mais a popularizar o seu trabalho, bem como a sua personalidade: “a vida é como andar de bicicleta. Para manter o equilíbrio, é preciso se manter em movimento”.

A metáfora sempre foi um recurso didático importante para aproximar o interlocutor do conhecimento daquele que é o transmissor das informações estudadas. De fato, é um recurso poderoso, capaz de criar a ambientação necessária para que o aprendiz busque, na intimidade, algo que faça sentido diante do símbolo transmitido por outrem.

No afã de se transmitir o máximo possível de conhecimento para o educando ou aquele interessado em compreender sobre o Espiritismo, inundamos as pessoas com uma infinidade de informações que mais causam confusão do que criam significado.

A criação de significado é tão importante, mas tão importante, que é a responsável por tornar o conhecimento real no indivíduo. Isto é, só se conhece, e por conseguinte se transforma, a partir da criação de significado das informações colhidas em contato com o estudo doutrinário – seja por meio de palestras, grupos de estudos ou leituras edificantes ao longo do tempo. A transformação ocorre quando há um “consenso íntimo”, ou seja, quando aquilo que acredito e penso está alinhado diante do conhecimento necessário para impulsionar a transformação.

Isso explica, por exemplo, por que muitos espíritas inteligentes, bem formados, bem-intencionados, possuem muita capacidade, trabalhos sérios, mas não são realizados. O que conhecem, na realidade, é muito mais do que possuem de significado criado em sua intimidade, e com isso evidencia-se, por meio de palavras e gestos, a sua dificuldade em se transformar, em ser realmente espírita em sua intimidade. Em outras palavras, seria o mesmo que dizer que existem mais espíritas “de boca” do que espíritas convictos, transformados.

Outro ponto relevante, é que esses indivíduos conhecem mais ainda do que sua própria capacidade de articular sobre o conhecimento e se perdem em discussões improdutivas comparando conhecimento filosófico, científico e religioso entre si, sem chegar a lugar algum. É comprovado que conhecemos mais do que a ciência oficial é capaz de apresentar. Fato esse que ocorre com todos os indivíduos, sem exceção. A diferença é que alguns, ao estudarem o Espiritismo, criam significado em relação ao conteúdo sorvido a ponto de se transformarem na esteira do tempo.

A transformação não é um processo de espelhamento, em que a pessoa se compara ao outro ou é comparada com outro. A transformação é um processo de harmonização interior adquirido por meio do conhecimento.

O estudo sobre o conhecimento é antigo. Atribui-se a Platão (427 – 348 A.C – existem algumas divergências quanto às datas citadas), uma das primeiras definições sobre conhecimento: “crença verdadeira justificada”. É quase uma consequência natural: aquele que crê verdadeiramente se transforma porque a justificativa em questão se dá pelo uso da razão. Por isso sustentamos a ideia de que muitos estudam, aprendem, dedicam-se a tarefas uma vida inteira, mas não necessariamente se transformam, porque não criaram significado naquilo que é fundamental para seu crescimento espiritual.

Para saber mais sobre o conhecimento, pesquisadores de diversas áreas esquadrinharam os tipos de conhecimento e por isso não temos a pretensão de esgotar o assunto, mas cabe, sem dúvida, aprofundar. O conhecimento pode ser classificado por diversas perspectivas: compreensão da realidade; dimensão; ontologia; epistemologia; conteúdo, dentre outros. Em cada uma dessas perspectivas existem classificações. Por exemplo: o conhecimento estudado sob a perspectiva da compreensão da realidade, pode ser classificado como conhecimento sobre o senso comum, conhecimento filosófico, teológico e científico, e assim por diante. Do ponto de vista da dimensão, o conhecimento pode ser classificado como codificável, complexo, transferível, agregador, apropriado etc. O estudo é, como dissemos, profundo.

Os fatores que influenciam a criação de significado são muitos, dentre eles destacamos a crença e os valores do indivíduo. Alguns estudos apontam que é mais fácil mudar crenças do que valores, ainda que os valores influenciem as crenças.

Para ilustrar, utilizando um pouco mais sobre a vida de Einstein, foi considerado por alguns biógrafos como pacifista. Embora defendesse ideias socialistas, era avesso ao excessivo controle e à centralização autoritária. Com o passar do tempo, tornou-se resistente ainda ao nacionalismo – que considerava o “sarampo da humanidade”, fazendo alusão a esse movimento como uma “doença infantil” e, quando Hitler o obrigou a rever suas equações geopolíticas, demonstrou-se ainda mais pacifista, um resistente à guerra. Valores que cultivou ao longo da vida.

Para as pessoas que o cercavam, poderia parecer distante, mas transmitia uma vibração de benevolência, digna daqueles que alcançaram a maturidade, de acordo com suas crenças e valores mais próximos daqueles sentimentos superiores da vida.

Alguns autores espíritas tentaram aproximar os hábitos e costumes de Einstein do Espiritismo, como se isso fosse o suficiente para torná-lo espírita, ou ainda, se o fato de o aproximar do Espiritismo tornaria o Espiritismo maior do que já é. Talvez seja mais uma evidência de que conhecem sobre a doutrina, mas não necessariamente seu estudo criou significado.

Perguntaram a Einstein se ele acreditava na imortalidade. Sua resposta foi taxativa: “não. E uma vida é suficiente para mim”. Isso diminuiu Einstein? Em absoluto. Pelo contrário: viveu com toda força e vigor, de acordo com suas crenças e valores, contribuindo com aquilo que lhe cabia, ainda que não agradasse a todos.

Questionaram se ele, enquanto judeu, acreditava na existência histórica de Jesus. Sua resposta foi mais uma prova de sua coerência e da criação de significado quanto a tudo aquilo que ele absorvia de informações: “sem dúvida! Quem pode ler os Evangelhos sem sentir a presença real de Jesus? Sua personalidade pulsa em cada palavra. [...]”.

A criação de significado passa pela compreensão das informações que são absorvidas. Independente da crença, o reconhecimento à figura de Jesus é digno de nota por todos os indivíduos reencarnados, mesmo para aqueles que não vivenciam Seus ideais superiores. Na história da humanidade, quantos não apareceram tentando demonstrar superioridade, quando na realidade eram motivados pelo orgulho? Einstein foi diferente.

Ainda sobre o possível ateísmo de Einstein, em entrevista, foi taxativo novamente: “não sou ateu. O problema aí envolvido é demasiado vasto para nossas mentes limitadas”. E, para demonstrar sua humildade e ao mesmo tempo a riqueza didática das metáforas, complementou sobre o tema “Deus”, que “estamos na mesma situação de uma criancinha que entra numa biblioteca repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito esses livros. [...] É essa, parece-me, a atitude do ser humano, mesmo do mais inteligente, em relação a Deus. Vemos um universo maravilhosamente organizado e que obedece a certas leis; mas compreendemos essas leis apenas muito vagamente” (grifo nosso).

Insistiram um pouco mais e perguntaram se seria essa a definição judaica para Deus. Novamente, para aqueles que tentaram aproximar Einstein do Espiritismo pelo “pensamento”, nova surpresa: “sou determinista. Não acredito no livre-arbítrio”.

Poderíamos explorar a pesquisa biográfica de Walter Isaacson, as memórias de Huberto Rohden e o próprio pensamento de Einstein (“Como vejo o mundo”, ed. Nova Fronteira), além de obras escritas por espíritas como Nelson Moraes (“Einstein e Kardec”) ou ainda Sylvio Brito Soares (“Grandes vultos da humanidade e o Espiritismo”), que não esgotaríamos as diferenças entre os pensamentos e as abordagens.

Entretanto, todos aqueles que se dedicaram em ler sobre a vida e obra de Einstein entenderam um pouco melhor o quanto aquele cientista era humano. O quanto a criação de significado é importante para que o conhecimento adquirido seja transformador do próprio indivíduo.

Com isso, compreendemos um pouco mais, hoje em dia, por que o volume de informações sobre o Espiritismo, que é tão maior do que já foi em toda sua existência, não seja capaz de transformar o indivíduo, na mesma proporção em que é falado, estudado e conhecido: porque não há criação de significado.

A organização do conhecimento pode ser compreendida como a criação de significado, construção do conhecimento e por último, tomada de decisão. A criação de significado, como dito no início, sedimenta a informação criando consenso íntimo entre crenças, valores e a informação absorvida. A construção do conhecimento pode ocorrer pela exteriorização, combinação, internalização e socialização.

Por isso, não basta apenas estudar o Espiritismo da forma que temos estudado ao longo das últimas décadas. É preciso questionar a prática adotada no estudo. É necessário compreender melhor as demandas de cada um para criar um método capaz de alcançar aqueles corações que buscam na doutrina espírita os esclarecimentos necessários para tomar decisões importantes de como mudar a própria vida.

Einstein realizou as maiores descobertas científicas do século XX, quiçá da ciência moderna, construindo seus projetos apenas pelo “pensamento”. Pelo pensamento ele conseguiu compreender a harmonia do universo e, consequentemente, a força criadora de tamanha proeza. Pelo pensamento Einstein descobriu que o “empreendimento humano mais importante é a luta pela moralidade em nossas ações”. Se pelo pensamento ele conseguiu ir mais longe do que a maioria de nós, lançamos no tempo e no espaço uma pergunta que pode fomentar um pouco mais a discussão: será que temos aprendido direito sobre o Espiritismo? Será que o Espiritismo que estudamos nas obras fundamentais e subsidiárias, é o Espiritismo que cria significado a ponto de transformar o meu ser em um Espírito capaz de viver melhor, em paz consigo e com sua missão?

Estamos revendo nossa forma de estudar e de buscar o significado das coisas que estudamos, para transformar nossas ações e harmonizarmos nosso ser diante do que temos visto, conhecido e vivido.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita