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por Cláudio Bueno da Silva

 

“Quero saúde para a minha mãe”


Estávamos próximos do Natal. Os últimos dias daquela primavera eram deliciosos, com bastante sol e todo o tempo disponível para nossas brincadeiras de criança.

Uma das distrações de que mais gostávamos, depois do futebol e dos mergulhos na lagoinha, era colecionar figurinhas. Sempre dávamos um jeito de arranjar dinheiro, ir na banca de jornais e comprar os pacotinhos que podiam trazer surpresas incríveis, se tivéssemos sorte.

Abrir os envelopes era um ritual cheio de impaciência. Destroçávamos as embalagens na ansiedade de encontrar os cromos carimbados que davam prêmios. Soubemos que o primo não sei de quem havia ganho um “jogo de chá”. “Será, você viu?”. 

Nossa idade não compreendia ainda os sedutores jogos comerciais do “capitalismo”, que tira muito e dá quase nada, mas a ingenuidade infantil nos fazia acreditar que era possível ganhar.

Certo dia, um dos meus amigos comprou uma caixa fechada com 500 pacotinhos. Um delírio.  Pediu minha ajuda para abri-los, um a um. O monte de figurinhas e embalagens crescia e nada de “carimbada”. Devassamos a caixa e só encontramos decepção.

Meu amigo se fechou em si mesmo, se encorujou encostado à mureta do terraço, e eu achei que ele estava triste por ter gasto o dinheiro inutilmente. Também frustrado, me associei a sua depressão fechando a cara.

Incomodado com a situação chata que se arrastava, imaginei quebrar o silêncio de alguma forma. Já que o Natal estava chegando me ocorreu perguntar: “O que você quer ganhar no Natal?” Ele levantou a cabeça – vi que seus olhos estavam molhados – e disse, num tom de voz que jamais esqueci: “Quero que Deus dê saúde a minha mãe”.

Sua mãezinha, presa a um cilindro de oxigênio, estava deitada no quarto ao lado, doente dos pulmões.

Creio que esta foi a primeira grande lição que tomei na vida sobre a relação amor e dor. O amor de um filho pela sua mãe, e a dor da impotência infantil frente a um golpe do destino. Não sabia como me solidarizar com o seu sofrimento, mas compreendi com muita lealdade que não gostaria de estar no seu lugar. Me lembrei da minha mãe e das dos outros meninos, todas saudáveis. Pensei em como seria não se ter a mãe por perto. Tive dó do meu amigo, sofri com ele. Alguns meses depois sua mãe faleceu.

Nossa amizade perdura até os dias de hoje. Lembrando agora daquele momento pungente, guardo a certeza de que não é necessário passar pela dor para aprender com ela. O sofrimento alheio pode nos ensinar muito. Com o tempo vamos desenvolvendo em nós o amor solidário, a ponto de distinguirmos na dor do outro o que possa ir além de uma simples frustração da vida.


 
 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita