“Vá com Deus, irmão!”
Soube que um conhecido palestrante estava realizando
sessões espíritas de materialização para pesquisa e
estudo. O amigo que me contou era seu vizinho e tinha
com ele relações de amizade. Sabendo da delicadeza e dos
cuidados que cercam esse tipo de trabalho, e que nele só
se é admitido a convite dos seus organizadores, pedi ao
amigo que marcasse uma entrevista com o orador, na
tentativa de ser admitido na reunião.
Hoje essas reuniões são raras (se é que existem), e por
vários motivos, dentre eles a falta de médiuns
específicos e por ter o movimento espírita priorizado os
estudos filosóficos e morais. Mas em décadas passadas
havia quem se dedicasse a elas.
No dia acertado fomos à sua casa. Assim que entrei, me
causou curiosa impressão a simplicidade do ambiente.
Ingenuamente, devo ter associado a importância do seu
nome no movimento espírita a uma sofisticação qualquer
que absolutamente não encontrei na sua casa. Poucos
móveis – e muito simples – se destacavam na luz moderada
da sala naquele fim de tarde. Uma pintura mediúnica
(soube depois) pendurada numa das paredes nuas, e um
silêncio profundo quebrado pela fala mansa e educada da
esposa do orador. O aspecto do ambiente revelava
moradores circunspectos e cristãos.
Ela nos disse que seu marido atendia a um compromisso,
mas que estava para chegar. Conversamos fraternalmente
enquanto o aguardávamos, até que após cerca de trinta
minutos julguei por bem deixar o encontro para outra
ocasião.
As atividades múltiplas me absorveram de tal forma
naquele período que o desejo de assistir à reunião de
materialização prescreveu e acabei não tendo outra
oportunidade. Ainda bem. É quase certo que não estivesse
preparado para colaborar satisfatoriamente em reunião
tão delicada. Possivelmente minha curiosidade falasse
mais forte que qualquer outro tipo de interesse.
Muito tempo depois esse mesmo palestrante visitou, a meu
convite, a casa espírita em que eu colaborava. Na
ocasião falou sobre a onisciência, a onipotência, a
onipresença de Deus. Maravilhosa palestra. Lembro-me que
emitiu, em passant, sua opinião sobre a
desnecessidade de expressões como “Fique com Deus”, “Vá
com Deus”, por serem redundantes, já que Deus é e está
em tudo e em todos.
De minha parte, penso que essa redundância não atrapalha
em nada os votos de boas vibrações que as pessoas
desejam umas às outras. No entanto, a observação pareceu
causar certa estranheza em alguns assistentes.
Terminado o evento, após as palavras de agradecimento e
despedida, já do lado de fora da instituição, alguém do
nosso grupo se despede do palestrante e diz, cheio de
sinceridade: – Obrigado, irmão, vá com Deus!
O nosso orador, que já entrava no seu veículo, voltou-se
para mim e riu gostosamente. Eu, por minha vez, não
podia fazer diferente, e ri também.
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