COnVite à
InterDependência
Na década de 1980 (1986, mais precisamente) relançaram
nos EUA e também no Brasil o seriado “Além da
imaginação” (Twilight Zone), original de 1959,
uma criação de Rod Serling, e nessa nova roupagem (já
teve outras reedições, inclusive, uma dos tempos atuais
na Amazon Prime) havia um episódio assustador, com o
nome original "Button, Button", e que veio a ser
convertido em um filme chamado “A caixa”, datado de
2009, estrelado por Cameron Diaz.
Nesse episódio, um estranho presenteia um casal com uma
caixa com um botão na parte superior, prometendo que se
eles o apertarem, iriam receber uma grande quantia em
dinheiro. Mas, ao apertar o botão, alguém que eles não
conheciam iria morrer. Um mote de gelar a espinha que,
para ilustrar o tema do presente artigo, vamos
desenvolver com um pouco de spoilers, dado o
tempo distante de exibição do mesmo.
O dilema moral consome todo o episódio. Os protagonistas
jogam a caixa fora, mas no outro dia ela aparece na
porta da frente de novo. E, por fim, após grande
conflito, eles apertam o botão, e no dia seguinte, surge
novamente o misterioso homem de outrora, pegando a caixa
de volta e entregando a eles uma vultosa soma em
dinheiro. Ao indagarem o homem sobre o destino da caixa,
este responde que ela será entregue a alguém que eles
não conhecem.
Fora a noite maldormida depois de ter assistido a esse
episódio na minha juventude, ele trouxe uma profunda
reflexão, que foi resgatada agora, nesse período da
crise sanitária derivada do Novo Coronavírus. O sagaz
episódio trata da interdependência que nos vincula,
Espíritos encarnados, e que emerge com força agora com a
pandemia da Covid-19. Trata, enfim, da solidariedade.
Sim, pois essa pandemia (como outras da história),
apesar de ser evitada pelo isolamento social, exige que
saiamos de nossa individualidade para adotar pactos
coletivos entre as pessoas e que impeçam a proliferação
do vírus. Assim, ao nos comprometermos a reduzir a
circulação, a usar máscaras e álcool em gel, percebemos
que esses ritos só têm efetividade na adoção destes por
uma grande maioria.
Da mesma forma, a solução para essa pandemia, como em
outras, a vacinação, não é uma questão individual e sim
coletiva, pois a proteção efetiva só ocorre quando uma
parte significativa da população está imunizada. Uma
realidade na qual importa a vacinação geral e não a
vacinação de uma pessoa apenas com a vacina A ou B, como
têm defendido os pesquisadores.
Para além de esvaziar argumentos dos chamados "sommeliers
de vacina", essa discussão da crise sanitária se
assemelha à lógica da Caixa do Twilight Zone. O
homem misterioso oferece um benefício que depende de uma
escolha, mas essa escolha pode afetar alguém que você
não conhece. Mas esse alguém, amanhã, é você.
Da mesma forma, o contexto de prevenção da Covid-19 nos
convidou a escolhas que poderiam nos trazer o benefício
imediato, como desprezar protocolos sanitários, mas que
poderiam prejudicar alguém que não conhecemos. E esse
mal nos atingiria, em algum momento, seja pela doença ou
por outras consequências advindas desta, em um
verdadeiro circuito fechado.
Muita gente boa não percebeu que essa crise sanitária
foi um convite à interdependência, em um mundo que anda
tão permeado de individualismo, um nome gourmetizado do
velho egoísmo. Tão ocupados com as nossas questões, nos
vimos obrigados a pensar no coletivo, como foi com a
varíola, que causou a revolta da vacina no Rio de
Janeiro, em 1904. Aliás, a varíola, chaga mortal, só foi
erradicada do planeta em 1980, quando houve uma
articulação dos países para combater esta, inclusive,
nos bolsões de pobreza.
A Covid-19 é uma doença terrível, mortal, e no Brasil e
no mundo acumula mazelas na grande quantidade de óbitos,
sem contar os problemas derivados das sequelas e dos
reflexos sociais, em um universo de grande
desconhecimento da extensão dos males derivados dessa
enfermidade. Cabe a nós nos solidarizarmos com as
vítimas e trabalhar para a sua efetiva erradicação.
Mas é inconteste que a solução das mazelas desse vírus
passa pelo resgate da interdependência, da percepção de
que cada Espírito encarnado é um irmão de jornada, de
que cada país é parte do mesmo planeta, e que o nosso
agir será efetivo não somente para nos resguardarmos,
mas também para proteger uma pessoa que não conhecemos.
Uma pessoa que amanhã pode ser a gente.