É tudo uma questão de esforço
pessoal?
São fundamentos da Doutrina espírita os
seguintes conceitos: depende apenas de o
indivíduo apressar o seu progresso para a
perfeição[i],
não existem arrastamentos irresistíveis[ii],
e o homem pode sempre vencer as suas más
tendências com seus próprios esforços[iii].
Mas, será que as coisas são sempre assim, ou tão
simples assim? Não existirão situações
especiais, que poderiam configurar exceções a
tais princípios?
Um estudo atento do tema leva-nos a considerar
dois aspectos especiais.
O primeiro identifica-se com a condição
psicológica de certos indivíduos que, em
decorrência de um transtorno mental, têm
inibidas a sua vontade e a capacidade de, por si
mesmos, superarem certos desafios.
O manual estatístico e diagnóstico dos
transtornos mentais – DSM, da Sociedade
americana de Psiquiatria, em sua quinta
edição (2013), ao examinar a sintomatologia dos
Transtornos depressivos, coloca que muitos
pacientes acometidos dessa condição clínica se
mostram apáticos, inibidos física e mentalmente,
com dificuldade de raciocínio, concentração e
tomadas de decisão. Tudo isso como manifestações
do transtorno. Ou seja, a própria condição
psicopatológica impede, em grande parte, que as
pessoas acometidas tomem as decisões necessárias
em sua vida, ou demonstrem capacidade de
superação. [iv]
Kardec reconhece essa possibilidade ao afirmar
que o comprometimento das faculdades mentais tira
ao homem o livre-arbítrio, pois não é senhor do
seu pensamento aquele cuja inteligência se ache
turbada por uma causa qualquer e, desde então,
já não tem liberdade. Acrescenta ainda que o
Espírito sofre por efeito desse
constrangimento, de que tem perfeita consciência,
mas que não consegue evitar por ação constritora
da matéria corpórea.[v]
Um segundo aspecto a ser considerado também foi
reconhecido por Kardec, quando examinou a
condição de Espíritos que, sem serem maus, se
conservam indiferentes à sua sorte. Nessa
oportunidade, o codificador afirmou que existem
Espíritos em que lhes falta energia
suficiente para quererem o que os pode aliviar. Afirma
Kardec: Quantos indivíduos se contam, entre
vós, que preferem morrer de miséria a trabalhar? [vi]
Fica bem evidenciado que muitos indivíduos, pela
sua própria condição evolutiva, ainda não
desenvolveram a energia necessária à superação
dos obstáculos da vida, mantendo-se à margem de
uma existência operosa ou criativa. Entram no
rol daqueles que são rotulados de preguiçosos,
acomodados, negligentes, descansados ou
exploradores.
Esses Espíritos, em decorrência das experiências
reencarnatórias, estarão paulatinamente
adquirindo a força íntima que ainda lhes falta
para assumirem a condição de construtores do seu
destino.
De nossa parte, cabe-nos a devida compreensão do
fenômeno e a atitude que entende e respeita a
condição evolutiva e as inibições patológicas
das pessoas que convivem conosco, não deixando,
todavia, de, amorosa e pacientemente,
estimulá-las à própria superação.
Segundo Emmanuel, Deus
nos concede o privilégio de trabalhar, a fim de
agir por nós mesmos e para que tenhamos a bênção
de substituir aqueles que ainda não entendem a
felicidade de trabalhar. [vii]
[i] LE, item 117.
[ii] LE, item 845.
[iii] LE, item 909.
[iv] DSM-5 on-line, pag. 155.
[v] LE, item 847.
[vi] LE, itens 995 e 995ª.
[vii] Paciência, cap. 19.