Vigilância
e
calúnia
A vigilância é tarefa árdua e mais que necessária ao
cumprimento da boa frutificação do ser na Terra. Sem
ela, corre-se o risco de desperdiçar recursos, tempo e
oportunidades valiosas, principalmente na retificação
necessária do pretérito ou, ainda, na extensão das
conquistas presentes. Isso se deve tanto por fatores
internos quanto externos. Estes últimos, por meio de
interesses contraditórios de terceiros, pois um mesmo
problema pode afetar de diferentes pontos de vista e
formas. Nem sempre eles estarão dispostos à colaboração,
pois variados são os inços que coadunam com o
desperdício. São exemplos destas ervas daninhas das
relações humanas: a inveja, o rancor, a ira, a mágoa, o
ressentimento, o ódio etc. Quanto aos fatores internos
do ser, pode-se destacar a falta de confiança em si, a
falta de autoconhecimento, a negligência da renovação
interna, a preguiça, a vaidade, o orgulho etc.
Quem busca autoconhecer e se fortalecer naquilo que é
necessário, constrói fortaleza interior que consegue
superar muitos desafios. Ou nas palavras do filósofo
alemão Friedrich Nietzsche: “Quem tem por que viver
aguenta quase todo como”.
Dentre as provas comportamentais do indivíduo, vamos
destacar a questão da calúnia e a necessidade da
vigilância. Caluniar é dar falsos testemunhos, de agir
com leviandade e falsidade nos dizeres, de contar
lorotas ou mentiras. Infelizmente, práticas não raras em
épocas de fake news, assim como de vivências em
organizações que valorizam apenas a pressão por
resultados e, por isso, não expressam um ambiente mais
salutar e espiritualizado. O que facilita o aparecimento
e propagação das fofocas de bastidores. É o efeito do
‘rádio peão’ ou ‘rádio corredor’. São as conversas
frívolas na hora do coffee-break ou do happy-hour.
Para alguns, falar mal dos outros é hobby. Infelizmente
não percebem a gravidade ou a falha moral. Nas
observações de Tiago: “Assim também a língua é um
pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas. Vede quão
grande bosque um pequeno fogo incendeia[1]”.
Ainda, há muitas outras pessoas que se expressam de
qualquer jeito, pois não conhecem o poder das palavras
ou as consequências de suas atitudes, pensamentos e
ações. Devido à ignorância, desconhecem que o mundo é um
grande espelho e tudo que se fizer para o próximo volta
para si mesmo. Além disso, o mal praticado sempre tem
guarda na consciência e o peso da cobrança e do remorso
vem bater à porta em algum momento. Assim, vigilância
sempre! Seja por aquilo que sai da boca, seja por aquilo
que se deixa entrar pelos ouvidos. No caso da calúnia,
principalmente destes últimos. Faz parte da caridade
aprender a escutar e não dar abrigo a tais sementes.
Caso contrário, a calúnia vai crescendo na mente e no
coração. Para Emmanuel, “obscurecer, falsear, iludir
constituem armas invisíveis e mortíferas dos que operam
a confusão[2]”.
É preciso aprender a não reter o que não faz bem. Nem
toda carta remetida ao destinatário precisa ser
recolhida pelo mesmo, pois “ambiente limpo não é o que
mais se limpa, mas o que menos se suja[3]”.
Por isso, “melhor é ouvir a repreensão do sábio, do que
ouvir alguém a canção do tolo[4]”.
Quando bem usada, a língua pode ser passaporte para a
construção de uma vida mais positiva e destinada ao bem
geral e universal. Por outro lado, pode também se
assemelhar a uma serpente que pica, mas que a eficácia
do veneno depende da pessoa que o recebe. Quem se mantém
em vigilância e mantém os bons valores não precisa
temer. Nas boas orientações de Aniceto[5]:
“a calúnia quando fere uma consciência tranquila não
passa de serpente mentirosa, a transformar-se em flor de
virtude nova, quando enfrentada com o valor duma coragem
serena e cristã”. De maneira semelhante, aparece a
recomendação de uma avó: “A calúnia, Nieta, é uma
serpente que ameaça o coração; entretanto, se a
encararmos de frente, fortes e tranquilas, veremos, a
breve tempo, que a serpente não tem vida própria. É
víbora de brinquedo a se quebrar como vidro, pelo
impulso de nossas mãos. E, vencido o espantalho, em
lugar da serpente, teremos conosco a flor da virtude[6]”.
Para transformar serpente em flor, valiosa é a mensagem
de Cristo sobre o perdão. Perdoar de forma incondicional
e ainda desejar o bem e orar para o próximo auxilia no
desarme de armadilhas futuras que podem pegar
desprevenido o incauto. A oração e a vigilância são
imprescindíveis para a superação de tais situações, pois
não é uma questão simples. Por outro lado, não se pode
fazer de qualquer jeito, apesar da necessidade
pedagógica do ensinamento e da aprendizagem. Neste
sentido, talvez Pestalozzi seja muito mais do que um
educador de crianças, mas de almas. É preciso amor e
paciência para a superação das situações de atrito no
cotidiano, justamente para não piorar a situação. É
preciso ser exemplo vivo de Cristo, com a fortaleza
interior robusta e o autoconhecimento para não deixar a
serpente da calúnia nos prejudicar. De serpente a flor
de nova virtude é o que se alcança com a superação de
obstáculos da calúnia. O Evangelho não é simplesmente a
Boa Nova no sentido formal, mas é a transformação
íntima, a formação do caráter e dos exemplos. Sejamos
como os portadores da Boa Nova em nosso coração, mente e
pensamentos, pois na lei da afinidade, cada vez mais
atraímos os que nos são semelhantes. Mesmo a calúnia não
encontra brecha para quem está vigilante e com a casa em
ordem. Além disso, serve como estímulo ao fortalecimento
do Cristo interior, tal como espinho na carne do
apóstolo dos Gentios[7].
Sejamos como aqueles que olham para o alto e buscam a
paz. A paz de Deus que revigora e nos acalenta para
novas tarefas e provações. Não desanimemos e continuemos
a orar e vigiar, trabalhar e amar[8].
[2] Emmanuel.
Harmonização. 2010, Não Vos Enganeis!, p. 109.
[5] André
Luiz. Os mensageiros. 2008, p. 239.
[6] André
Luiz. Os mensageiros, 2008.
[7] Paulo
de Tarso, 2 Coríntios 12:7-9.
[8] Em
homenagem aos meus queridos pais, Paulo Hayashi
e Ioko Ikefuti Hayashi.