Não fazemos somente o mal
- Não aguento mais tantas acusações, eu errei
sim, mas não param de apontar o dedo na minha
direção, me culpando por tantos infortúnios.
Pelo amor de Deus me ajudem, socorro, socorro...
Era o Espírito Maria Lucinda que chegava à
sessão mediúnica destinada a amparar os
sofredores, em torturante desespero, ante a
situação desconfortável em que se encontrava.
- Tenha calma, minha irmã, em nome de Deus aqui
estamos para ampará-la. Seja bem-vinda à nossa
Casa.
- Por favor, tenham piedade de mim, só ouço
acusações, gritos desesperados. Estou cercada
por criaturas que afirmam que as atirei na vala
do sofrimento. Não aguento mais, faz muito tempo
que sofro assim...
- Minha, irmã, a Providência Divina a ninguém
desampara.
- Sou uma réproba, cometi muitos erros, tenho
consciência disso e, por certo, Deus não me
perdoará, eu só fiz o mal, minha vida foi um
equívoco, não tenho salvação, piedade,
piedade...
- Não fazemos somente o mal, minha irmã, mesmo
que seja em doses diminutas, em nossa existência
alguma coisa boa realizamos. Você está sendo
socorrida, confie.
- Não, não, ninguém poderá fazer nada por mim,
meus erros foram muitos, comprometi a vida de
muita gente, de muitas mulheres e crianças.
Nesse momento, inspirado pelo Espírito Benfeitor
que atuava na referida sessão mediúnica, o
responsável pelo atendimento à Maria Lucinda
começou a narrar.
- Lembre-se, minha irmã, de uma manhã de
domingo, quando sentada na varanda de sua
residência recebeu uma jovem desesperada, com o
cabelo em desalinho e semblante abatido, pedindo
que a acolhesse em sua casa de prostituição,
para que pudesse viver ali e ganhar a vida, pois
que fora expulsa da casa dos pais por estar
gravida?
- Quem lhe falou sobre isso, aqui ninguém sabe a
respeito?
- Isso não importa agora, mas sim a sua ação
benfeitora, pois que condoída com a deplorável
situação da jovem você não a acolheu nas
dependências onde mulheres, sob o seu comando,
vendiam ilusões e prezares. Sendo proprietária
de outro imóvel, pequeno, depois de mobiliá-lo,
pois que era detentora de largos recursos
financeiros, a instalou lá. Foi além disso, pois
que em seguida procurou o homem, parceiro
daquela jovem, orientando-o para que assumisse a
sua responsabilidade. O casamento foi feito e,
além daquela gravidez que trouxe ao mundo um
robusto garoto, o casal concebeu mais dois
filhos. Ainda, procurou os pais dos dois jovens
e conseguiu convencê-los da necessidade de
apoiarem o casal. Daí para frente a vida seguiu
seu curso normal, tendo ganhado, diante das
circunstâncias, dois filhos e três netinhos do
coração, além da amizade e gratidão dos
genitores.
- Meu Deus, como o senhor tem todos esses
detalhes? Essa decisão me proporcionou as
verdadeiras alegrias da minha infeliz vida...
Maria Lucinda, agora mais calma, encontrava um
pouco de equilíbrio e serenidade.
- Veja, minha irmã, como na vida não fazemos
somente o mal. Mas, por certo, sua curiosidade
deseja saber como chegou até aqui, agora, sendo
socorrida, não é?
- Sim, ia perguntar isso.
- Então olhe bem para frente e veja quem vem
chegando. Foram eles que rogaram a Deus em seu
benefício.
Entre lágrimas e tremenda emoção, Maria Lucinda
repousa seus olhos cansados sobre os pais do
casal que, com tanto carinho e atenção, um dia
ela acolheu e cuidou como se fossem seus
próprios filhos. Naquele quadro de sentimentos e
emoções estava desenhada a lei de causa e
efeito.
Tinha ela errado muito sim, pois que por muitos
anos se beneficiou financeiramente, juntando
fortuna, explorando mulheres indefesas, numa
casa de prostituição. No entanto, também se
sensibilizou pelo drama de uma jovem
desprotegida, que fora expulsa do lar.
O reflexo dos nossos erros nos apresenta
amarguras e sofrimentos, já o reflexo dos nossos
acertos e do bem que fazemos nos brinda com a
serenidade e a paz. Temos a liberdade de
decidir.
Reflitamos.