O conforto do frio e o aconchego do fogo
Era um início de noite quente, saí para caminhar ao
redor do lago Igapó, aproveitar para ver as luzes de
Natal que deixam um clima alegre e esperançoso no ar.
Enquanto caminhava, chamou minha atenção a conversa de
dois jovens que vinham um pouco atrás de mim.
Esbravejavam suas convicções, cheios de certezas sobre o
momento que a humanidade está passando, expondo opiniões
fortes, embasadas em interpretações políticas e
religiosas. O cerne da conversa era que o mundo seria
melhor sem aqueles que pensavam diferente deles, pois
eram falsos intelectuais, falsos profetas, incapazes,
ladrões... Era a hora da virada, a hora do basta!
As luzes, por um momento, começaram a piscar fraquinho,
sem brilho, e nos meus ouvidos soava forte um dos
argumentos expostos: “Eu sei as tuas obras, porque nem
és frio nem quente; oxalá, foras frio ou quente! Assim,
porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei
da minha boca”. (Apocalipse, 3:15-16)
Natal é tempo de esperança, tempo de repensar o ano, de
olhar para o outro com o mesmo amor que desejamos ser
olhados, de julgar o julgo piedoso, pois este será nosso
julgo.
Ao olharmos para o outro com superioridade, com
prepotência, sem tolerância, como se tivemos o poder de
julgar sem conhecimento total dos fatos, não estamos
sendo frios, estamos sendo indiferentes, levianos. Não
estamos sendo religiosos, não estamos nos conectando com
o plano de Deus para a humanidade, pois não estamos
abertos ao diálogo, ao entendimento. Nosso comportamento
impossibilita o crescimento do outro, espalha discórdia,
dor, separação. Tornamo-nos aquele
que será desprezado até
aprender a ser misericordioso.
Por outro lado, ao fugirmos das conversas produtivas, ao
negarmos nos envolver em favor do nosso irmão sob a
justificativa de que ele fez por merecer sua miséria,
seja ela moral, espiritual ou material; ao
concordarmos sem convicção com os que estão no poder,
para levarmos vantagens
indevidas; ao discordarmos por medo das represálias,
estamos sendo mornos, nos tornamos aquele que será
desprezado até aprender a ser misericordioso.
Quando nos manifestamos com eloquência opressora, com
firmeza passional, defendendo nosso ponto de vista a
todo custo, dispostos a ir às últimas consequências para
sairmos vitoriosos, não estamos sendo quentes, estamos
sendo irracionais, orgulhosos, como aquele que será
desprezado até aprender a ser misericordioso.
Tanto o frio quanto o fogo podem queimar, o frio pode
dar conforto quando utilizado corretamente, o fogo pode
proporcionar aconchego se usado na dosagem certa, já o
morno, uma mistura do frio e do quente, não aquece nem
esfria, não consola, será desprezado até aprender a ser
misericordioso.
Natal, Ano Novo, novas oportunidades nos serão
apresentadas para aprendermos a usar com sabedoria o
frio e o fogo. A misericórdia de Deus para com a
humanidade é infinita. Não nos coloquemos na situação de
necessitar de uma outra escola para nos tornarmos
misericordiosos.
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