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por Vladimir Alexei

 

Você é feliz no Espiritismo?


A felicidade, assim como o “céu e o inferno”, é um estado d’alma. A felicidade independe da sua condição social. Sendo a felicidade um estado íntimo, o Espiritismo tem ajudado você a ser feliz? Você se sente fortalecido sendo espírita? Você se sente uma pessoa melhor do que antes de ser espírita?

Observa-se, nos estudos espíritas, sobretudo na Revista Espírita, um esforço “kardeciano” (ou seja, um esforço científico) de se mostrar que o Espiritismo não é uma simples religião que seguirá tendências das outras religiões e será soterrado por homens egoístas, maquiavélicos e orgulhosos que turvarão seu brilho perene em troca da efemeridade da ribalta terrena.

O Espiritismo não nasceu maduro. “O Espiritismo é uma criança que cresce, cujos primeiros passos naturalmente são vacilantes; mas, como as crianças precoces, cedo faz pressentir sua força”. (Revista Espírita, 1865, pág. 409.) Percebe-se que ao se comparar o Espiritismo a uma criança, que o cunho, a essência do seu pensamento será adquirida gradualmente, à medida em que for amadurecendo. Acontecerá mais rápido em uns e mais demorado em outros e assim é a vida!

É fácil ilustrar. Encontram-se práticas nas casas espíritas que não possuem quase nada de Espiritismo. Todavia, tais práticas acabam auxiliando aqueles que ainda pensam daquela forma a se aproximarem e, tal qual uma criança, desenvolverem-se em algo que ainda fala ao seu coração. O que muitas vezes ocorre é que ao não persistir, o aprendiz não avança a sua compreensão quanto aos assuntos que o Espiritismo aborda. Por sua vez, a casa espírita que não possui uma “trilha de aprendizado” deixa que esse aprendiz perca o estímulo em se manter assíduo às atividades da casa. Todos passam por esse processo? Não. Depende da necessidade de cada um. Alguns se encontram nas tarefas da casa espírita e ali se sentem felizes trabalhando com amor (mas precisa ser com amor e não por obrigação. Se for por obrigação, perde-se aos poucos a felicidade na tarefa, e consequentemente no Espiritismo. Observa-se isso com muita facilidade ao conviver e encontrar com pessoas que há décadas fazem a mesma coisa: raros são os que evoluíram em termos de felicidade naquilo que fazem. Porque muitos fazem por “obrigação”).

Para ser feliz no Espiritismo você precisa ter uma tarefa na casa espírita? Não. O Espiritismo não lhe obriga a nada. Que isso fique bem claro, apesar de tentarem justificar de diversas formas. Você será espírita e consequentemente feliz, onde a vida lhe concedeu essa oportunidade, inclusive na casa espírita. Trabalhar na casa espírita, se não for para ser feliz, é melhor rever a sua tarefa... O orgulho é tinhoso: projeta um espinho em nossa consciência com pensamentos do tipo “você recebe tanto da vida, não seria hora de você contribuir um pouco?”. Se você estiver se sentindo confortável e preparado para a tarefa, sim. Do contrário, continue frequentando como ouvinte, tomando passes, assistindo a palestras e, vez por outra, contribuindo em alguma coisa. Seja leve e faça o Espiritismo ser leve em sua vida!

Você vai encontrar pessoas tóxicas no decorrer da vida. Na vida, em muitos momentos, nós seremos essas pessoas tóxicas na vida de alguém, mas cabe a cada um determinar o limite em que a ação do outro vai lhe afetar ou não. Desenvolvemos isso à medida em que nos conhecemos, embora não se tenha uma “certeza” absoluta ou mesmo relativa de que o caminho é esse, já que tudo na vida é bem dinâmico.

Quando se observa no movimento espírita, por exemplo, diversos espíritas se digladiando por causa da “pureza doutrinária”, insatisfeitos com as práticas ditas espíritas, criticando o sincretismo religioso, apontando as inconsistências doutrinárias dos expositores “famosos”, reclamando da desunião dos espíritas, das instituições religiosas seculares, observa-se também, por outro lado, os “novos espíritas” compreendendo que está tudo bem ser diferente, ter práticas diferentes, cromoterapia, psicometria, psicologismos, mediunismos e outros “ismos” exotéricos (com “x” mesmo), pois todos os caminhos levarão à "evolução". Será que esses companheiros (ortodoxos e sincréticos) estão felizes com a sua própria compreensão acerca do Espiritismo? Será que esse é o único ou talvez o melhor jeito de se fazer Espiritismo ou de ser feliz no Espiritismo?!

Sejamos objetivos: não existe Espiritismo sem Allan Kardec. Como também a compreensão dos ensinamentos de Kardec não é linear: cada um assimila de acordo com sua bagagem. Logo, a prática de uma casa espírita será o reflexo do que os seus dirigentes e trabalhadores compreenderem do que estudam no Espiritismo. O que foge a esse princípio é claramente a necessidade de cada um manifestar a sua crença, o que não necessariamente quer dizer que é doutrinário. Tem imagens na casa espírita? As pessoas usam roupas brancas em cada reunião? Aplicam passes cheios de rituais? Cada detalhe da operação é o que o indivíduo consegue praticar, de acordo com a sua compreensão da doutrina. Em tudo isso que fazem na casa, há amor? Então há aprendizado e há oportunidade de ser feliz e ser doutrinário porque se o Espiritismo não nasceu pronto, o dirigente de uma casa espírita também não.

Percebe-se, novamente, que o Espiritismo está em um ciclo de aprendizado para os homens em franco progresso: “Ele [Espiritismo] traz o elemento regenerador da humanidade e será a bússola das gerações futuras”. (Revista Espírita, 1865, pág. 410.)

Alguém nasce sabendo usar uma bússola? Alguém nasce sabendo dirigir? Falar? Andar? Se não se nasce com essas habilidades, nasce-se com a predisposição e o potencial para tal. Com o aprendizado do Espiritismo é a mesma coisa e só compreendi isso após mais de duas décadas discutindo, enfrentando, “batendo boca”, tomando partido e errando desastradamente em muitas circunstâncias.

Continuando na Revista Espírita, em busca do sentido e da conexão com a felicidade (ou não) em ser espírita. “O Espiritismo vem combater a incredulidade, que é o elemento dissolvente da sociedade, substituindo a fé cega, que se extingue, pela fé raciocinada, que vivifica.” (Revista Espírita, 1865, pág. 410.) Sei que vou cometer uma “heresia” para os ortodoxos ao aventar um questionamento desses, mas, será que a fé que o espírita tem hoje é a fé raciocinada que a doutrina espírita ensina? Tenho algumas dúvidas a esse respeito... senão, vejamos.

A sociedade passa por uma pandemia. Muitos entes queridos partiram, outros quase partiram e nós mesmos quase sucumbimos ao famigerado vírus. Nesses momentos de aflição e de credulidade, como foi concebida e construída a razão da fé? Será que tudo aconteceu no “seja feito a Sua vontade e não a minha”? E quando a minha vontade é diferente da Dele?

O escritor e médico mineiro, João Guimarães Rosa, foi feliz em sua prosa poética: “a vida é isso, um constante rasgar-se e remendar-se”É como se o Guimarães Rosa tivesse lido Kardec dizendo que “como todas as grandes ideias renovadoras, deverá lutar [o Espiritismo] contra a oposição dos interesses que fere e das ideias que derruba. (...) contra ele empregarão todas as armas, leais e desleais, que julgarão próprias para derrubá-lo. Seus primeiros passos serão semeados de urzes e espinhos”. (Revista Espírita, 1865, pág. 410.)

Venhamos e convenhamos: ninguém gosta de “sofrer”. Esse entendimento sobre o “sofrimento” tem afastado muitas pessoas do Espiritismo. Você expia suas faltas à medida em que dá conta delas, seja nessa ou em outras encarnações. As encarnações são oportunidades e não punições. Deus não é um empresário egoísta ou um professor carrancudo ou ainda um gestor “mal-amado” que desconta suas frustrações no próximo.

Poderíamos dizer que Deus entende que o nosso despertar varia de acordo com as circunstâncias e de que são necessárias diversas circunstâncias para que tenhamos uma visão mais ampliada do que a vida está nos ensinando. Isso o Espiritismo ensina, quando diz que o verdadeiro espírita é aquele que luta contra suas más inclinações. Se as armas não estiverem pautadas na fé raciocinada, que implica no autoperdão, no “conhecer-se a si mesmo”, no respeitar-se e principalmente no amor próprio, dificilmente a felicidade de ser espírita subsistirá.

Que coisa, não?! É um texto que parece sem pé, nem cabeça, com algumas reflexões no meio, mas que fala sobre ser espírita e ser feliz. É possível? Objetivamente falando sim. Quando? Depende de cada um! Depende do que se entende por felicidade! Depende do que se quer para a vida! Depende do quanto o Espiritismo faz sentido e está claro em nossos corações: houve, há e por muito tempo ainda haverá resistência ao Espiritismo. Assim como também encontraremos resistências íntimas para praticarmos mudanças de hábitos, para aceitarmos nossos erros e imperfeições e aprendermos a conviver com isso sem excessiva cobrança, nos amando e nos respeitando a cada fase da vida.

Por fim, existe ainda em franca expansão, um número elevado de espíritas que tentam transformar sua própria vida, agindo como se não pudessem errar ou como se o erro fosse algo sobrenatural. Se errar não pertencesse ao processo educativo da evolução, será que Deus permitiria a existência do erro? Há um sofrimento maior da nossa parte ao ignorar a importância de aprender com os erros e superar. Acredite e confie conciliando razão e sentimento. O que adianta a fé raciocinada nos mecanismos de funcionamento da vida, quando o que sinto ainda é tão rasteiro e limitado?

Que 2022 seja um ano de reflexões e aprendizados, de alegrias e trabalho, para aquecer o coração de cada um que busca a Doutrina Espírita para ser feliz. É o que desejamos do fundo do nosso coração a todos! 

Com essas provocações encerramos uma etapa em nossa escrita. A partir do próximo ano, quando escrevermos, o que será ainda com frequência incerta em função dos compromissos assumidos, tentaremos, sempre que possível, trazer a nossa compreensão sobre determinados estudos da Doutrina Espírita e não mais sobre o movimento espírita. Que o espírita faça seu movimento da melhor forma que lhe aprouver. A mim, caberá falar daquilo que me faz feliz no Espiritismo.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita