Uma via de duas mãos
Karina, aos dezessete anos, resolveu
contar aos seus pais que era
homossexual. Depois de um namoro
frustrado com um rapaz que se mostrou
violento, aos dezesseis anos, a moça
resolveu assumir-se como quem ela sempre
se viu. Chamou para uma conversa na sala
os seus pais, que eram pessoas de pouca
cultura, de uma geração muito mais
conservadora que a dela, e rasgou o
verbo. Inclusive avisou que já tinha uma
namorada, a qual gostaria de apresentar
a eles.
Os “velhos” a ouviram em silêncio e
assim permaneceram mais um tempinho após
a menina, preocupada, terminar seu
desabafo. E foi dona Adelaide, sua mãe,
que começou a falar:
- Filha, eu já imaginava isso desde que
você era muito pequena. Acho que alguns
comportamentos nós trazemos de outras
vidas. Se reencarnamos como homem muitas
vezes, nós pensamos e sentimos como
homem. E quando reencarnamos como mulher
teremos relativa dificuldade para nos
acostumar com nossa nova condição. Claro
que isso varia de espírito para
espírito, da evolução de cada um.
Sim, dona Adelaide era espírita e sempre
percebeu essa tendência na sua filha.
Assim como sempre a levou à
evangelização, que fez com que Karina
fosse, a seu tempo, à mocidade espírita.
A menina, diga-se de passagem, era
extremamente inteligente. Reencarnou com
um corpo projetado para ser uma grande
cientista, mas naturalmente o desfecho
disso dependeria da utilização do seu
livre-arbítrio.
O pai de Karina, senhor Afonso, era mais
tradicional e, embora acompanhasse sua
esposa na casa espírita, não tinha a
mesma facilidade de aceitação. Mas tinha
um amor e uma ligação muito forte com
sua filha. Ele apenas disse que tudo
bem, que a geração dele era diferente,
mas que, se ela era assim, ele iria
respeitar.
Karina começou a levar sua namorada para
a casa dos seus pais, e apresentou
Rafaela a eles. Seus pais sempre a
trataram muito bem, mas era evidente o
grau de desconforto do Sr. Afonso quando
elas estavam juntas e principalmente
quando rolava um carinho. Eram selinhos
e carícias no rosto e braço, mas o
patriarca da família ficava
desconfortável.
E isso incomodava Karina, que conversou
com sua namorada sobre. Rafaela ouviu
atenciosamente e, depois de um sorriso
muito espontâneo, trouxe sua namorada
junto de si no sofá com um grande abraço
e disse com toda sua firmeza e amor ao
mesmo tempo:
- Meu amor, seu pai é uma pessoa
admirável a meu ver. Ele realmente fica
incomodado com nossa relação, mas ele
luta com toda sua força contra si mesmo.
Contra seu lado menos iluminado e isso é
digno de todo nosso respeito, você não
acha?
Karina soltou algumas lágrimas e beijou
carinhosamente sua namorada. E
continuaram a assistir ao filme como
tinham combinado, com um chocolate
quente e alguns bolinhos de chuva. Na
verdade, foi quem mais assistiu, pois
Karina ficou assimilando a lição. Ela
entendeu o que falava para os outros sem
praticar na sua própria vida: respeito é
uma via de duas mãos. Assim como
queremos que as pessoas nos compreendam
e respeitem nosso tempo, temos que
respeitar também o tempo e os esforços
de cada um. Somos Espíritos milenares e
a reforma íntima leva tempo.
Meditemos sobre.