Enquanto passava para o papel o livro Libertação,
assinado por André Luiz, Chico Xavier sentiu-se na mira
de uma rajada de assombrações. Foi surpreendido por três
mulheres nuas se ensaboando embaixo do chuveiro em sua
casa. Elas riam, jogavam água uma nas outras e encaravam
o moço com olhares convidativos. O autor de Libertação fechou
os olhos, rezou e, quando voltou à tona, estava sozinho
de novo no banheiro, pronto para o banho.
Chico sempre se sentiu sob vigilância constante. Um dia, na
fazenda Modelo, arrancou uma laranja do pé e ouviu a censura:
"ladrão". Emmanuel poderia pegá-lo em flagrante a qualquer
momento. E entrava em cena contrariado quando seu protegido
usava palavras inconvenientes, falava em tom áspero ou dava
sinais de agressividade e impaciência.
Com o tempo, Chico passou a apostar na frase "o mal é o que sai
da boca do homem" e começou a construir um discurso sob medida.
Logo ele se tornou um mestre em eufemismos. No seu mundo não
havia prostitutas, mas "irmãs vinculadas ao comércio das forças
sexuais". Os presos eram "educandos", os empregados eram
"auxiliares", os pobres eram "os mais necessitados", os
mongoloides eram "nossos irmãos com sofrimento mental", os
adversários eram "nossos amigos estimulantes" e os maus eram os
"ainda não bons". Ninguém fazia anos e sim "janeiros" ou
"primaveras". Os filhos de mães solteiras deveriam ser encarados
como filhos de pais ausentes. A nota de vinte cruzeiros,
entregue com frequência aos pobres, ganharia um apelido
inspirado em sua cor: "laranjada".
O cuidado com as palavras não era mera formalidade nem prova de
educação. Tinha fins preventivos, quase terapêuticos. O uso de
expressões agressivas era perigoso, arriscado. Os maus
pensamentos também. Era Kardec quem ensinava: "Os maus
pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas
deletérios corrompem o ar respirável..."
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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