Que fé raciocinada é essa?
Conversavam, em um diálogo fictício que poderia ser
real, dois espíritas na porta de entrada do centro,
sobre um dos seus filhos ter sido aprovado para uma
universidade. Enquanto um se alegrava e exaltava os dons
intelectuais de seu filho, o outro lhe chamava a atenção
de que a universidade era um antro de ateus e que,
possivelmente, indo lá ter contato com aquelas teorias,
logo se afastaria da doutrina espírita, seduzido por
pensamentos agnósticos.
Essa historieta de receio de pisar na universidade e ali
perder a sua fé ilustra o pensamento de muitos dos
adeptos das ideias espíritas, o que é no mínimo
espantoso, pela proposta da própria doutrina espírita de
ser algo moderno e sintonizado com a realidade e suas
inovações. Mas que raio de fé raciocinada é essa na qual
temos medo de ir à faculdade e virar ateus?
O Espiritismo nos prepara para enfrentar o mundo e não
para viver em uma redoma. Nos dá elementos para conviver
em todos os ambientes profissionais, conjugando a
diversidade de ideias e visões com o respeito fraterno e
o diálogo argumentativo. Não busca o Espiritismo criar
comunidades isoladas nas quais todos pensem igual e
comunguem dos mesmos ideais, como os Amish
estadunidenses. Não, esse isolamento não tem lastro na
doutrina dos Espíritos.
Esse medo de transitar no mundo e ser capturado pelos
ideais materialistas é, inclusive, uma visão equivocada
das pessoas que optaram por não crer em Deus ou seguir
uma religião. Esse grupo, que segundo dados de 2012
constituem 16% da humanidade, são pessoas que merecem
nosso respeito, e por vezes se encontram desiludidos com
essas religiões que não dialogam com a realidade, e
buscam sua forma, às vezes informal, de lidar com a sua
espiritualidade.
A falta de um estudo denso e dialógico da doutrina
espírita pode nos conduzir a esse medo do conhecimento
que poderia abalar a nossa fé. Afinal, o próprio Kardec
afirma que: “Fé inabalável só o é a que pode encarar
frente a frente a razão, em todas as épocas da
Humanidade”, indicando que talvez o problema não
esteja na universidade, ou no mundo, ou nos livros, e
sim na construção da nossa fé espírita, de uma forma
cega, mas fantasiada de raciocinada.
Acabamos construindo uma relação dogmática com o
conhecimento espírita, que pode nos levar a extremos
fanatizados de só assistir a programas de TV espíritas,
ler livros dessa natureza e ouvir música espírita. Já
vimos esse filme. O Espiritismo é uma doutrina
libertadora de consciências, pautada no estudo sério,
não como se suas obras fossem escrituras sagradas ou a
palavra de Deus, mas como um conjunto de conhecimentos
que nos ajudam no processo de evolução.
Não devemos temer a universidade, o materialismo, a
ciência. Essa é uma aliada do Espiritismo e uma fonte de
um pensamento também libertador. Devemos temer a
ignorância, a falta de debate, o argumento de autoridade
e tudo mais que se opõe ao que dá ao Espiritismo a sua
maior força, pelo poder de dialogar com a realidade
através dos tempos.
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