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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Superpoderes


O final do ano de 2021 brindou crianças e adultos no cinema com mais uma bela animação dos estúdios Disney, o filme “Encanto”, que narra a história de Mirabel e a sua família, os madrigais. Uma belíssima obra e que nos traz reflexões que envolvem questões caras a nós espíritas, como a mediunidade. O texto pode ter um pouco de spoilers, e se você vier assistir ao filme, talvez isso lhe traga uma melhor compreensão do artigo.

De forma resumida, ele narra a história de uma comunidade em fuga de uma convulsão social na Colômbia, em um tempo indeterminado e, nessa fuga, eles se veem agraciados com um local transcendente para morar e, capitaneados pela matriarca da família, organizam uma comunidade, na qual os filhos desta líder são dotados de dons ofertados pelo mesmo poder que os salvou, representado por uma vela.

O mote do filme é que o poder começa a se enfraquecer, e isso supostamente abala a confiança da comunidade na casa dos madrigais, em uma relação de liderança daquela família com a comunidade muito pautada na questão dos superpoderes dos familiares. A magia é forte, é repetida várias vezes no filme, e o arco deste conduz a reflexões no sentido da dependência desses dons.

Nada mais próximo do que é a relação habitual com a mediunidade, com médiuns e seus “superpoderes”. Quantas comunidades, casas espíritas são construídas com base em dons mediúnicos, e isso gera dependência da comunidade em relação àquelas pessoas e às suas faculdades. A “casa é forte”, ouvimos também várias vezes em relação a determinados templos na vivência espírita.

A valorização do metafísico no contexto espírita é muito grande, e às vezes com um tom de dependência, e essa é a reflexão que se faz. Destaca-se a relação com obras psicografadas contrapostas a obras de autores encarnados. Ou a coincidência da direção de casas espíritas com os que detêm dons mediúnicos mais ostensivos. Será que Jesus seria lembrado se fosse só o seu ensinamento, sem os milagres? Esses médiuns baluartes que colecionamos, ao longo da jornada do Espiritismo no Brasil, seriam lembrados se fosse só a mensagem, sem fenômeno?

A grande discussão subjacente ao filme é a questão de nos tornarmos reféns dos dons, em uma visão que nos aprisiona, que nos tutela e que inibe o nosso crescimento espiritual. Como diz a matriarca Abuela no filme: “Me esqueci para quem era nosso milagre”. Esquecemos que esses dons são ferramentas, e não fins em si mesmo. Dons para mediar a transcendência da vida com a necessidade de evolução.  

O grande dom da liderança, da capacidade de articular corações e mentes, em propósitos elevados, surge como grande valor esquecido no filme, em uma lição que fica também para a nossa vida espírita, na qual desvalorizamos essa faculdade da liderança em detrimento de dons. Uma reflexão que nos cabe, para que no dia em que os dons se enfraquecerem, e esse dia sempre chega, saibamos caminhar firme, com nossas próprias pernas.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita