Dentre as
muitas questões postas ao estudioso da Doutrina espírita, a do fluido vital se
reveste das mais intrigantes. Poderíamos pensar que a expressão fluido vital,
amplamente utilizada por Kardec, pudesse se limitar a um termo apropriado à
época do codificador, sem significado em nossos dias. Afinal, o termo fluido era
empregado no século XIX em relação a muitas coisas desconhecidas. Falava-se, por
exemplo, em fluido pestífero, para referir-se a algo, ignorado, que
causasse a peste. Verificou-se, depois, tratar-se, de uma bactéria.
Todavia, a obra
mediúnica surgida no século XX, particularmente através de Yvonne Pereira e
Chico Xavier, manteve o termo fluido vital e várias informações sobre ele
são colocadas à nossa apreciação.
Para enriquecer
nossas reflexões sobre conceito ainda pouco compreendido, apresentamos alguns
conceitos extraídos de Kardec, Yvonne e Chico Xavier.
Fluido vital na obra de Kardec
As reflexões de
Kardec em torno do fluido vital têm como premissa um fato que, segundo ele,
resulta da observação: é que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que
determina o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; que essa força
independe da inteligência e do pensamento, portanto difere fundamentalmente do
princípio inteligente, e está presente em todos os seres vivos, das plantas ao
homem. [i]
Kardec
denominou essa força de princípio vital. Ativo no ser vivente e extinto no ser
morto, esse princípio dá à substância orgânica propriedades que a distinguem das
substâncias inorgânicas. [ii]
Para Kardec, o
princípio vital reside em um fluido especial, universalmente espalhado,
denominado fluido vital.[iii] Trata-se,
então, o fluido vital, de um subproduto do fluido cósmico universal,[iv] exclusivo
dos seres vivos e dos Espíritos encarnados, inexistindo na matéria bruta e não
sendo identificado, via de regra, entre os desencarnados.[v] Ele
funciona como traço de união entre o perispírito e o corpo físico.[vi]
A atividade do
princípio vital é alimentada durante a vida pela ação do funcionamento dos
órgãos, do mesmo modo que o calor, pelo movimento de rotação de uma roda.
Cessada aquela ação, por motivo da morte, o princípio vital se extingue, como o
calor, quando a roda deixa de girar.[vii]
Escreveu
Kardec: o
conjunto dos órgãos constitui uma espécie de mecanismo que recebe impulsão da
atividade íntima ou princípio vital que entre eles existe. O princípio vital é a
força motriz dos corpos orgânicos. Ao mesmo tempo que o agente vital dá impulsão
aos órgãos, a ação destes entretém e desenvolve a atividade daquele agente,
quase como sucede com o atrito, que desenvolve o calor.[viii]
Kardec compara
os corpos orgânicos com as pilhas elétricas, que funcionam enquanto os elementos
dessas pilhas se acham em condições de produzir eletricidade: é a vida; que
deixam de funcionar, quando tais condições desaparecem: é a morte. Segundo essa
maneira de ver, o princípio vital não seria mais do que uma espécie particular
de eletricidade, denominada eletricidade animal, que durante a vida se desprende
pela ação dos órgãos e cuja produção cessa, quando da morte, por se extinguir
tal ação.[ix]
A quantidade de
fluido vital não é absoluta em todos os seres orgânicos. Varia segundo as
espécies e não é constante, quer em cada indivíduo, quer nos indivíduos de uma
espécie. Alguns há, que se acham, por assim dizer, saturados desse fluido,
enquanto outros o possuem em quantidade apenas suficiente.[x] O
magnetismo, em tais casos, constitui, muitas vezes, poderoso meio de ação,
porque restitui ao corpo o fluido vital que lhe falta para manter o
funcionamento dos órgãos.[xi]
Por meio do
fluido vital, impregnado na célula ovo, a encarnação pode se realizar, pois o
Espírito só pode atuar sobre a matéria por intermédio da força vital. Escreveu
Kardec: quando
o Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço
fluídico, que mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao
gérmen que o atrai por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À
medida que o gérmen se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do
princípio vital e material do gérmen, o perispírito, que possui certas
propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo em formação,
donde o poder dizer-se que o Espírito, por intermédio do seu perispírito, se
enraíza, de certa maneira, nesse gérmen, como uma planta na terra. Quando o
gérmen chega ao seu pleno desenvolvimento, completa é a união; nasce então o ser
para a vida exterior. [xii]
Para que se dê,
portanto, a encarnação, é necessária a íntima fusão entre o perispírito e o
fluido vital. Por um efeito contrário, a união do perispírito e da matéria
carnal, que se efetuara sob a influência do princípio vital, cessa desde o
instante em que o princípio vital deixa de atuar, em consequência da
desorganização do corpo. Mantida que era por uma força atuante, tal união se
desfaz, logo que essa força deixa de atuar. Então, o perispírito se desprende,
molécula a molécula, conforme se unira, e ao Espírito é restituída a liberdade. [xiii]
A quantidade de
fluido vital se esgota. Pode tornar-se insuficiente para a conservação da vida,
se não for renovada pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm.[xiv] Sua
excessiva emissão pode determinar enfraquecimento orgânico.[xv]
O fluido vital
se transmite de um indivíduo a outro. Aquele que o tiver em maior porção pode
dá-lo a um que o tenha de menos e em certos casos prolongar a vida prestes a
extinguir-se. Como provação para o Espírito ou no interesse de missão a
concluir, os órgãos depauperados podem receber um suplemento de fluido vital que
lhes permita prolongar por instantes a manifestação material do pensamento. [xvi]
A morte natural
decorre do adoecimento do corpo com natural esgotamento do fluido vital, que não
pode ser renovado em decorrência da falência progressiva dos órgãos. [xvii] Nos
casos de morte violenta, quando a morte não resulta da extinção gradual das
forças vitais, mais tenazes os laços que prendem o corpo ao perispírito e,
portanto, mais lento o desprendimento, pois, que ainda se encontra, via de
regra, com recursos satisfatórios de fluido vital.[xviii]
Morto o ser
orgânico, os elementos que o compõem sofrem novas combinações, de que resultam
novos seres, os quais haurem na fonte universal o princípio da vida e da
atividade, o absorvem e assimilam, para novamente o restituírem a essa fonte,
quando deixarem de existir.[xix]
Kardec vê,
também, no fluido vital, papel preponderante na mediunidade. Escreveu: Quem
deseja obter fenômeno desta ordem precisa ter consigo médiuns a que chamarei —
sensitivos, isto é, dotados, no mais alto grau, das faculdades mediúnicas de
expansão e de penetrabilidade, porque o sistema nervoso facilmente excitável de
tais médiuns lhes permite, por meio de certas vibrações, projetar
abundantemente, em torno de si, o fluido animalizado que lhes é próprio.[xx]
Vale dizer que
para que os fenômenos se produzam, necessário se faz que os fluidos do Espírito
se identifiquem com os do médium: o fluido vital, indispensável à produção de
todos os fenômenos mediúnicos, é apanágio exclusivo do encarnado e que, por
conseguinte, o Espírito operador fica obrigado a se impregnar dele. Só então
pode, mediante certas propriedades, que desconheceis, do vosso meio ambiente,
isolar, tornar invisíveis e fazer que se movam alguns objetos materiais e mesmo
os encarnados.[xxi]
Complementando
o pensamento kardequiano, Gustavo Geley, pesquisador francês, morto em 1924,
mostrou que o fluido vital é um dos componentes do ectoplasma, material
fundamental em grande parte da fenomenologia mediúnica e das curas espirituais.
O termo ectoplasma, cunhado por Charles Richet, inexistia à época de
Kardec. Segundo Geley, médiuns são indivíduos
que servem de intermediários aos desencarnados desejosos de comunicar conosco e
lhes emprestam o fluido vital e os elementos materiais libertados pelo êxodo
parcial da força do perispírito.[xxii]
Assim, Dr.
Geley define médium como uma pessoa que, mercê
de faculdades naturais e por treino apropriado, é susceptível de fornecer aos
desencarnados quantidade suficiente do seu fluido nervoso ou de certa substância
orgânica, a fim destes poderem manifestar-se materialmente. [xxiii]
(Este artigo será concluído na próxima edição.)
[i] A
Gênese, cap. X, item 16.
[ii] LE,
introdução, item 2.
[v] O
Livro dos Médiuns, item 98.
[vi] A
Gênese, cap. XI, item 18.
[vii] A
Gênese, cap. X, item 18.
[ix] A
Gênese, cap. X, item 19.
[xii] A
Gênese, cap. XI, item 18.
[xv] O
Livro dos Médiuns, item 161.
[xvi] O
Céu e Inferno, parte II, cap. 3.
[xx] O
Livro dos Médiuns, item 98.
[xxii] Resumo
da doutrina espírita, parte I.