Quando o relógio marcava 23h30, Chico Xavier deu o seu
boa-noite. Iniciava-se ali a entrevista do Pinga-Fogo
daquela semana.
Com fala pausada, baixa, monocórdia, ele disse a primeira das
muitas frases estranhas da noite: “Estou confiante no espírito
de Emmanuel, que prometeu assistir-nos pessoalmente”.
Ele estava tenso. Quantas pessoas estariam sintonizadas naquele
canal? Talvez entrasse em pânico se soubesse a resposta: 75% dos
televisores paulistas ficaram ligados no Pinga-Fogo até o fim,
às 3h da manhã.
Pobres, milionários, padres, céticos, políticos, psiquiatras
dormiram de madrugada naquela terça-feira para acompanhar as
opiniões de Chico Xavier sobre reencarnação, sexo, catolicismo,
fornos crematórios e bebês de proveta. Nada menos que duzentos
telespectadores telefonaram ao longo das quase três horas de
entrevista.
O jornalista João de Scantimburgo ajudou a espantar o sono do
público em duelos como este: “Os que não creem nos seus dotes
defendem a tese de que o senhor registra no papel, por meio de
escrita automática ou inconsciente, reminiscências de leituras.
Não terá o senhor repetido de Augusto dos Anjos, por exemplo, os
versos que leu e reteve na memória?” Sem gaguejar, Chico Xavier
deu a resposta de sempre: “Se eu disser que estes livros
pertencem a mim, estarei cometendo uma fraude pela qual vou
responder de maneira muito grave depois da partida deste mundo”.
Na sequência, após resumir seu currículo escolar limitado ao
quarto ano primário, ele fez questão de defender a própria
ignorância. Não tinha a menor ideia do que escrevia enquanto
passava para o papel grande parte dos livros psicografados.
“Qualquer estrutura fraseológica mais feliz de que eu possa ser
portador se deve à influência de Emmanuel, à presença dele junto
a mim, compreendendo a responsabilidade de um programa como
este”, explicou o médium.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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