Objetivos e missões de vida
Em
muitos sentidos, há semelhanças entre a vida humana e a
operacionalização de uma organização. Para esta última,
a literatura especializada de estratégia é comumente
descrita pelo traçar de objetivos que, como uma cascata,
vem dos grandes objetivos, os de longo alcance, para os
de médio alcance até chegar nos objetivos de curto
prazo. Estes, também conhecidos como metas, possuem duas
características distintas: data limite e indicador. Por
meio do alcance dos objetivos pequenos se alcançam os
médios até chegar nos maiores. Como uma roda a girar ou
“bola de neve”, os objetivos são alcançados de modo
progressivo e com o avanço temporal. De certo modo, é a
busca de ser fiel em pouco para ganhar o muito[1].
Além disso, assim como no caso do ser humano, a
organização também precisa se qualificar para que se
continue o avanço a ponto de estar apto para os desafios
superiores. A aprendizagem é um processo contínuo
também.
Para o alcance dos objetivos não adianta apenas a
fixação dos mesmos, o fundamental é o seu
acompanhamento. Através de averiguações periódicas que
se torna possível saber se está indo na direção e
velocidade certas. Sem isso, corre-se o risco de chegar
no prazo final e não ter os resultados desejados. O
controle quando deixado apenas no término do prazo pode
receber surpresas desagradáveis. Por isso, mais do que
os objetivos que se determinam a partir de sua situação
atual e desejada, o acompanhamento periódico para se
corrigir o que for preciso. Seja por meio da aceleração
do ritmo, ou de remanejamento de materiais e maquinários
conforme o possível. Sem os indicadores de medição não
há comparação e o avanço torna-se confuso e moroso.
Do lado do
indivíduo, são poucos os que anotam e comparam os
indicadores de resultados ou até mesmo a simples
mensuração temporal. Os dias passam e os resultados não
vêm. Por outro lado, grandes personalidades como Marco
Aurélio, o imperador filósofo do grande Império Romano e
até mesmo Santo Agostinho serviram de tais marcos de
indicação e progresso através de seus relatos de
solilóquios, pensamentos e confissões. “Passar a limpo”
na consciência pode precisar de uma pequena ajuda, tal
como passar no papel. Todavia, tal prática não ficou
restrita a estas duas personalidades, mas era um modo de
refletir e até mesmo com valor terapêutico de uma
conversa íntima consigo mesmo[2].
A realização destes solilóquios era uma maneira de
amadurecer os pensamentos, abrandar os sentimentos assim
como de perceber a eficácia das estratégias pessoais
adotadas e da sensação de progresso.
De certo
modo, quando se encarna na terra há algo parecido[3].
Todos temos objetivos, alguns de expiações, de processos
antigos que não entregaram direito e precisa refazer a
entrega, outros de provas como maneiras de
desenvolvimento. Outros tantos, já mais experts,
vêm com missões específicas e precisam contar também com
conhecimentos e inteligências prévias. São as missões
que podem variar conforme a amplitude e repercussão na
própria vida humana. Todavia, assim como no caso das
organizações, o acompanhamento do processo, o “passar a
limpo” na consciência para refletir sobre o avanço é
condição ímpar para a boa entrega. Mais do que ter
objetivos honrosos, as entregas seguras e confiáveis.
Pitágoras, filósofo e matemático grego que nasceu seis
séculos antes de Cristo já recomendava passar em sua
mente a seguinte reflexão diária: o que eu fiz de bom, o
que eu fiz de mal, onde eu posso melhorar. Isso permitia
detectar anomalias e corrigir seus atos e atitudes
diante dos problemas, oportunidades e necessidades.
Outro
importante filósofo grego foi Sócrates que viveu como
nenhum outro a filosofia que pregava. Para Pierre Hadot[4],
a filosofia antiga não era uma questão de informação,
mas de formação de caráter. Assim, Sócrates, fiel na
vivência da luz do conhecimento, fez do “conhece-te a ti
mesmo” não um estandarte de orgulho e vaidade, mas de
humildade, desapego aos falsos tesouros, de valorização
das amizades e de aprimoramento contínuo. Não cansava de
buscar melhorar seus conhecimentos, principalmente por
meio da realização de perguntas que faziam aos outros
perceberam algo que não havia percebido, em especial,
suas contradições. Tese, antítese, síntese, o
conhecimento se movimentava e a dinamicidade só podia
ser vista por uma mente sagaz que se exercitava e,
Sócrates, muitas vezes se fazia uso tanto das caminhadas
para fazer com que seu corpo pudesse dar condições de
acompanhar a sua mente ou ainda, de dialogar com seu
guia espiritual, o Daemon. Em expressão mais
artística, pode-se dizer que a mente é um grande
universo e o conhecimento são como astros que gravitam e
necessitam de inteligência para organizar o todo de um
modo coerente. Assim, a companhia espiritual como
legítimo educador.
Os
objetivos, as missões, suas realizações acabam
desenvolvendo nossa inteligência, conhecimentos e
experiências. De certo modo, as provações nos levam mais
próximo de Deus como a inteligência suprema do universo[5].
E não o contrário. Saber aceitar as provas e
dificuldades em prol de nosso crescimento talvez seja
uma das grandes dificuldades do desenvolvimento humano.
Mas, como Pai Bondoso, a todo momento somos convidados a
participar também como cocriadores do universo, seja por
meio do desenvolvimento de nossa inteligência e ação,
seja por meio dos serviços ou do amor. Aprendizagem,
Serviço, Amor e Sabedoria representam as nossas asas de
liberdade para o progresso infinito.[6]
[2] Baltussen,
H. Marcus Aurelius and the therapeutic use of
soliloquy: an interdisciplinary approach.
In: B. Sidwell and D. Dzino (eds) Emotion, Power
and Status in Late Antiquity. Papers in Honour
of R.F. Newbold, Gorgias Press: 2010.
[3] Questão
132 - O Livro dos Espíritos.
[4] Pierre
Hadot. Não se Esqueça de Viver: Goethe e a
Tradição dos Exercícios Espirituais. São
Paulo: É Realizações Ed., 2019.
[5] Pergunta
1 - O Livro dos Espíritos.
[6] Em
homenagem aos meus queridos genitores Paulo
Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se
encontram na Pátria espiritual.