Estarrecedora
indiferença
Vivemos apaixonados pelas bactérias do solo e
indiferentes à claridade solar
“Só o carinho e a dedicação dos Espíritos Superiores
poderá corrigir o enrijecimento e a impermeabilidade dos
homens”. Fernando
de Lacerda
Bombas explodindo no Oriente Médio; guerras totalmente
evitáveis em todas as latitudes, fundamentalismos e
discriminações execráveis!...
Dois milênios se passaram
desde que “a
Grande Luz brilhou nas terras de Zabulon e Naftalí”. Sem
embargo, o ser humano ainda teima em permanecer apartado
das saudáveis diretrizes cristãs, inclusive os que se
autointitulam cristãos.
A humanidade assemelha-se a uma imensa e negra floresta
onde a neblina do egoísmo e a escuridão da indiferença
não permitem a penetração dos clarões da
Boa-Nova. Assim, a Providência Divina não possui
alternativa senão permitir que a dor abra as necessárias
clareiras na selva humana, a fim de resgatar de suas
profundezas as ovelhas tresmalhadas. Essa teimosia do
homem aliada à lei de causa e efeito explicam os
acidentes e hecatombes no mundo que nos estarrecem e
provocam dores acerbas. Mas, como assevera a nobre
Mentora Joanna de Ângelis, “(...) ninguém tem o
destino do sofrimento. Ele é o resultado da ação
negativa, jamais a causa”.
Voltando através dos canais abendiçoados da mediunidade
de Francisco Cândido Xavier, Fernando de Lacerda
(espírito) expõe sua perplexidade ante o quadro da
indiferença humana na obra citada em epígrafe: “(...)
quando ainda encarnado, tive a felicidade de transmitir
aos meus contemporâneos as notícias de vários pensadores
e literatos redivivos, incorporando-as ao Espiritismo
luso-brasileiro, qual o telegrafista postado à ponta do
fio estendido entre os dois mundos; entretanto, guardo
ainda bem vivas as marcas do sarcasmo e da perseguição
que o serviço me valeu, por parte de muitas
personalidades importantes, já
agora recambiadas para cá, onde não mais se dispõem ao
mau gosto de escarnecer da verdade. Realmente não é
tarefa fácil entregar
certas mensagens a destinatários que se voltam contra
elas. Por mais que se identifique o portador, através de
palavras e atitudes a lhe positivarem a idoneidade
moral, há sempre recursos multiplicados para evasivas.
Se a tarefa mediúnica representasse um manancial de ouro
e de prazeres imediatos no currículo da carne, acredito
que o povo se congregaria em massa, ao ruído de foguetes
e ao som festivo de filarmônicas para recebê-la. O
emissário da realidade, porém, não dispõe senão de
palavras e de emoções para distribuir, apelando para
realizações e louros, que quase toda a gente considera
remotos ou inaceitáveis.
Raríssimas pessoas admitem a medicina preventiva. A
maioria espera que a doença lhe desordene os nervos ou
lhe apodreça a carne para se resolver, pondo a boca no
mundo, a procurar clínicos ou cirurgiões. Pouquíssimos
na atividade usual da Terra se inclinam ao socorro da
medicação religiosa. Detidos temporariamente nas ilusões
do império celular, que se desmorona no sepulcro, passam
por aí distraídos, no que tange aos interesses do
Espírito Eterno.
Na morte, sim! Exasperam-se e choram até à prostração,
lastimando-se, contudo, algo tarde... Não porque alguma
vez lhes faltasse — como a ninguém falta — a Compaixão
Divina: a paciência do Pai Celestial é inexaurível.
É que se postergam, nas circunstâncias da luta terrena e
nos quadros da parentela consanguínea, as valiosas
oportunidades de mais amplo serviço; e o ensejo de
aprender, corrigir, restaurar e auxiliar é
indefinidamente adiado... Indispensável se torna
aguardar outra época, outros meios e reajustes...
O chamado “homem prático” ainda se assemelha, em
diversas tendências, aos seres rudimentares do mundo,
vivamente apaixonados pelas bactérias do solo e
indiferentes à claridade solar.
O que me estarrece não é o sacrifício de um homem pela
melhoria dos semelhantes: é a indiferença das criaturas
pensantes e responsáveis, diante da ternura e da
renunciação dos amigos de Além-Mundo.
Muitas vezes aí observei a deplorável paga do bem pela
ingratidão, a revolta e a vaidade a troco da humildade e
da ternura. Que sempre houve muita gente preocupada em
ouvir os desencarnados não padece dúvida; mas pessoas
realmente interessadas na verdade jamais encontrei,
exceção feita de alguns raros amigos, considerados
bonzos e loucos, quanto eu mesmo o fui.
As Entidades que se comunicavam por meu intermédio eram
admiradas, ou suportadas, sempre que lisonjeassem,
confortassem ou distraíssem; mas quando tangiam as
cordas da realidade no mágico instrumento da palavra,
convertiam-se em demônios de mistificação ou de
inconveniência.
Entre máscaras e almas, vivi perplexo e atenazado por
interrogações e decepções contundentes. Daí, talvez, a
exaustão que me colheu, de súbito, em plena luta. Meu
cérebro era uma trincheira sob contínuas
investidas. De obstáculo em obstáculo, caí sobre as
pedras do meu caminho, minado por intraduzível
esgotamento.
Alguns companheiros verificaram, em meu drama doloroso
na casa de saúde, a falência de minhas faculdades,
acreditando-me desprezado pelos amigos espirituais. Na
verdade, porém, os mensageiros da luz não me haviam
abandonado. Quando se inutiliza o filamento frágil de
uma lâmpada, assim fazendo o aposento às escuras, isso
não quer dizer que a usina geradora de força houvesse
deixado de existir. Os vexilários da causa de Jesus eram
excessivamente bondosos para não desculparem a
insignificância e a pobreza do amigo que lhes
acompanhava as pegadas na romagem difícil. Ainda que me
fosse dado cumprir todos os deveres que a mediunidade me
indicava ou impunha, sentir-me-ia efetivamente pequenino
e derrotado perante a magnitude da ideia que me cabia
servir.
(...) Até que o avanço moral do Planeta possibilite
equações definitivas da ciência, no terreno da
sobrevivência e da intervenção das almas desencarnadas
no círculo terrestre, o médium será a “cabeça de
ponte” do mundo espiritual entre os homens,
solicitando compreensão, solidariedade e incentivo para
funcionar com a eficiência precisa.
Deus dá a semente e o clima, a água e o solo; quem
dirige, porém, o arado e sustenta a lavoura, esse é o
próprio homem, herdeiro e usufrutuário dos benefícios da
Terra”.
Assim, quando a humanidade se debruçar sobre o solo
sáfaro da alma esvurmando dali a empola má da
indiferença e reconhecendo – humildemente – a solicitude
da Paternidade Divina para com todos os seres viventes,
bem como a destinação gloriosa que Ele nos acena, em
especial através do conhecimento espírita, a pedagogia
da dor não será mais utilizada pelas leis da vida, já
que entrará em vigour a lei maior que é a do Amor,
apregoada e exemplificada pelo Meigo Rabi
Galileu.