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por Cláudio Bueno da Silva

 

Terra, pó e flores da minha infância


O mundo mudou. Do chão de terra que eu pisei na minha infância ao cimento das calçadas impermeáveis; das ruas poeirentas e desertas ao asfalto movimentado e perigoso; das casas térreas de fachadas simples e muros baixos às torres de apartamentos em condomínios ultra vigiados; do suor honesto na busca do necessário à leviandade do acúmulo de supérfluos; do silêncio habitual da vida calma ao barulho perturbador das grandes aglomerações; da liberdade e brincadeiras de rua ao isolamento da infância em cômodos fechados; do canto dos galos pela madrugada ao “tum-tum-tum” das baladas noturnas; da pontualidade das quatro estações à desordem climática do nosso tempo; da poesia maior dos talentos geniais à pobreza do estilo e do gosto; da naturalidade de quase tudo ao artificialismo de quase tudo. O mundo mudou bastante, escravo que é da relatividade das coisas.

Os nascidos nas décadas 1.950, 1.960, um pouco antes, um pouco depois, são testemunhas das transformações radicais que mudaram as feições da vida, a ponto de se poder dizer que o planeta em que se vive hoje não é mais aquele. Esse período é a minha experiência, participei dele, com suas alegrias e tristezas, e venho acompanhando o desenvolvimento das coisas até aqui.

As gerações mais recentes são privadas de muitos “bens” que já não poderão ser vividos plenamente. Coisas a que se dava bastante valor, ligadas ao sentimento, ao comportamento, à natureza, sutilezas tantas que se foram deteriorando e desaparecendo sob os mais variados pretextos que o progresso ansioso e indisciplinado impôs ao homem.

Nada tenho contra o progresso, muito pelo contrário. Progresso é lei natural incontornável. Nascemos para progredir. Só não quero fazer da saudade uma inimiga, e me permito senti-la quando queira. A saudade temperada com ternura e reflexão é um impulso para a alma, traz aprendizado e amadurecimento.

Acho possível dizer que a minha geração é privilegiada. É como se tivesse estado exatamente na fronteira entre dois “tempos” quase distintos, e vivido o que foi ficando para trás e o que veio vindo a uma velocidade vertiginosa.

Não se trata de escolher que tempo foi ou é melhor. Apenas observo, tendo vivido os dois períodos, os valores que o homem abandonou e os que implementou, e os benefícios ou prejuízos que disso resultou, implícitos nesse meu texto. Mesmo que eu esteja fazendo observações pessoais e relativas, dá para pressentir que a humanidade poderia ter avançado muito mais e melhor com a herança passada e as conquistas presentes. Nem sempre o progresso implica em destruição, em banimento. A preservação, a conservação, o aprimoramento são recursos de transformação.

A sede de conquistas, descobertas, novidades (eu diria até aventuras), faz do homem um eterno desbravador, inclusive de si mesmo. É como uma insatisfação que o impele à frente, na busca da completude. A questão é que para isso às vezes, ele vai além da sua competência, atropela, negligencia, abandona, despreza, descarta o consolidado pelo incerto. E cai nas ciladas provocadas pelas suas limitações.  Como aprendeu desde cedo a manejar bem o egoísmo e a ambição, essas características só podem leva-lo à imprudência e ao frequente desgosto.

“A civilização criou novas necessidades para o homem” ... “Mas, sob a influência das suas paixões, o homem criou, muitas vezes, direitos e deveres imaginários, condenados pela lei natural” ... ¹

Daí que vemos o homem mais moderno e tecnológico, mas também brutalizado, insensível, indiferente e ... infeliz. Há quem acredite que a humanidade tem regredido. Não penso assim. As boas conquistas do homem ficam armazenadas, mesmo que momentaneamente esquecidas.

“À medida que a civilização se aperfeiçoa, vai fazendo cessar alguns dos males que engendrou, e esses males desaparecerão com o progresso moral.” ²

Como tudo é cíclico na natureza, penso que as feições materiais da vida antiga podem estar-se perdendo, mas a essência do que elas imprimiram na alma humana continuará viva, esperando que os homens contemporâneos a redescubram, e quem sabe até a resgatem.

 

Referências:

¹ O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questão 795.

² O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questão 793.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita