A neutralidade moral da
riqueza
Dentre os atributos divinos possíveis de
serem abarcados pela inteligência humana
destacamos neste ensaio a onipotência e
a soberana bondade. É dizer que o
Incriado é fonte de amor puro e soberano
sobre todas as coisas.
Partindo de tal premissa e, sabendo que
tudo Dele deflui, é acertada e
inafastável a ilação de que os bens que
nos cercam não podem ser perniciosos. Da
fonte de bondade pura não pode derivar o
mal.
Mas se não são deletérios seriam os bens
necessariamente bons?
Igualmente não se pode atribuir às
coisas materiais o caráter de benfazejas
eis que destituídas da aptidão para
tanto. Argumento que também tem o condão
de afastar suposta feição deletéria. As
coisas da Terra são, portanto,
moralmente neutras ou amorais ou
destituídas de senso moral.
Assim Huberto Rohden nos ensina:
Não existe, em toda a natureza, um único
objeto que seja moralmente mau, ou
moralmente bom. Bondade ou maldade moral
são atributo único e exclusivo de seres
dotados de livre-arbítrio. Criatura que
não tenha “comido do fruto da árvore do
bem e do mal”, como o livro do Gênesis
chama o livre-arbítrio, não pode ser
moralmente boa nem moralmente má; não
pode cometer atos bons nem atos maus. Um
pedaço de metal ou farrapo de papel,
chamado dinheiro, é algo moralmente
neutro, nem bom nem mau.
Allan Kardec em sua obra “A Gênese”
assevera que o mal é resultado das
imperfeições do homem que o conduzem à
inobservância das leis divinas.
De acordo com o codificador:
“(...) Deus quis que fosse submetido à
lei do progresso, e que, esse progresso
fosse o fruto do seu próprio trabalho, a
fim de que, dele, tivesse o mérito, do
mesmo modo que carrega a
responsabilidade do mal que é o fato da
sua vontade. A questão, pois, é saber
qual é, no homem, a fonte da propensão
para o mal.”
Todo e qualquer objeto, animado ou
inanimado, é inábil no cometimento de
atos bons e maus, sendo o homem a única
criatura capaz, pelo uso ou abuso de sua
liberdade, de promover o bem ou o mal.
Assim se dá com a fortuna: não é boa ou
má. O que define o caráter de sua
instrumentalidade é a afetação que
recebe do homem,
podendo ser via de perdição ou de
utilidade providencial.
Nas escrituras isso se confirma. O
Mestre Jesus Cristo nos alerta
repetidamente sobre os perigos da
associação de nossas más inclinações e o
uso da fortuna.
Seus avisos podem ser resumidos na
seguinte passagem:
"Não acumulem para vocês tesouros na
terra, onde a traça e a ferrugem
destroem, e onde os ladrões arrombam e
furtam.
Mas acumulem para vocês tesouros no céu,
onde a traça e a ferrugem não destroem,
e onde os ladrões não arrombam nem
furtam.
Pois onde estiver o seu tesouro, aí
também estará o seu coração.” (Mateus
6:19-21)
Jesus através de suas lições nos
acautelava de nós mesmos, informando
sobre nossa cobiça e avareza enquanto
obstáculo de nossa salvação. Se
preocupava com nossa paixão pelo
dinheiro e a capacidade de tal
associação firmar o homem à Terra com
tamanha força adesiva, a lhe desviar
definitivamente os pensamentos do céu.
Assim nos alumiou Paulo:
“Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça
alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas
dores.” (I TIMÓTEO, 6:10)
Por outro lado, para os que dela sabem
servir-se, a abastança torna-se poderosa
ferramenta de progresso daquele a quem
Deus a confiou e de todos ao seu redor.
Imperioso que uso de tal coisa seja
dirigido pelo amor ao próximo.
Nos orienta Emmanuel:
Deixa, pois, que o dinheiro de passagem
por tuas mãos se faça bênção de trabalho
e educação, caridade e socorro, à feição
do ar que respiras sem furtá-lo aos
pulmões dos outros, e perceberás que o
dinheiro, na origem, é propriedade
simples de Deus.
A filosofia do Nazareno incidia sobre as
cautelas no emprego da riqueza e não no
bem em si.
O bem em si jamais foi condenado pelo
Mestre, não constituindo suas lições
espécie de apologia à mendicidade, mas
um lançar de luzes sobre ser o apego ao
transitório uma barreira à salvação.
Jesus Cristo em valioso momento de
ensino aos seus discípulos, que
discordavam do apreço que direcionava ao
publicano abastado de nome Zaqueu,
asseverou:
Amigos, acreditais, porventura, que o
Evangelho tenha vindo ao mundo para
transformar todos os homens miseráveis
mendigos? Qual a esmola maior: a que
socorre as necessidades de um dia ou que
adota providencias de uma vida inteira?
No mundo vivem os que entesouram na
Terra e os que entesouram no Céu. Os
primeiros escondem suas possibilidades
no cofre da ambição e do egoísmo e, por
vezes, atiram uma moeda dourada ao
faminto que passa, procurando livrar-se
de sua presença; os segundos ligam suas
existências a vida numerosas, fazendo de
seus servos e dos auxiliares de esforços
a continuação de sua própria família.
Estes últimos sabem empregar o sagrado
depósito de Deus e são mordomos fiéis, à
face do mundo.”
O Mestre na ambiência coletiva da vida
de relação nos ensinou através do
exemplo que os bens disponibilizados são
apenas meio do
nosso progresso. Cristo não abusou das
coisas nem as recusou, apenas as usou.
Se a riqueza é causa de muitos males, se
excita tanto as más paixões, não é a ela
que devemos inculpar, mas ao homem, que
dela abusa, como de todos os dons de
Deus.
Referências
bibliográficas:
CAMPOS, Humberto de
(Espírito). Boa Nova. Psicografado
por Francisco Cândido Xavier. Brasília:
FEB, 2020.
DIAS, Haroldo Dutra
(Trad.), 1971- O novo testamento,
tradução de Haroldo Dutra Dias. – 1. ed.
– 11. imp. – Brasília: FEB, 2020.
EMMANUEL (Espírito). Palavras
de vida eterna. Psicografado por
Francisco Cândido Xavier. Uberaba:
Edição CEC, 1998.
KARDEC Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo.
Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB,
2018. P. 316.
ROHDEN, Huberto. Sabedoria
das Parábolas. São Paulo: Martin
Claret Ltda., 2006.