Opondo-se à adultização infantil
A verdadeira educação é aquela que vai ao encontro da
criança para realizar a sua libertação.
Maria Montessori
Eu detestava, quando era criança, no meu aniversário, e
na hora do bolo, quando todo mundo começava a cantar
“Com Quem Será?”. Ou, pior, quando algum parente (ou
amiga da minha mãe) me perguntava “E você, tem um
namoradinho?”, e eu não tinha nem 10 anos!!! Ora, essas
práticas, embora tenham aparência de inocência, na
realidade integram uma cultura que precisamos abolir sem
trégua: a adultização infantil, porque criança não
namora, nem de brincadeira!
No começo da vida, tem cabimento o amor de pai, de mãe,
dos irmãos, dos avós, do gatinho ou de um cachorro
arteiro. No entanto, relacionamento amoroso é coisa de
gente grande, não tem lugar na infância. Em
consequência, namorar só faz sentido a partir da
adolescência (e bem orientado). E embora as crianças
também tenham amigos e amigas, é importante reforçar que
amar e namorar são coisas muito distintas!
Infelizmente, o assunto “namoro” ainda costuma ser
introduzido na vida das crianças em tom de brincadeira,
de anedota. Um exemplo? Quando elas são perguntadas
sobre o “namoradinho” ou a “namoradinha” da escola. Mas
, essa atitude pode antecipar situações e pular fases
importantes da infância. Gerando, até mesmo, a
erotização precoce.
Embora o exemplo afetivo seja essencial para o
desenvolvimento infantil, somos nós, pais, mães e
pessoas responsáveis, que temos a função de equilibrar e
conduzir as imitações do mundo adulto realizadas pelos
nossos filhos. E isso se dá, sobretudo, através de
conversas! Assim, quando o assunto é namoro na infância,
é necessário orientar a criança sobre o que é certo,
errado, moral, ético e, principalmente, colocar limites.
Criança gosta mesmo de saber o porquê das coisas: ‘Mas,
mãe, por que eu não posso namorar?’. Por mais que
explicar tudo isso pareça uma tarefa complexa, o diálogo
pode ser simples. E, para conduzi-lo, é preciso afeto,
paciência e atenção. Procurar conversar sobre as fases
da vida, sobre a importância de cumprirmos cada uma
delas e também sobre a preparação para as etapas
futuras.
Na infância, o que é válido é importante? Brincar muito
e incentivar o poder da amizade, pois a criança pode e
necessita ter muito amigos. Sim, porque é através dos
laços de amizade que criamos vínculos significativos,
demonstramos afeto e amor, experimentamos atritos,
compartilhamos momentos bonitos ou difíceis e
vivenciamos situações inesquecíveis. Afinal, os amigos
são importantes para o nosso bem-estar, socialização e
ainda para nossa saúde. Aristóteles agiu com sabedoria
quando afirmou que ninguém escolheria viver sem
amigos. E, realmente, esse aprendizado fraterno
começa na infância, dando base para outros tipos de
relacionamentos futuros, inclusive o amoroso – e que
poderá surgir, é claro, no seu tempo devido.
As crianças terão muito tempo para serem adultas, então
garanta que elas aproveitem a fase da infância com tudo
que há direito.
Notinhas
Por que a adultização infantil é um problema? Os
estímulos adultos afetam o desenvolvimento psicológico
infantil criando traumas, inseguranças, ações tomadas
por impulso. É aí que mora o perigo. A fase da infância
é a mais importante de todas as fases de
desenvolvimento. Por isso, se seu filho é criança,
ofereça a ele apenas roupas infantis; evite agenda
lotada; observe se o conteúdo que ele absorve nas telas
é adequado à idade. Você já notou como o Tiktok e o
Instagram adultizam crianças? Filhos com menos de 12
anos não deveriam ter acesso às redes sociais e,
principalmente, o controle parental é necessário e por
questões de segurança. Deixe que seu filho aproveite a
tecnologia, mas com o formato adequado; corrija
possíveis atitudes sexualizadas, pois fazer comentários
sobre o corpo de forma sensual não é saudável, mesmo que
seja na brincadeira. Quando isso acontecer com uma
criança pequena, corrija! Diga “você é apenas uma
criança e não é tempo para isso.” Ademais, muitas vezes,
a sexualização infantil acontece por comentários
maldosos disfarçados de elogios, como “essa vai dar
trabalho, né?” ou outros mais explícitos, que apenas
deseducam… Quando seu filho ou filha atingir a idade de
10 anos (e é nesta idade que eles aprendem sobre os
sistemas do corpo humano na escola), fale sem
julgamentos ou tabus sobre higiene íntima e respeito com
o próprio corpo e o corpo do coleguinha; compre
brinquedos de acordo com a idade; estimule a amizade
entre crianças, pois isso
vai fomentar o aprendizado dos sentimentos, a
autorregulação emocional (ciúmes, felicidade, raiva,
tristeza) para, de modo gradativo, aprender a controlar
isso.