Agradar a gregos e troianos
Hammed, autor espiritual de várias obras importantes,
destaca em "La Fontaine e o Comportamento Humano", em se
referindo ao título acima, que "A gênese do insucesso é
a atitude de querer agradar a todos". Essa postura
mental resulta da crença fundamentada na perfeição e
pode levar-nos diretamente à decepção, à adversidade e
ao revés."
Se tivéssemos espaço, narraria na íntegra a fantástica
fábula do "O Moleiro, o Menino e o Burro", mas sintetizo
parte dela: Um Moleiro e um menino se dirigem ao mercado
para tentar vender um burro e, ao longo do caminho, em
razão dos comentários que iam ouvindo, iam alternando as
posições: ora o moleiro em cima do animal; ora o menino;
ora os dois sendo carregados pelo burro; ora os dois
puxando o animal, tentando acertar de acordo com cada
comentário ouvido. Como não conseguiam acertar diante de
cada opinião, acabou o moleiro dizendo: Certamente,
como um burro eu agi, mas daqui para a frente farei como
achar bom, sem escutar ninguém.
Assim, querer agradar a todos é algo irrealizável, já
que os paradigmas são moldados por sua vez, em condutas
perfeitas e padrões impecáveis, criados por pontos de
vista diferentes, juízos relativos e às mais diversas
controvérsias. Trocando em miúdos, sujeitar os outros às
suas verdades, às suas opiniões, fazendo parecer que
tudo o que externam traduz-se em algo a ser observado
por todos.
É bem verdade que precisamos ser acolhidos pelo calor
humano, pela estima das pessoas, mas daí, a passarmos
várias horas do dia preocupados com a aprovação ou
reprovação alheias, é submetermo-nos a um processo
doentio de viver. Quando percebermos que a dualidade
existe, ou seja, a ordem e a desordem, a construção e a
destruição, harmonia e desarmonia, convivem juntas,
podemos ser amados ou odiados, aceitos ou rejeitados,
compreendidos ou incompreendidos, e por essa razão,
gozaremos de uma maior leveza quanto a não nos
preocuparmos em acertarmos sempre ou satisfazer a todos.
Agradar a gregos e a troianos ao mesmo tempo é tarefa
impossível.
A fábula ilustra um preceito que demonstra a necessidade
de acreditarmos em nosso julgamento interno, e que,
independentemente do que fizermos, sempre haverá alguém
que discordará de nossas ações ou das nossas condutas,
do mesmo modo que podemos aprovar ou não as ideias
alheias, significando tão somente, respeitar e aceitar a
alteridade, a distinção que há e sempre haverá nos
relacionamentos interpessoais.
Em termos espiritualistas, também se aplica essa fábula,
como podemos depreender, em O Evangelho Segundo o
Espiritismo, capítulo 13, item 3, Boa Nova
Editora:"É preciso, numa palavra, colocar-se acima da
Humanidade, para renunciar à satisfação que proporciona
o testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus.
Aquele que estima a aprovação dos homens mais do que a
de Deus prova que tem mais fé nos homens do que em
Deus".
Desse modo, acertar ou errar, sucesso ou insucesso,
agradar ou desagradar, pouco importa, o relevante é
estarmos na luta, enfrentando os embates da vida rumo à
nossa melhora espiritual, moral e ética.
Como sempre, lembrar: estamos a caminho, desenvolvendo
paulatinamente o nosso discernimento em busca de uma
coerência existencial, ou seja, a habilidade de
distinguir os valores éticos e estéticos para formar uma
opinião pessoal não influenciada pela razão comum. É a
capacidade de não adotar como verdade absoluta o ponto
de vista da maioria, e sim, construir o próprio
pensamento sobre as coisas através da reflexão e
avaliação de evidências.
Concluímos com a moral da história: "Não se pode agradar
a todos, mas uma coisa é certa: ao tomarmos decisões, ou
recuamos diante da crítica e começamos tudo de novo, ou
desobrigamo-nos abertamente da aprovação alheia e
seguimos em frente, compreenda quem quiser compreender,
doa a quem doer. É impossível contentar a todos. Se
fizermos ou deixarmos de fazer, sempre existirá alguém
que fará uso da ironia e de expressões de duplo sentido,
ou seja, utilizará as "cantigas de escárnio e maldizer"
(gênero de poesia da idade média), cujo objeto da sátira
será sempre a pessoa que se queira difamar.