Correio mediúnico

Espírito: Irmão X

A única dádiva


Conta-se que Simão Pedro estava cansado, depois de vinte dias junto do povo.

Banhara feridentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a aprovação do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali…

Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras amigas.

Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava, ele só, diante das águas, a refletir…

Aproxima-se alguém, contudo…

Por mais busque esconder-se, sente-se procurado.

É o próprio Cristo.

— Que fazes, Pedro? — Diz-lhe o Senhor.

— Penso, Mestre.

E o diálogo prolongou-se.

— Estás triste?

— Muito triste.

— Por quê?

— Chamam-me ladrão.

— Mas se a consciência te não acusa, que tem isso?

— Sinto-me desditoso. Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo aos necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí que furto, que exploro a confiança do povo… Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo, entre os doentes chegados de Jope… Alegou alguém, inconsideradamente, que surrupiei a maior parte… Estou exausto, Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviço na barca…

— Pedro, que deste aos necessitados nestes últimos vinte dias?

— Moedas, túnicas, mantos, unguentos, trigo, peixe…

— De onde chegaram as moedas?

— Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.

— As túnicas?

— Da casa de Zobalan, o curtidor.

— Os mantos?

— Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.

— Os unguentos?

— Do lar de Zebedeu, que os fabrica.

— O trigo?

— Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós…

— E os peixes?

— Da nossa pesca.

— Então, Pedro?

— Que devo entender, Senhor?

— Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos, em favor dos que necessitam. A Divina Bondade conjuga as circunstâncias e confia-nos de um modo ou de outro os elementos que devamos movimentar nas obras do bem… Disseste servir em nome do amor…

— Sim, Mestre…

— Recorda, então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.

O discípulo, entremostrando súbita renovação mental, não respondeu.

Jesus abraçou-o e disse apenas:

— Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sítio e de mão em mão… Ninguém pode dar, em essência, esse ou aquele patrimônio do mundo, senão o próprio Criador, que nos empresta os recursos por Ele gerados na Criação… E, se algo podemos dar de nós, o amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amar.

O apóstolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.

Em seguida, puseram-se ambos a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia seguinte.

 

Do livro Contos desta e doutra vida, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.


 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita