Entrevista

por Marcel Bataglia Gonçalves

Religião é coisa boa; o mal que fazem em nome dela corre por quem o faz

Ricardo Baesso de Oliveira (foto), natural de Astolfo Dutra (MG), quando contava 10 anos de idade, em decorrência da necessária mudança de município, passou a residir em Juiz de Fora (MG), onde vive até os dias de hoje. Formado em Medicina, atuou em inúmeras funções dentro do movimento espírita, dentre elas, diretor do Departamento Doutrinário, Mediúnico e Social no Instituto de Difusão Espírita, de Juiz de Fora, do qual é um dos fundadores.

Na presente entrevista, ele diz quão importante é a presença da simplicidade no meio espírita, hoje tão ausente, fato que, graças a uma equivocada sofisticação de grande parte das atividades, tem comprometido seriamente o movimento espírita em nosso país:


Em que momento ocorreu seu primeiro contato com a Doutrina Espírita?

Sou de uma terceira geração de espíritas. Meus avós foram precursores do movimento espírita na Zona da Mata mineira, na década de 1930/40.

Houve algum acontecimento especial que propiciou sua integração no trabalho espírita?

O Espiritismo sempre esteve presente em minha vida, em virtude da atuação de meus avós e pais no movimento espírita. Todavia, acho que merece realce o fato de que decidi definitivamente assumir tarefas no movimento espírita após concluir minha residência médica no Rio de Janeiro em 1988 e participar de um seminário de 3 dias, em Juiz de Fora, com Divaldo Franco. Considero que este foi o principal momento, do ponto de vista espiritual, em minha atual existência.

Dos três aspectos do Espiritismo - científico, filosófico e religioso -, qual é o que mais o atrai?

O científico, na medida em que me possibilita compreender melhor as relações entre corpo/espírito, mente/cérebro e vida/morte. Tem sido, para mim, fonte de muito prazer intelectual estudar as conexões existentes entre elementos investigados pela ciência oficial e as informações recebidas da dimensão espiritual, mediunicamente.

Que livros espíritas que tenha lido você considera indispensáveis aos irmãos que estão iniciando sua jornada?

Ler e estudar continuamente os textos kardequianos (incluindo a Revista Espírita) constituem, a meu ver, nossa prioridade número um. Também considero obras muito importantes as da lavra mediúnica de Yvonne Pereira e Chico Xavier. Particularmente, tenho uma afeição particular por Gustavo Geley. Aos que estão se iniciando: O que é o Espiritismo, O Livro dos Espíritos e O Evangelho segundo o Espiritismo.

As divergências doutrinárias em nosso meio reduzem-se a poucos assuntos. Um deles diz respeito ao Espiritismo laico. Para você o Espiritismo é religião?

Sim, e Kardec mostrou isso, pelo que viveu e escreveu. Ao considerar o Espiritismo como uma revelação da lei de Deus, nosso codificador definiu esse ponto. Não são consideradas revelações as filosofias e as ciências. Ninguém conseguirá registrar uma filosofia ou uma ciência que inicie seus encontros com uma prece. Kardec recomendava firmemente isso. E não existe nenhum problema nisso. Religião é coisa boa. O mal que fazem em nome dela é de responsabilidade de quem o faz.

Como você vê a discussão em torno do aborto?

O problema básico reside no fato de que ainda existe uma indefinição científica, técnica ou jurídica, quanto ao início da vida, se no momento da fecundação, se ao cabo de 12 semanas, quando o cérebro fetal dá sinal de atividade elétrica, ou se apenas no nascimento. Isso faz com que argumentos diferentes sejam apresentados, tentando justificar a interrupção da gravidez. Para o Espiritismo a vida se inicia com a fecundação, portanto a interrupção da gravidez em qualquer época é um equívoco ético.

O movimento espírita em nosso País lhe agrada ou falta algo nele que favoreça uma melhor divulgação da Doutrina Espírita?

Penso que a divulgação do Espiritismo vem sendo conduzida de forma adequada. Aprendemos a lidar com os diferentes meios de comunicação e nos temos valido deles a contento. Quanto à primeira parte da pergunta, respondo que não; o movimento espírita não me agrada. A falta da simplicidade que sempre caracterizou o movimento espírita, com uma equivocada sofisticação de grande parte das atividades, de lideranças e organizações, tem comprometido seriamente o movimento. Ao lado disso, eventos pagos, livros excessivamente caros e custos exorbitantes com eventos, seminários etc., têm impedido que pessoas de menor condição socioeconômica sejam incluídas em muitas atividades.

A preparação do advento do mundo de regeneração em nosso planeta já deu, como sabemos, seus primeiros passos. Daqui a quantos anos você acredita que a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações, passando plenamente à condição de um mundo de regeneração, em que, segundo Santo Agostinho, a palavra amor estará escrita em todas as frontes e uma equidade perfeita regulará as relações sociais?

Prefiro responder com nosso caro Emmanuel, de acordo com pensamento expresso no livro Lições de sabedoria: “em séculos não muito próximos”!

Em face dos problemas que a sociedade terrena está enfrentando, qual deve ser a prioridade máxima dos que dirigem atualmente o movimento espírita no Brasil e no mundo?

Buscar a simplicidade em sua vida pessoal, profissional e devocional. Valorizar os laços de família, ser honesto sempre e, acima de tudo, cultivar o desinteresse pessoal no trato com o Espiritismo.

A pandemia que o mundo enfrentou desde o início de 2020 alterou drasticamente o funcionamento das Casas Espíritas e inspirou a ampliação de muitas atividades on-line. Como você vê o retorno da Casa Espírita e seu funcionamento a partir do momento em que a Covid esteja inteiramente superada?

As vitórias conseguidas pelo movimento espírita com as atividades on-line não podem ser perdidas. Penso que os eventos híbridos deverão prevalecer daqui pra frente. Uma maior valorização do e-book espírita de acesso gratuito, passes a distância, atendimento fraterno, cursos e grupos de estudo on-line deverão ser considerados como prioridade. Nosso grupo, em Juiz de fora, aos primeiros sinais do isolamento social, criou o espirita.info, um espaço virtual espírita onde tudo isso foi implantado e continua existindo. Os resultados obtidos são os mais gratificantes.


 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita