Kardec e o "lugar de
fala"
Dia desses, numa palestra que realizei
em torno da temática: homoafetividade,
família e instituições religiosas, fui
indagado sobre o "lugar de fala" no que
se refere a este tema.
Minha resposta foi mais ou menos assim:
Acho fundamental o depoimento das
pessoas que passaram por isso, pois dá
uma carga de cores bem mais
interessante. Embora o lugar de fala não
seja a única forma de se produzir um bom
debate, não podemos desconsiderar que a
experiência de quem viveu na pele
determinada situação é algo muito rico.
Claro que há, também, outros formatos de
tocar neste ou naquele ponto e obter,
assim, uma discussão profícua de
diversos assuntos em pauta na sociedade.
E vale lembrar que esses formatos não
excluem, tampouco eliminam a importância
da experiência de quem viveu a situação.
O problema é considerarmos que o
empirismo, que dá origem ao lugar de
fala, é a única maneira de debate
legítimo. Não é, e o fato de não ser a
única maneira legítima em nada o
desqualifica.
Os saberes precisam abrir diálogo entre
si para o aprofundamento de um assunto.
No caso citado acima, de nosso trabalho
acerca dos homoafetivos, família e
instituições religiosas, perguntamos
justamente àqueles que passam pela
experiência da homoafetividade as suas
dores, dificuldades, alegrias, dramas e
dilemas, o que, por óbvio, deu a eles
lugar de fala e, portanto, protagonismo.
Kardec, ao elaborar o Espiritismo,
pode-se dizer que deu lugar de fala aos
Espíritos, pois interrogou-os acerca de
suas origens, onde vivem, o que fazem e
sentem.
Sistematizou aqueles conhecimentos com
base na vivência dos Espíritos. O que é
isto senão, de forma bem simples, um
exemplo de lugar de fala?
Mas Kardec não parou por aí. Junto à
vivência prática dos Espíritos colocou
suas anotações, deduziu consequências e
construiu o corpo de uma obra magnífica
que não teria atingido a excelência sem
o diálogo de vários saberes.
Portanto, nada mais justo do que ouvir
quem mora em Salvador sobre Salvador. O
que não invalida a abordagem de um
paulista que estudou Salvador.
São visões que podem se complementar,
eis porque os adeptos do lugar de fala
como forma única de debate podem
enriquecer seu baú de conhecimento ao
admitir que há boas teses fora do
empirismo.
Kardec fez isso lá no século XIX, por
que não podemos fazer no século XXI?