Por que tratarmos da nossa permanência
espírita nos 2% da população nacional?
Não coloco o critério da quantidade acima da qualidade
quanto à adesão ao espiritismo, mas é, sim, realmente
importante fazê-lo crescer para que se possa evitar o
mal a mais pessoas, principalmente o suicídio (Kardec,
2022, p. 79-81), além de propiciar a elas
esclarecedora consolação.
Embora o Brasil seja o maior país espírita do mundo, o
espiritismo sempre se constituiu aqui como um segmento
religioso minoritário. Cabe dizer que só foi possível
apontar o tamanho real dele a partir do censo
demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) em 1980. Isto porque, nos censos
anteriores, os espíritas eram contados junto com os
adeptos dos cultos afro-brasileiros: umbanda e
candomblé.
Comparativamente, o tamanho pequeno do espiritismo se
deve sobremaneira a três fatores: 1) não ser uma
religião trazida e propagada pelos colonizadores
portugueses, lugar ocupado pelo catolicismo, a maior do
país; 2) ser um grupo religioso composto
predominantemente por pessoas de classe média e razoável
escolaridade (Lewgoy, 2020), algo oposto à condição dos
evangélicos, que constituem o segundo maior segmento
religioso nacional, abrangendo (com sua vertente
pentecostal), predominantemente, os mais pobres e menos
escolarizados (Mariz; Gracino
Junior 2013; Prandi 2013, p. 211-212);
3) o fato de uma parte (não grande) dos espíritas
responderem ao IBGE dizendo que não têm religião, pois
rejeitam a identidade religiosa do espiritismo (Arribas
2010; Lewgoy, 2013).
Deve-se ponderar ainda que uma parcela das pessoas que
se declaram espíritas nas pesquisas são, na verdade,
umbandistas (Lewgoy, 2013).
A enorme audiência do programa televisivo Pinga Fogo, da
antiga TV Tupi, contendo longas entrevistas com Chico
Xavier (exibidas em 28 de julho e 21 de dezembro
de 1971), certamente, deu bastante impulso ao
crescimento espírita. Infelizmente, isso não pode ser
dimensionado devido à limitação censitária então
vigente, como apontado acima. Em 1980, 1991, 2000 e
2010, o IBGE registrou, respectivamente, as seguintes
proporções espíritas: 0,7%, 1,1%, 1,3% e 2,0%. Por sua
vez, os católicos tiveram: 89%, 83,3%, 73,9% e 64,6%; já
os evangélicos marcaram: 6,6%, 9,0%, 15,6% e 22,2%; e,
por fim, o contingente dos sem religião obteve: 1,6%,
4,7%, 7,4% e 8,0. Cabe lembrar que devido à pandemia do
Covid-19 e à combinação de irresponsabilidade e
incompetência do atual governo federal o recenseamento
de 2020 só começou a ser feito em agosto de 2022, não
havendo ainda previsão de resultados.
Chegou-se a imaginar que as comemorações pelo centenário
do nascimento de Chico Xavier, em 2010 (principalmente
os filmes de grandes bilheterias no cinema e audiências
televisivas: “Chico Xavier” e “Nosso Lar”) dessem
relevante impulso de expansão ao segmento espírita. Ao
menos foi isso que a pesquisa amostral do Instituto
Datafolha indicou em janeiro de 2017, apontando os
espíritas com 4% da pulação nacional.
Ocorre que a pesquisa do mesmo Datafolha, feita em
janeiro de 2022, mostrou o contingente espírita com 3% e
a de junho de 2022 apontou apenas 2%.
Mesmo ponderando que o instituto considera em seus
levantamentos a margem de erro de dois pontos
percentuais para cima e para baixo, o fato objetivo é
que, tanto o censo de 2010 quanto a pesquisa amostral de
junho de 2022 registraram o espiritismo com apenas 2% da
população brasileira. Lembrando-se que, como visto
acima, em todos os censos anteriores houve crescimento
espírita.
Nos levantamentos do Datafolha, feitos entre janeiro e
junho de 2022, o instituto mostrou um índice bem maior
do grupo dos sem religião, se comparado ao censo de
2010, nada menos que 14%. Chamou bastante atenção a
proporção de jovens em tal segmento: 25%. Talvez
a pandemia tenha contribuído para o crescimento desse
contingente dos sem religião. A razão de haver alto
índice de jovens que afirmam não ter religião passa pelo
caráter inerente a eles de experimentações e pela
diversidade de suas redes de sociabilidade, diferentes
da religião, algo que abrange: escolas, redes sociais,
grupos artísticos e de entretenimento. A grande elevação
de jovens sem religião se mostra como principal
ingrediente na explicação do fato de todo o segmento
espírita, após 12 anos, permanecer com os mesmos 2% da
população nacional. Embora tenham surgido, na última
década, grupos de jovens voltados a estudos bíblicos, à
luz da literatura espírita (Torres, 2019), isto
não foi capaz de mudar tal realidade. Por um lado, as
atividades nos centros espíritas, infelizmente, não se
mostram efetivamente atraentes ao público juvenil. Por
outro, posicionamentos polêmicos de determinadas
lideranças espíritas parecem ter repelido jovens,
sobremaneira os universitários, que são mais bem
informados e críticos também. Isto se deu, ainda em
2018, através de controversos pronunciamentos
político-ideológicos, abrangendo inclusive questões de
gênero e sexualidade: orientação ou opção sexual (Barbosa
2019, p. 171; Arribas 2020, p. 615-617; Camurça 2021, p.
139-142; Souza; Torres, 2022, p. 229-231).
Diante de tal quadro o desafio maior do segmento
espírita brasileiro parece ser o de fazer-se mais
atraente e acolhedor aos jovens (Carvalho, 2022). Isto
passa, necessariamente, pela priorização nas federações
e nos núcleos espíritas do trabalho voltado a crianças e
jovens, contemplando mais as causas do que efeitos, em
termos de problemas espirituais. Implica em desenvolver
atividades educativas, lúdicas, criativas, artísticas,
dinâmicas, descontraídas e alegres, algo que não é
contraditório com a seriedade cristã, cabe ressaltar. Os
centros espíritas precisam ser bem menos sisudos, ou
seja, fazerem-se mais leves e alegremente sóbrios.
Talvez a valorização maior da música, contemplando a
combinação de estilos juvenis e mensagens edificantes,
seja o caminho mais fácil para iniciar tal mudança.
Ademais é preciso refletir seriamente sobre o que o
Jesus Cristo faria, hoje, na Terra, em relação aos
jovens considerados diferentes (socialmente
discriminados, ainda). Tal desafio abrange a abertura
para o diálogo responsável sobre questões que permeiam a
juventude contemporânea, inclusive as relacionadas a
gênero e sexualidade. Embora este seja tema de livros
dos espíritos André Luiz e Emmanuel (Xavier; Vieira;
Xavier, 2014; Guimarães, 2018), e tenha sido tratado por
Chico Xavier no Pinga Fogo,
é ainda um tabu nos núcleos espíritas. Trata-se de algo
complexo que precisa ser valente e caridosamente
enfrentado.
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spiritismo (Capítulo 5: “Bem
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Faustino; MENEZES, Renata (Orgs.). Religiões em
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Carlos. Dissertação de mestrado em sociologia, UFSCar,
2019.
XAVIER, Francisco Cândido. Vida e sexo.
Pelo espírito Emmanuel. 27ª edição. Brasília, FEB, 2007.
XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA,
Waldo. Sexo e Destino. Pelo espírito André Luiz.
64ª edição. Brasília, FEB, 2014.
O autor é doutor em
sociologia pela USP, professor de sociologia da UFSCar,
organizador de dois livros científicos publicados sobre
o espiritismo e integrante do paulistano Núcleo Espírita
Coração de Jesus (NECJ).
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