Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

A Rainha desencarnou


A história faz ricos e detalhados registros dos poderosos do mundo. Reis e rainhas têm sido retratados pelos seus erros e acertos ao longo de suas vidas. Muitos obviamente se excederam e, assim, foram corretamente tachados de tiranos, autocratas e sanguinários. No extraordinário livro 50 Anos Depois, ditado pelo Espírito Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier), é abordada a trajetória do imperador romano Élio Adriano (76-138), famoso sobretudo pelo seu admirável apreço às obras arquitetônicas e refinado senso de estética.

A elevada entidade espiritual lembra, com acerto, que o reinado de Adriano, não obstante considerado liberal e justo em seu início, infelizmente passou a incentivar em dado momento perseguições e atos de crueldade após os trágicos episódios que marcaram a guerra civil da Judeia. Mais ainda, em 131 d.C. os cristãos foram forçados à prática de se reunir no refúgio das catacumbas para orar. Conforme relato de Emmanuel, Adriano nunca agiu exatamente como o sanguinário Nero, “mas também não perdoou, jamais, aos adeptos do Cristo que tivessem a coragem moral de não trair a sua fé, perante a sua autoridade, ou de seus prepostos”. Todavia, em obediência aos ditames da lei de causa e efeito nasce, segundo se lê na referida obra, posteriormente “no corpo miserável do filhinho de uma escrava”, de modo a iniciar o seu longo processo de expiação em virtude dos males por ele gerados. Assim, portanto, funcionam os mecanismos de justiça divinos: sem privilégios ou favores especiais a quem quer que seja.

Posto isto, grande parte da população mundial recebeu com enorme comoção a notícia da morte da rainha Elizabeth II (1926-2022). Tamanha emoção não deixa der ser compreensível, já que a sua figura tem permeado as vidas de todos nós. De fato, muitos cresceram vendo e acompanhando aquela senhora simpática, geralmente sorridente, quase sempre trajando conjuntinhos e chapéus de cores bem destacadas. De certa maneira, ela fez parte também de nossas vidas devido ao seu carisma e elegância. Passamos a admirá-la mesmo vivendo num país de modos, língua e cultura bem diferentes. Indubitavelmente, ela foi testemunha e protagonista de grandes momentos históricos. Passará a ser lembrada pela isenção adotada ao lidar com as alas políticas do seu reino, assim como pelas expressões de comedimento, sem falar do seu recato.

Há também registros de suas iniciativas em atividades pouco comuns a um membro da realeza, mas que reforçaram a sua grandeza e imagem perante os súditos. Elizabeth certamente viu muita coisa, a começar pela transformação do mundo pós-guerra. Não há dúvidas que ela soube se adaptar às mudanças e, ao mesmo tempo, resguardar um lugar generoso no coração do seu povo. Apesar de alguns escândalos produzidos pelos seus familiares, ela soube se manter serena e aparentemente equidistante, inclusive no falecimento da sua outrora nora Princesa Diana (1961-1997). Embora o seu silêncio tenha sido notado e criticado, mas, quando ela se manifestou, o fez de forma elogiável ao declarar: "Eu a respeitava e a admirava por sua energia e comprometimento com os outros, especialmente por sua devoção aos filhos. Ninguém que conhecia Diana a esquecerá jamais". Parece implícito que a rainha enfrentou consideráveis dificuldades para lidar com uma outsider em seu ninho familiarNo entanto, cabe reconhecer que de sua parte não se viu nenhuma atitude pública mais intempestiva.

Por outro lado, há outros aspectos que merecem ser destacados. Como observou um respeitável jornalista brasileiro, “Elizabeth foi uma mulher do seu tempo”. Ou seja, ela usufruiu muito bem da sua posição, inclusive amealhando um patrimônio financeiro expressivo (alguns veículos de imprensa estimaram em 2 bilhões de dólares). São, aliás, bem conhecidos os seus palácios, residências oficiais e joias, claramente sugestivo de que vossa alteza não era uma monarca dada a privações. Nesse sentido, vale também lembrar aqui as divergências entre ela e a ex-premier Margareth Thatcher (1925-2013), que considerava a realeza dispendiosa ao país. Outros personagens, aliás, compartilham da mesma opinião. Por conseguinte, não chega a ser surpreendente que a rainha apreciasse um estilo de vida requintado como cavalgar. Numa outra reportagem afirmava-se que ela gostava de caçar, hábito igualmente revelador de particularidades da sua personalidade. 

No terreno religioso e dada a sua posição real, a rainha Elizabeth tinha entre suas atribuições a chefia da Igreja Anglicana. A propósito, uma declaração sua indica de que ela era uma pessoa possuidora de uma fé genuinamente religiosa: “Para mim, os ensinamentos de Cristo e minha responsabilidade pessoal diante de Deus criam um quadro no qual eu tento guiar a minha vida”. Mais ainda, artigos jornalísticos reforçam a ideia de que a sua crença a levava a se ver como “um vaso de Deus”. Posto isto, ela orava ao Criador para que lhe mostrasse a sua vontade, a fim de que ela pudesse concretizá-la.

Evidentemente, do lado de lá, um novo capítulo na trajetória desse Espírito se inicia. Muito provavelmente não mais será abrigada em palácios reais com um amplo séquito de servidores a atendê-la em seus mínimos caprichos e vontades. Fico a imaginar, por exemplo, um colóquio entre ela e a Rainha Isabel de Aragão (1271-1336), a rainha médium, que demonstrou extremo despojamento e sacrifício em vida... Se tal acontecesse, Isabel lhe recordaria Jesus e o seu amor incondicional pela humanidade, o significado da sua rápida, embora inesquecível passagem pelo mundo, a sua simplicidade e o seu legado de luz e bem-aventuranças. O que é certo, porém, é que Elizabeth continuará sua trajetória ascensional rumo à perfeição.
 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita