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por Sandro Drumond Brandão

 

A palavra que aproxima é a palavra que segrega


O homem, ser gregário que é, precisa conviver para progredir. Seu insulamento o embrutece, pois, o impede de desenvolver novas faculdades e de auxiliar o progresso dos outros e das instituições.

Em o Livro dos Espíritos na questão n. 766, Allan Kardec questiona se a vida social está na Natureza, obtendo a seguinte resposta:

 

“Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação.”

 

Na ambiência coletiva o diálogo é uma das vias que Deus concede ao ser humano para aproxima-los uns dos outros, criando conexões e relacionamentos de variadas ordens.

Sendo o verbo criação divina, do mesmo caráter se revestirá o seu propósito. Pela palavra, Deus espera que o homem ensine; motive; solucione; congregue; console e depure a si mesmo e ao seu próximo[1].

O ser humano, no entanto, dominado por suas más paixões[2] e influenciado pelas dos outros, faz da língua ferramenta de reclamação[3], falatório, maledicência[4] e julgamento.

Reclama, pois, a insatisfação é estado emocional que o acompanha, por reivindicar a todo momento o que não tem. Pelo falatório imerge com os demais de seu grupo em longos debates acerca de temas chulos, fúteis e levianos comprazendo-se em falar a respeito da vida alheia. E se vale da maledicência como mecanismo de defesa, pois, falar das imperfeições do outro é colocar sobre elas o holofote que deveria estar sobre as suas próprias[5].

No julgamento o homem orgulhoso negligencia seu dever de indulgência, para através do verbo humilhar o outro. Renuncia muitas vezes valiosa oportunidade de auxílio e progresso do próximo, para se colocar em posição de superioridade[6], afastando-o de sua convivência.

No Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec insere instrução dos Espíritos intitulada “Missão do homem inteligente na Terra”, cujo excerto destacamos:

 

A inteligência é rica de méritos para o futuro, mas sob a condição de ser bem empregada. Se todos os homens que a possuem dela se servissem de conformidade com a vontade de Deus, fácil seria, para os Espíritos, a tarefa de fazer que a Humanidade avance. Infelizmente, muitos a tornam instrumento de orgulho e de perdição contra si mesmos. O homem abusa da inteligência como de todas as suas outras faculdades e, no entanto, não lhe faltam ensinamentos que o advirtam de que uma poderosa mão pode retirar o que lhe concedeu. – Ferdinando, Espírito protetor. (Bordeaux, 1862.)

 

Acerca do poder do diálogo lançamos luzes sobre importantes ensinamentos da professora Maria Helena Damasceno e Silva Megale[7]:

 

“Tagarelar, em geral, todos nós fazemos. Nem sempre, porém, conversamos no sentido genuíno do termo, de modo hospitaleiro, acolhendo com atenção a palavra do outro. Limitamo-nos, muitas vezes, como alguns dizem, a jogar palavra fora. Mas palavra não é coisa sujeita a descarte. É um lugar para se buscar o que de mais preciosos a vida requisita na confabulação como no silêncio, na esperança do encontro – com Deus, com o semelhante e consigo mesmo. Conversar é trocar palavras, permitindo ao interlocutor depositar no mais íntimo a palavra dada e entregar-lhe aquela escolhida com apreço. (...) Conversar é tentar superar limites para entender o outro e chegar a si mesmo, superando tentações de ouvir apenas ecos. É ultrapassar o infortúnio de ouvir do outro o que nós mesmos precipitadamente colocamos em suas palavras. É, entre outras aventuras, ouvir com amizade e dizer com cuidado, guardar um pouco do outro e permitir que um pouco de nós seja levado de modo fraterno. O verdadeiro diálogo é alimento precioso para alma.”

 

Na vida de relação o diálogo é mecanismo de conhecimento, mas, acima de tudo da compreensão. Dialogar é forma de amar o próximo. Pavimentada com o ouvido fraterno e a palavra piedosa[8], a via dialógica é auxílio que desconstrói a projeção do “eu”[9] no outro, pelo respeito à individualidade e o entendimento do “nós”.

Quanto a palavra que socorre e o ouvido que ouve, destacamos duas importantes lições de Emmanuel:

 

“Se as estrelas da sabedoria e do amor te povoam o coração, não humilhes quem passa sob o nevoeiro da ignorância e da maldade.

Gradua as manifestações de ti mesmo para que o teu socorro não se faça destrutivo.

Se a chuva alagasse indefinidamente o deserto, a pretexto de saciar-lhe a sede, e se o Sol queimasse o lago, sem medida, com a desculpa de subtrair-lhe o barro úmido, nunca teríamos clima adequado à produção de utilidades para a vida.

Não te faças demasiado superior diante dos inferiores ou excessivamente forte perante os fracos”[10]

“A palavra é vigoroso fio da sugestão.

É por ela que recolhemos o ensinamento dos grandes orientadores da Humanidade, na tradição oral, mas igualmente com ela recebemos toda espécie de informações no plano evolutivo em que se nos apresenta a luta diária.

Por isso mesmo, se é importante saber como falas, é mais importante saber como ouves, porquanto segundo ouvimos, nossa frase semeará, bálsamo ou veneno, paz ou discórdia, treva ou luz.”[11]

 

Saibamos, pois, deixar de lado os nossos caprichos para não macularmos a palavra nos momentos que seu uso é reivindicado, cooperando com o progresso de todos.

 

Referências bibliográficas:

DIAS, Haroldo Dutra (Trad.), 1971- O novo testamento, tradução de Haroldo Dutra Dias. – 1. ed. – 11. imp. – Brasília: FEB, 2020.

EMMANUEL (Espírito). Palavras de vida eterna. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Uberaba: Edição CEC, 1998.

EMMANUEL (Espírito). Fonte viva. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Rio de Janeiro: FEB, 2000.

EMMANUEL (Espírito). Segue-me!... Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Matão: O Clarim, 2012.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. de Salvador Gentile; rev. Elias Barbosa. Araras: IDE, 2009. 182 ed.

KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. P. 316.


 

[1] “Mas a sabedoria que vem do Alto é pura, pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem hipocrisia”. – (Tiago, 3:17)

[2] Questão n. 908: Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más? “As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se torna perigoso desde que passe a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para outrem.” KARDEC, Allan. O Livro dos espíritos. Trad. de Salvador Gentile; rev. Elias Barbosa. Araras: IDE, 2009. 182 ed.

[3] “A sua garganta é um sepulcro aberto.” — Paulo. (ROMANOS, 3.13).

[4] “Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem fala mal de um irmão e o julga, fala mal da lei e a julga”. (Tiago 4.11).

[5] E o julgamento é este: que a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam expostas. (Jo, 3:19-20)

[6] Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. 1 Coríntios 9:22

[7] MEGALE, Maria Helena Damasceno e Silva. O horizonte hermenêutico da paz. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019, p. 45.

[8] A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos anjos; é a irmã da caridade, que vos conduz a Deus. Ah! deixai que o vosso coração se enterneça ante o espetáculo das misérias e dos sofrimentos dos vossos semelhantes. Vossas lágrimas são um bálsamo que lhes derramais nas feridas e, quando, por bondosa simpatia, chegais a lhes proporcionar a esperança e a resignação, que encanto não experimentais! KARDEC Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2018. p. 192.

[9] “Em tudo e em toda parte, apaixonamo-nos pela nossa própria imagem. Nos seres mais queridos, habitualmente amamos a nós mesmos, porque, se demonstram pontos de vista diferentes dos nossos, ainda mesmo quando superiores aos princípios que esposamos, instintivamente enfraquecemos a afeição que lhes consagrávamos.” EMMANUEL (Espírito). Fonte viva. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Rio de Janeiro: FEB, 2000. p. 232.

[10] Fonte viva. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Rio de Janeiro: FEB, 2000. p. 170.

[11] EMMANUEL (Espírito). Palavras de vida eterna. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Uberaba: Edição CEC, 1998. p. 121. 

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita