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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Livre-arbítrio: por que é tão difícil de entendê-lo?


O imperativo do livre-arbítrio continua sendo muito mal interpretado. Raciocínios abstrusos são utilizados frequentemente para tentar explicar o seu funcionamento, mas que em nada contribuem para elucidar as dúvidas do leigo. Recentemente, a propósito, o editor de uma importante revista de interesse geral brasileira – fortemente devotada à exploração de temas científicos e tecnológicos – teceu alguns comentários a respeito que merecem ser reparados à luz dos conhecimentos espíritas.

Em sua opinião, é complicado aceitar que “não é só tudo o que aconteceu que está gravado para sempre. Vale o mesmo para aquilo que ainda não aconteceu”. No entanto, cabe esclarecer que a possibilidade de se efetuar os registros etéreos de acontecimentos, fatos e transformações não deveria causar nenhuma surpresa. Do ponto de vista religioso, aliás, algumas doutrinas orientais contemplam tal mecanismo, inclusive o Espiritismo com outros termos e enfoque. Afinal de contas, se considerarmos que uma boa parte do que realizamos em vida é coligido na atualidade em arquivos digitalizados de dados, voz ou vídeo, por que, então, a providência divina, que possui recursos sublimes e rege nossas existências com extrema sabedoria, não poderia fazê-lo ainda melhor?

Convém sempre lembrar que haveremos de prestar contas dos nossos atos um dia perante a espiritualidade, conforme asseverou Jesus ao nos alertar que colheremos segundo as “nossas obras”. É patente, portanto, que tudo que realizamos é registrado no mundo espiritual: atos, ações, conduta, intenções, emoções, omissões etc. E nem poderia ser diferente, já que a justiça divina é perfeita. Por outro lado, a ideia de gravar o que ainda não ocorreu, definitivamente não encontra amparo na lógica e nem no senso comum.

Continuando com as inquietações do referido editor, ele observou que “Eventos que parecem completamente indeterminados hoje como o time que vai vencer a Copa do Catar, ou o dia do nascimento do seu primeiro bisneto, já estão de alguma forma impressos em alguma lugar do tecido espaço-tempo – desde o momento do Big Bang”. Tal afirmação, além de muito ousada, pressupõe que tudo está rigorosamente determinado, não sobrando, assim, nenhuma possibilidade para mudanças de curso.

Contudo, o que os maiorais da espiritualidade revelam é que o conhecimento completo do futuro é entesourado apenas por Deus, “soberano Senhor “, conforme se lê na resposta dada a questão 243a d’O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. Daí a concluir que há um lugar específico onde esse conhecimento se encontra armazenado desde tempos imemoriais soa no mínimo delirante. Baseado nas premissas acima destacadas, para o editor o “tempo é uma miragem persistente”. Contrariamente a tal linha de pensamento, recorro ao fato de que nada poderia ser mais real do que as marcas que o tempo deixam em nossa epiderme, em nossa civilização, com os seus avanços e retrocessos, sem falar da história – atividade à qual muitos se dedicam com extremo ardor em compilar.    

E, finalmente, concluí as suas elucubrações ao declarar que “o próprio conceito de livre-arbítrio, pilar fundamental da realidade, também é uma ilusão”. Obviamente há muitos argumentos para contrapor essa forma pessimista de pensar. Posto isto, comecemos por lembrar a resposta dada a questão 843 da seminal obra acima citada, “Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina”. Caberia, então, indagar ao mencionado profissional de jornalismo se ele assim se sente. Presumo que ele não confirmaria isso. A própria escolha de sua profissão deve ter sido decorrente de um ato deliberado e pessoal ou, em outras palavras, de livre-arbítrio. Ademais, a realidade nos mostra com clareza que exercemos diariamente o nosso direito de optar/escolher ou não usando nossas prerrogativas. Até mesmo quando mudamos de ideia ou convicções tal instrumento nos é assegurado.

Allan Kardec, por sua vez, reitera na questão nº 844 que “Há liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo [...]”. Desse modo, cumpre enfatizar que quando agimos exercemos nossa liberdade de escolher, independentemente do acerto ou erro da nossa iniciativa. Quanto ao que acontecerá no futuro e recorrendo ao pensamento inspirado do Espírito Emmanuel, destacado na obra O Consolador (psicografia de Francisco Cândido Xavier), “[...] Acreditamos, todavia, que o porvir, sem estar rigorosamente determinado, está previsto nas suas linhas gerais”. Note que mesmo uma entidade espiritual de tamanha envergadura evolutiva não faz uma afirmação categórica. Ao contrário, humilde, ele usa a palavra “acreditamos”, o que pressupõe a sua fé de que assim, de fato, procede.

Talvez, pudéssemos nos referir nesse ponto à possibilidade de que estamos destinados a certas experiências e situações que fazem parte da evolução. Semelhantemente ao que acontece com o aluno que inicia seus estudos no nível fundamental e já conhece, de antemão, os passos indispensáveis para que alcance a graduação. Assim sendo, Emmanuel pondera na referida obra que o “Determinismo e livre-arbítrio coexistem na vida, entrosando-se na estrada dos destinos, para a elevação e redenção dos homens”. Desse modo, a velocidade, o passo, os caminhos, enfim, para o alcance da elevação – estado ao qual todos inevitavelmente atingirão um dia - depende exclusivamente das decisões e prioridades de cada um atreladas ao sagrado mecanismo do livre-arbítrio.

 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita