Livre-arbítrio: por que
é tão difícil de
entendê-lo?
O imperativo do
livre-arbítrio continua
sendo muito mal
interpretado.
Raciocínios abstrusos
são utilizados
frequentemente para
tentar explicar o seu
funcionamento, mas
que em nada contribuem
para elucidar as dúvidas
do leigo. Recentemente,
a propósito, o editor de
uma importante revista
de interesse geral
brasileira – fortemente
devotada à exploração de
temas científicos e
tecnológicos – teceu
alguns comentários a
respeito que merecem ser
reparados à luz dos
conhecimentos espíritas.
Em sua opinião, é
complicado aceitar que
“não é só tudo o que
aconteceu que está
gravado para sempre.
Vale o mesmo para aquilo
que ainda não
aconteceu”. No entanto,
cabe esclarecer que a
possibilidade de se
efetuar os registros
etéreos de
acontecimentos, fatos e
transformações não
deveria causar nenhuma
surpresa. Do ponto de
vista religioso, aliás,
algumas doutrinas
orientais contemplam tal
mecanismo, inclusive o
Espiritismo com outros
termos e enfoque. Afinal
de contas, se
considerarmos que uma
boa parte do que
realizamos em vida é
coligido na atualidade
em arquivos
digitalizados de dados,
voz ou vídeo, por que,
então, a providência
divina, que possui
recursos sublimes e rege
nossas existências com
extrema sabedoria, não
poderia fazê-lo ainda
melhor?
Convém sempre lembrar
que haveremos de prestar
contas dos nossos atos
um dia perante a
espiritualidade,
conforme asseverou Jesus
ao nos alertar que
colheremos segundo as
“nossas obras”. É
patente, portanto, que
tudo que realizamos é
registrado no mundo
espiritual: atos, ações,
conduta, intenções,
emoções, omissões etc. E
nem poderia ser
diferente, já que a
justiça divina é
perfeita. Por outro
lado, a ideia de gravar
o que ainda não ocorreu,
definitivamente não
encontra amparo na
lógica e nem no senso
comum.
Continuando com as
inquietações do referido
editor, ele observou que
“Eventos que parecem
completamente
indeterminados hoje como
o time que vai vencer a
Copa do Catar, ou o dia
do nascimento do seu
primeiro bisneto, já
estão de alguma forma
impressos em alguma
lugar do tecido
espaço-tempo – desde o
momento do Big Bang”.
Tal afirmação, além de
muito ousada, pressupõe
que tudo está
rigorosamente
determinado, não
sobrando, assim, nenhuma
possibilidade para
mudanças de curso.
Contudo, o que os
maiorais da
espiritualidade revelam
é que o conhecimento
completo do futuro é
entesourado apenas por
Deus, “soberano Senhor
“, conforme se lê na
resposta dada a questão
243a d’O Livro dos
Espíritos de Allan
Kardec. Daí a
concluir que há um lugar
específico onde esse
conhecimento se encontra
armazenado desde tempos
imemoriais soa no mínimo
delirante. Baseado nas
premissas acima
destacadas, para o
editor o “tempo é uma
miragem persistente”.
Contrariamente a tal
linha de pensamento,
recorro ao fato de que
nada poderia ser mais
real do que as marcas
que o tempo deixam em
nossa epiderme, em nossa
civilização, com os seus
avanços e retrocessos,
sem falar da história –
atividade à qual muitos
se dedicam com extremo
ardor em compilar.
E, finalmente, concluí
as suas elucubrações ao
declarar que “o próprio
conceito de
livre-arbítrio, pilar
fundamental da
realidade, também é uma
ilusão”. Obviamente há
muitos argumentos para
contrapor essa forma
pessimista de pensar.
Posto isto, comecemos
por lembrar a resposta
dada a questão 843 da
seminal obra acima
citada, “Sem o
livre-arbítrio, o homem
seria máquina”. Caberia,
então, indagar ao
mencionado profissional
de jornalismo se ele
assim se sente. Presumo
que ele não confirmaria
isso. A própria escolha
de sua profissão deve
ter sido decorrente de
um ato deliberado e
pessoal ou, em outras
palavras, de
livre-arbítrio. Ademais,
a realidade nos mostra
com clareza que
exercemos diariamente o
nosso direito de
optar/escolher ou não
usando nossas
prerrogativas. Até mesmo
quando mudamos de ideia
ou convicções tal
instrumento nos é
assegurado.
Allan Kardec, por sua
vez, reitera na questão
nº 844 que “Há liberdade
de agir, desde que haja
vontade de fazê-lo
[...]”. Desse modo,
cumpre enfatizar que
quando agimos exercemos
nossa liberdade de
escolher,
independentemente do
acerto ou erro da nossa
iniciativa. Quanto ao
que acontecerá no futuro
e recorrendo ao
pensamento inspirado do
Espírito Emmanuel,
destacado na obra O
Consolador (psicografia
de Francisco Cândido
Xavier), “[...]
Acreditamos, todavia,
que o porvir, sem estar
rigorosamente
determinado, está
previsto nas suas linhas
gerais”. Note que mesmo
uma entidade espiritual
de tamanha envergadura
evolutiva não faz uma
afirmação categórica. Ao
contrário, humilde, ele
usa a palavra
“acreditamos”, o que
pressupõe a sua fé de
que assim, de fato,
procede.
Talvez, pudéssemos nos
referir nesse ponto à
possibilidade de que
estamos destinados a
certas experiências e
situações que fazem
parte da evolução.
Semelhantemente ao que
acontece com o aluno que
inicia seus estudos no
nível fundamental e já
conhece, de antemão, os
passos indispensáveis
para que alcance a
graduação. Assim
sendo, Emmanuel pondera
na referida obra que o
“Determinismo e
livre-arbítrio coexistem
na vida, entrosando-se
na estrada dos destinos,
para a elevação e
redenção dos homens”.
Desse modo, a
velocidade, o passo, os
caminhos, enfim, para o
alcance da elevação –
estado ao qual todos
inevitavelmente
atingirão um dia -
depende exclusivamente
das decisões e
prioridades de cada um
atreladas ao sagrado
mecanismo do
livre-arbítrio.
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