De vez em
quando, surgem algumas publicações sem entendimento com a codificação espírita,
clamando que a Doutrina Espírita nada tem a ver com o Cristianismo. Quando esse
pensamento emerge de grupos religiosos dogmáticos e intolerantes, até
entendemos; contudo, chama mais a atenção quando a fonte original se intitula
espiritista.
Interessante
afirmar, principalmente, para os versados nos textos de “O Novo Testamento” que
o Cristo não faz acepção de pessoas, não lhe importando o movimento religioso
que o segue, mas, sim, o fato de que onde estiverem dois ou três reunidos em seu
nome ele estará no meio deles (Mateus XVIII:20). Portanto, o que caracteriza ser
cristão é o lance de alguém estar junto de outrem, todos sintonizados com Jesus
e, principalmente, praticando seus ensinamentos. A caridade legítima foi
exemplificada pelo Cristo, fazendo do amor ao semelhante um impositivo maior
para que a centelha divina em nós, o chamado “Reino de Deus”, cada vez mais se
expanda e se exteriorize. Adepto do Cristianismo, de fato, é alguém que reflete
o Mestre no próximo, não fazendo Jesus qualquer referência à
religião, nem mesmo ao seu sacrifício na cruz, conforme está inserido no chamado
“sermão profético” (Mateus XXV: 34-40).
Consequentemente, o lema espírita “Fora da caridade não há salvação” é
essencialmente cristão, correspondente, de fato, aos ensinamentos do Cristo. Já
o Catolicismo, por exemplo, afirma que “Fora da Igreja não há salvação”,
desvalendo os textos do Evangelho citados acima e apresentando-se antagônico
também à razão e ao progresso, necessitando essa equivocada sentença de urgente
retificação, principalmente pela afirmação de que fora da Igreja não se encontra
ligação com o Mestre. Não podemos esquecer que as bases desse credo, no decorrer
de milênios, se encontraram minadas pelo absolutismo clerical aliado ao poder
temporal, responsáveis pela degeneração do Cristianismo dos tempos primevos,
como, igualmente, dos milhares de assassinatos cometidos a mando dos clérigos,
“em nome de Deus”, através das Cruzadas e da Inquisição.
Se a caridade
em ação corresponde ao trabalho superior do verdadeiro cristão e a Doutrina
Espírita é calcada exatamente no "amar ao próximo como a si mesmo", deduzimos
que a crença alicerçada na codificação do inolvidável Allan Kardec é
essencialmente cristã e a sua transcendental visão da realidade social é
insofismavelmente religiosa.
O Evangelho é
rico em menções ao trabalho caritativo, ensinado e exemplificado pelo Mestre
Jesus: “Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus
anjos, e retribuirá a cada um conforme suas obras (Mateus 16, 27); “Assim também
a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé,
e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a
minha fé pelas minhas obras” (Tiago 2:18); “A fé sem obras é morta” (Tiago
2:26); “De que adianta, meus caros irmãos, alguém proclamar sua fé, se não tem
obras? Acaso essa fé pode salvá-lo? (Tiago 2:14); “Vês dessa forma que tanto a
fé como as obras estavam agindo juntas, e a fé foi aperfeiçoada pelas obras”
(Tiago 2:22); “Assim sendo, toda árvore boa produz bons frutos, mas a árvore
ruim dá frutos ruins” (Mateus 7:17) e “Mesmo que eu possua o dom de profecia e
conheça todos os mistérios e toda a ciência, e ainda tenha uma fé capaz de mover
montanhas, se não tiver amor, nada serei” (1 Coríntios 13:2).
Portanto,
vivenciar o Cristo é praticar, com certeza, o que ele exemplificou, exatamente a
caridade em ação. O sacrifício na cruz dá sustento e representa ânimo aos que
estão igualmente passando pela dor, na presente encarnação ou na dimensão
espiritual.
Praticante do
Cristianismo é justamente quem considera Jesus como seu Mestre e se esforça para
segui-lo; os espiritistas, por conseguinte, igualmente, podem ser denominados de
discípulos hodiernos do Cristo. Algumas pessoas, em pequeno número, negam o
aspecto cristão da Doutrina Espírita, argumentando que Kardec é quem apontou o
Espiritismo para essa direção, desconhecendo o que foi revelado pelos sábios
mentores da codificação espírita. Deveras
importante assinalar que não haja confusão entre o que é “Cristianismo dos
homens”, em confronto bem infeliz com o majestoso “Cristianismo de Jesus”. De
forma alguma confundir o Cristianismo especificamente com o Catolicismo ou
qualquer crença dogmática.
Prontamente,
sem citarmos o que veio de Kardec, trazemos algumas mensagens reveladoras dos
espíritos superiores que foram ditadas ao codificador, revelando o Espiritismo
como adepto da Doutrina do Cristo:
1 - "Jesus é o
tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e de
modelo". (Espíritos Superiores, “O Livro dos Espíritos”, Q. 625);
2 - "Estamos
incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou" (Espíritos
Superiores, O Livro dos Espíritos, questão 627, pág. 309, FEB);
3 - "Todas as
verdades se encontram no Cristianismo, os erros que nele se enraizaram são de
origem humana... (“O Espírito de Verdade”, “O Evangelho Segundo o Espiritismo”,
cap. VI, n° 5);
4 – “Aproxima-se a hora em que te será necessário apresentar o Espiritismo qual
ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo
Cristo. Aproxima-se a hora em que, à face do céu e da Terra, terás de proclamar
que ‘o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã’ e ‘a única
instituição verdadeiramente divina e humana". (Espírito Superior a Allan
Kardec, “Obras Póstumas”);
4- "Conta
conosco e conta sobretudo com a grande alma do Mestre de todos nós, que te
protege de modo muito particular (“Obras Póstumas”, pág. 308, FEB).
5- “Sois
guiados pelo verdadeiro Gênio do Cristianismo, eu vos disse; é porque o próprio
Cristo preside aos trabalhos de toda natureza que estão em vias de cumprimento
para abrir a era de renovação e de aperfeiçoamento que vos predizem os vossos
guias espirituais” (Espírito Chateaubriand- “Revista Espírita”, 1860, fevereiro,
“O Tempo Presente”);
6- “Não
poderíeis crer o quanto estou orgulhoso em distribuir, a todos e a cada um, os
elogios e os encorajamentos que o Espírito de Verdade, nosso Mestre, bem-amado,
me ordenou conceder às vossas piedosas coortes” (Espírito Erasto, “Revista
Espírita”, 1861, outubro);
7- “Pregai a
boa doutrina, a doutrina de Jesus, a que o próprio Divino Mestre ensina em suas
comunicações, que não fazem senão repetir e confirmar a doutrina dos Evangelhos.
Aqueles que viverem verão coisas admiráveis, eu vo-lo digo (“Revista Espírita,
1863, setembro, José);
8- “O divino
Salvador, o justo por excelência, disse, e suas palavras não passarão: “Nem
todos os que dizem: Senhor! Senhor! Entrarão no reino dos céus; entrarão somente
os que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus. Que o Senhor de bênçãos vos
abençoe; que o Deus de luz vos ilumine; que a árvore da vida vos ofereça
abundantemente seus frutos! Crede e orai” (“OESE, cap. XVIII, item 16, Simeão,
Bordéus, 1863);
9- “Jesus
chamava a si a infância intelectual da criatura formada: os fracos, os
escravizados e os viciosos. Ele nada podia ensinar à infância física, presa à
matéria, submetida ao jugo do instinto, ainda não incluída na categoria superior
da razão e da vontade que se exercem em torno dela e por ela (...) Ele foi o
facho que ilumina as trevas, a claridade matinal que toca a despertar; foi o
iniciador do Espiritismo, que a seu turno atrairá para Ele, não as criancinhas,
mas os homens de boa vontade” (“OESE”, cap. VIII, item 18, João Evangelista);
10- “O
Espiritismo está destinado a representar importantíssimo papel na Terra:
cabe-lhe reformar a legislação, por via de regra contrária às leis divinas,
cabe-lhe retificar os erros da história e apurar a religião do Cristo,
transformada, nas mãos dos padres, em comércio e em vil tráfico. Instituirá a
verdadeira religião, a religião natural, a que parte do coração e vai,
diretamente, a Deus, sem dependência das obras da sotaina ou dos degraus do
altar. Extinguirá para sempre o ateísmo e o materialismo, a que tem sido
arrastados certos homens pelos abusos constantes dos que se dizem ministros de
Deus e pregam a caridade com uma espada em cada mão sacrificando à sua cobiça e
ao espírito de denominação os mais sagrados direitos da humanidade” (“Obras
Póstumas”, "Futuro do Espiritismo”, Um Espírito);
11- “Espíritas!
O grande nome de Jesus deve flutuar como uma bandeira acima de vossos ensinos.
Antes que fôsseis, o Salvador levava a revelação em seu seio, e sua palavra,
medida prudentemente, indicava cada uma das etapas que hoje percorreis”.
(“Revista Espírita”, dezembro de 1864, João Evangelista.)
Aqui deixamos
apenas algumas mensagens dos Instrutores do Além que revelaram a Kardec o
caráter cristão da Doutrina Espírita. Portanto, o Espiritismo professa o
Cristianismo porque assim foi instituído e, verdadeiramente, alguém só pode se
denominar espiritista quando respeita e confessa a exposição codificada pelo
magnânimo Kardec.
Sabemos que
muitos companheiros que negam essa diretriz, assim o fazem porque ainda trazem
dentro de si as sequelas dos torturantes malfeitos, acontecidos, por exemplo,
nas Cruzadas ou na Inquisição, sendo as vítimas que desencarnaram vendo no peito
de seus cruéis algozes a imagem da cruz. Muitos, inclusive, mesmo não sendo mais
materialistas, não aceitam o Cristo, intentando até desconhecer a sua sublime
presença entre nós. Fazem todo o possível para ignorá-lo ou não concederem
autenticidade a sua briosa existência física, tão fortemente alicerçada na
mediunidade de seus discípulos.
Os espíritas,
genuinamente, são os prosélitos de Jesus e de Kardec e fomos constituídos
"ministros de um novo testamento, não da letra que mata, mas do espírito que
vivifica" (2 Coríntios 3:6). A partir do conhecimento amplo desse "Evangelho
Eterno", as leis de Deus não serão apenas acolhidas, mas vivenciadas no coração
dos homens (Jeremias 31:33).
Então, estamos
diante da razão amalgamada com a fé, o saber científico anelado à religião, não
mais uma crença assentada em fundamentos míticos ou místicos e, sim, o
verdadeiro "religare", a profunda comunhão com Deus, sem hierarquias e sem
dogmatismos, conforme apregoou o Mestre, falando à mulher samaritana, junto à
fonte de Jacó: "Deus é espírito; e importa que O adorem em espírito e em
verdade" (João 4:24).