Um fragmento da preparação de
João Batista
A narrativa evangélica de Mateus, em seu
capítulo III, versículos de 1 a 17, encerra uma
extensa gama de reflexões, apresentadas em
linguagem simbólica que tentaremos atribuir-lhe
uma interpretação, dentre tantas outras
possíveis.
Fixaremos nossa reflexão no primeiro versículo:
“naqueles dias apareceu João, o Batista,
pregando no deserto da Judéia.” (Tradução de
João Ferreira de Almeida pela Imprensa Bíblica
Brasileira, agosto de 2002.)
O ser humano não surge ao acaso. É fruto de um
processo de gestação. João Batista é o resultado
de um labor silencioso de transformação,
entendimento, assimilação e conhecimento de algo
novo, percebido e sentido.
A simbologia da gestação é para ilustrar que o
aprendizado se dá por meio de uma ação
sistematizada, momento em que o educando se
coloca na condição de ampliar suas bases
teóricas de conhecimento, que permitirão
assentar conteúdos capazes de nortear seus
passos a partir de então. Nesse sentido, a
expressão “naqueles dias”, permite compreender
que, estando o aprendiz apto pela vontade e
disposição, a vida se incumbi de apresentar-lhe
um cenário favorável para compartilhar o
aprendizado. E aqui o nosso entendimento a esse
respeito: a aquisição do conhecimento prepara o
indivíduo para a vida. Agora, a vida vai se
manifestar de uma forma a exigir melhor
compreensão a respeito do que cada um aprendeu.
Vamos tentar exemplificar.
O filósofo, físico e matemático francês, René
Descartes (1596 – 1650), em seu discurso do
método, depois de ter aprendido que “não se
poderia imaginar nada tão estranho e tão pouco
crível que já não houvesse sido dito por algum
filósofo(...)”, reconhecendo que aqueles que
possuem sentimentos diferentes do seu podem não
ser bárbaros e nem selvagens, disse que caminha
só e nas trevas, de forma que decidiu caminhar
tão lentamente e a usar a circunspeção em todas
as coisas, que, mesmo que só avançasse um pouco,
ao menos estaria certo de não cair.
O filósofo “apareceu” no tempo adequado para o
desenvolvimento do seu ser. Entretanto, pelo
depoimento, a pujança de sua capacidade precisou
de ajustes para os enfrentamentos que a vida
oferecia. Foi aluno Jesuíta dos oito aos
dezesseis anos, de certa forma “mimado” na
infância, experimentou os mais diversos
prazeres, como “jantares”, bebidas e jogos de
azar. Alistou-se no exército, sem o instinto
para tal. Viveu “pregando no deserto da
Judéia”, ou seja, enfrentou revezes que
exigiram decisões importantes, com erros e
acertos, que o levariam ao apogeu de sua
construção naquela encarnação.
Isso só foi possível porque, mesmo percorrendo a
Judéia (simbólico), região “montanhosa” do sul
de Israel, construiu sua conduta de vida sob
duas bases: (1) seguir os próprios pensamentos
aonde quer que eles o conduzissem; e (2)
obedecer às leis do seu país, aderindo à
religião de seus pais, seguindo os costumes de
homens judiciosos.
A pregação no deserto é um estado de espírito em
que o aprendiz se encontra, cercado de dúvidas,
expectativas, ansiedades, inseguranças e
ambiguidades. Para conseguir caminhar com
proveito, é necessário construir pilares, que
também não “aparecem” do nada, e sim, são
erigidos a partir das experimentações. A Judéia
com suas montanhas simbolizam os “altos e
baixos” porque passa o aprendiz. Quando encontra
uma resposta e nela constrói seus passos,
adiante pode descobrir que a resposta estava
incompleta, contemplando apenas um prisma,
dentre outros tantos possíveis.
Descartes desenvolveu um método fundamentado em
quatro pontos. O primeiro é “verificar” se
existem evidências reais acerca do fenômeno
estudado; o segundo é “analisar”, dividir em
partes menores e dedicar-se em profundidade a
cada uma delas; como terceiro ponto, tem-se a
“síntese”, representando o agrupamento analisado
daquilo que foi dividido em partes menores; e,
por fim, o quarto ponto, “enumerar” todas as
conclusões e princípios utilizados.
Dessa forma, compreendemos que “naqueles dias”
pode representar o resultado da preparação que
fez “aparecer” a figura do “precursor” (João
Batista), isto é, daquele que antecede às
experiências (simbolizando o “conhecimento”),
“pregando no deserto da Judéia” de forma a
desenvolver um método de vida que leve em
consideração o respeito ao próximo, assim como a
si mesmo, a fraternidade e a caridade como
propulsores da transformação que seria
anunciada. Assim, com as bases do conhecimento
ajustadas, o indivíduo se torna apto aos
desafios vindouros, sejam no deserto da Judeia
ou em quaisquer outras plataformas.