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por Rogério Miguez

 

O dia do ser humano


Interessante costume, talvez uma longínqua tradição, o de designarmos dias ou datas especiais para homenagear e prestar reverência a pessoas, ainda vivas ou já desencarnadas.

Há dias para todos os integrantes da família: pais, jovens, crianças...; os chamados santos recebem a nossa atenção quando escolhemos para cada dia um representante específico beatificado; há datas especiais para os profissionais de todas as categorias - médicos, psicólogos, enfermeiros, aviadores, professores...; etnias também oferecem opções - índios, pretos...; até os irracionais, que hoje em dia já são tratados quase como seres humanos, possuem o seu dia; dia do amigo, do estudante, e pasmem, há mesmo um dia dedicado à lembrança de Jesus, mas apenas um!

E, conforme o padrão das várias civilizações e culturas, nestes dias extraordinários a forma rotineira de honrar o homenageado reduz-se, por incrível que pareça à aquisição de um presente, um bem material qualquer, para demonstrar quanto este homenageado significa para nós e para a sociedade. O amor e consideração que afirmamos possuir em nosso mais profundo íntimo, e que temos tanto em conta, acabam expressando-se por um bibelô, uma peça de roupa, um brinquedo, mas para a maioria apenas por uma lembrancinha, nestes tempos de tanta escassez de notas e moedas em nossas magras carteiras.

Estranho comportamento, pois, no cotidiano, expressiva parcela destes mesmos que fazem questão absoluta de reverenciar o escolhido do dia, fazendo desta data um momento quase ritualístico, uma ocasião beirando o sagrado, desrespeitam o seu próximo de modos incontáveis e inimagináveis, na maior parte dos outros dias do mesmo ano, basta observar o noticiário do cotidiano para se convencer desta realidade.

É uma avalanche de manchetes que em grande maioria informam sobre atitudes desrespeitosas entre as pessoas: brigas, assassinatos, corrupção, guerras, conflitos..., isto é o que se vê e escuta em qualquer programa de notícias, não importa a hora do dia. Neste festival de iniquidades ninguém escapa: jovem, idoso, branco, preto, alto, magro, basta estar vivo para ser desrespeitado por outros e pelo sistema em que vivemos.

A nossa legislação chega ao despropósito, ao absurdo de liberar a saída de presos para homenagear pais que foram mortos por estes que estão provisoriamente encarcerados: sinal dos tempos!

E a razão para tantos disparates é simples: uma vez que a humanidade, em sua grande maioria, ainda se situa em patamares pouco elevados considerando-se a moral e os bons costumes, advém assim desta pouca evolução o entendimento de que homenageando este ou aquele em um singelo dia do ano, estaríamos cumprindo o nosso dever de nos vermos como iguais, verdadeiros irmãos, sem distinções de qualquer modalidade.

Seria esta singular conduta uma tentativa de aliviar a nossa consciência culpada dos delitos perpetrados contra o próximo ao longo de nossas anteriores existências, ou mesmo nesta, elegendo um dia para cada próximo, de acordo com a sua posição na sociedade? Talvez apenas mais uma forma de alimentar o sistema materialista em que muitas sociedades se inserem, inclusive a nossa?

Demorará muito para finalmente alcançarmos a consciência de que só há necessidade de homenagear o dia do ser humano, ou melhor, o dia do ser vivo, acontecendo diariamente, quando bastaria ao Espírito ter alcançado a condição de existir fisicamente para ser não só homenageado, pois é filho do Deus único, mas igualmente respeitado em todos os seus direitos, incluindo o mais básico de todos o de viver plenamente, em condições humanas.

E mais, homenageando o ser vivo, não cometeríamos mais atrocidades contra os irracionais, caçando por puro prazer, destruindo sistematicamente seus habitats, como se vê no mundo.

Além disso, passaríamos a respeitar a Natureza que, pela forma como tratamos o meio ambiente, sugere que a Natureza é nossa inimiga, como se assiste hoje em dia na Terra, particularmente em nossa nação, quando nos esforçamos para devastar as nossas matas e florestas.

Devemos homenagear o semelhante naturalmente, sem imposições de datas, nem de convenções, pois, enquanto precisarmos de dias especiais para reverenciar e lembrar este ou aquele, certamente estaremos muito distantes do que espera Deus da humanidade.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita