Médiuns sensitivos: a quem se aplica essa
designação?
“O espírita esclarecido repele esse entusiasmo cego,
observa com frieza e calma, e, assim, evita ser vítima
de ilusões e mistificações.” (Allan Kardec)
Percebemos que existe uma certa dificuldade no
entendimento do termo “sensitivo”, daí resolvemos
realizar essa pesquisa visando criar a oportunidade de
sua compreensão por todos nós.
A primeira obra que
consultamos foi Tratado de Metapsíquica,
publicada em 1922 ()
por Charles Richet (1850-1935), prêmio Nobel de
Fisiologia em 1913, criador da Metapsíquica, cuja
definição tomamos diretamente do site Guia – Heu:
Metapsíquica - (do gr. meta – além + psikê – alma +
suf.). Ciência estabelecida e estruturada por Charles
Richet, destinada a estudar os fenômenos que
transcendiam à Psicologia e que fugiam ao domínio físico
da ciência dita materialista. Sobre este assunto, seu
autor escreveu um tratado que, até a 15ª edição sofreu
várias modificações. Inicialmente, de cunho
materialista, admitia que todo fenômeno procedia do
poder psíquico do seu sujet, ou seja, daquele que
tinha essa capacidade. Assim, classificou os fenômenos
ditos metapsíquicos em dois grupos:
Ø Os
objetivos, onde a ação se fazia sentir sobre objetos,
como levitação, transportes, etc.,
Ø e
subjetivos, os que não atuavam nos ditos objetos, como
telepatia, desprendimento e outros.
Posteriormente, estudando
os fenômenos ditos espiríticos, reformulou seu ponto de
vista e passou a admitir os mediúnicos, preocupando-se
sobremodo com os ectoplásmicos. Numa conferência de
despedida da cátedra da Universidade de Sorbone, ele se
declarou simpatizante da doutrina espírita, o que foi o
suficiente para que seus seguidores laicos abominassem
seu trabalho e, sob influência da escola metapsiquista
alemã, propusessem a substituição da Metapsíquica, para
eles comprometida com uma doutrina religiosa, pela
Parapsicologia. ()
Vejamos o que em “Antelóquio”, do Tratado de
Metapsíquica – Tomo I, Richet disse:
Pode-se, em três palavras, resumir os três fenômenos
fundamentais que constituem essa nova ciência:
1º – A criptestesia (a lucidez dos autores antigos), ou
seja, a faculdade de conhecimento diferente das
faculdades sensoriais normais de conhecimento.
2º – A telecinesia, ou seja, uma ação mecânica diferente
das forças mecânicas conhecidas, a qual, em determinadas
condições, tem, à distância, atuação sem contato sobre
objetos ou pessoas.
3º – A ectoplasmia (a
materialização dos autores antigos), ou seja, a formação
de objetos diversos, os quais, as mais das vezes,
parecem saírem do corpo humano e tomam a aparência de
uma realidade natural (vestuário, véus, corpos vivos). ()
A Metapsíquica transformou-se na Parapsicologia e com
isso passou a ter uma abrangência maior, conforme
entendemos do artigo “Fenômenos Mediúnicos,
Metapsíquicos e Parapsicológicos” de Marta Antunes
Moura, publicado no site da Associação Espírita Allan
Kardec:
A Parapsicologia é também
conhecida como Pesquisa Psi. A Parapsicologia (do grego para =
além de + psique = alma, espírito, mente,
essência + logos = estudo, ciência), significa,
literalmente, o estudo do que está além da psique,
viabilizado por indivíduos popularmente conhecidos como
“sensitivos” ou “psíquicos”. ()
Aqui já podemos ver retratada a preponderância do uso do
vocábulo sensitivo entre os parapsicólogos. Dessa forma,
eles ficariam “livres” de qualquer ligação com temas
religiosos ou espiritualistas, que se poderia fazer.
Entretanto, um problema surgiu na Parapsicologia: é que,
infiltrada de adeptos das religiões tradicionais, esses
passaram a “defender” a teologia deles, demonizando o
que estivesse fora do conceito que advogavam.
Do Tratado de Metapsíquica – Tomo I, na parte
intitulada “Da metapsíquica subjetiva”, do cap. I –
Metapsíquica em Geral, do tópico § 4º – Os médiuns,
destacamos os seguintes trechos:
A palavra médium, execrável sob todos os títulos,
está consagrada pelo uso. Não é mais possível bani-la.
(2) Significam intermediários entre o mundo dos vivos
e o mundo dos mortos.
______
(2) – Deve-se empregar esta palavra no feminino?
Parece-nos que se poderá dizer a médium.
O poder dos médiuns se
exprime pelo termo, aliás muito mau também, de poder
medianímico. A faculdade de ser médium é a medianimidade
ou a mediunidade. Que lástima não podermos substituir
esse odioso patoá! ()
O que nos surpreendeu foi comprovar que Charles Richet
nutria forte ojeriza à palavra médium, provavelmente por
ela ter relação direta com a comunicação com os mortos.
Continuando:
A ciência é uma língua bem-feita, disse um filósofo. Não
devemos pois dar o mesmo nome de médium a indivíduos
assim tão diferentes, como, por exemplo, Eusapia e a
Senhora Piper. Podemos chamar médiuns aos indivíduos que
produzem efeitos físicos; sensitivos, aos indivíduos
capazes de produzirem os fenômenos criptestésicos, que
eles atribuem a uma força estranha; autômatos, aos
indivíduos que, sem criptestesia, parece apresentarem,
pela escrita automática, segundas personagens, criadas,
sem dúvida, pela autossugestão, mas que parece serem
espontâneas.
Como toda classificação,
esta aqui é também arbitrária. Os sensitivos são sempre
autômatos, enquanto os autômatos raramente são
sensitivos. Poderia citar centenas de casos de escrita
automática, os quais não são senão fantasias
mediocremente interessantes do inconsciente desprendido,
sem lucidez, sem criptestesia, sem nada que valha a pena
de ser notado, a não ser o extraordinário poder do
inconsciente. ()
Richet restringe o termo médium para os indivíduos que
possuem a capacidade mediúnica de produzir os fenômenos
designados de “efeitos físicos”, nos quais o ectoplasma
é a fonte produtora, deixando os relacionados a “efeitos
intelectuais” ao vocábulo sensitivo.
Detectamos que, na Codificação Espírita, a 1ª vez que o
termo “sensitivo” aparece é em O Livro dos Médiuns,
2ª parte, cap. V – Manifestações físicas espontâneas. No
primeiro parágrafo da mensagem de Erasto, constante do
item 98, lemos:
É indispensável, para obter fenômenos dessa ordem,
dispor de médiuns que chamarei de sensitivos, ou seja,
dotados no mais alto grau de faculdades medianímicas de
expansão e de penetrabilidade. Porque o sistema nervoso
desses médiuns, facilmente excitável, por meio de certas
vibrações, projeta profusamente ao seu redor o fluido
animalizado. ()
Os fenômenos, aos quais Erasto se refere, são os de
transporte e as manifestações físicas, ambos
classificados como de efeitos físicos. Então, para ele,
Erasto, aqueles indivíduos que os produzem seriam os
“sensitivos”, enquanto para Richet seriam os médiuns.
O fluido animalizado, mencionado por Erasto, foi
designado por Richet de ectoplasma, termo que prevaleceu
no movimento espírita mundial.
Do cap. XIV – Os médiuns, item 159, de O Livro dos
Médiuns, destacamos o seguinte parágrafo:
Deve-se notar, ainda, que
essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira.
Os médiuns têm, geralmente, aptidão especial para esta
ou aquela ordem de fenômenos, o que os divide em tantas
variedades quantas são as espécies de manifestações. As
principais são: médiuns de efeitos físicos, médiuns
sensitivos ou impressionáveis, auditivos, falantes,
videntes, sonâmbulos, curadores, pneumatógrafos,
escreventes ou psicógrafos. ()
Entre os vários tipos de médiuns aqui listados,
encontramos os “sensitivos ou impressionáveis”, sobre os
quais, em O Livro dos Médiuns, cap. XVI – Os
médiuns, tópico “2. Médiuns sensitivos ou
impressionáveis”, o Codificador explicou:
164. São assim designadas as pessoas capazes de sentir a
presença dos Espíritos por uma vaga impressão, uma
espécie de arrepio geral que elas mesmas não sabem o que
seja. Esta variedade não apresenta caráter bem definido.
Todos os médiuns são necessariamente impressionáveis, de
maneira que a impressionabilidade é antes uma qualidade
geral do que especial: é a faculdade rudimentar
indispensável ao desenvolvimento de todas as outras.
Difere da impressionabilidade puramente física e
nervosa, com a qual não se deve confundi-la, pois há
pessoas que são necessariamente sensíveis e sentem mais
ou menos a presença dos Espíritos, ao passo que outras
muito suscetíveis absolutamente não os percebem.
Essa faculdade se
desenvolve com o hábito e pode atingir uma tal sutileza
que a pessoa dotada reconhece, pela sensação recebida,
não só a natureza boa ou má do Espírito que se
aproximou, mas também a sua individualidade, como o cego
reconhece, por um certo não sei que, a aproximação desta
ou daquela pessoa. Ela se torna, em relação aos
Espíritos, um verdadeiro sensitivo. Um bom Espírito
produz sempre uma impressão suave e agradável; a de um
mau Espírito, pelo contrário é penosa, angustiante e
desagradável; tem como que um cheiro de impureza. ()
Notamos que na explicação para “sensitivo” não foi
mantida a anterior, que nos pareceu totalmente ignorada.
Um pouco mais à frente, em O Livro dos Médiuns,
cap. XVI – Médiuns especiais, tópico “Quadro sinótico”,
nos itens 187 e 188, lemos:
187. Podem-se dividir os médiuns em duas grandes
categorias:
Médiuns de efeitos físicos –
Os que têm o poder de provocar os efeitos materiais ou
as manifestações ostensivas. (Ver n° 160)
Médiuns de efeitos intelectuais –
Os que são mais especialmente aptos a receber e a
transmitir as comunicações inteligentes. (Ver n° 65 e
seguintes) (2)
Todas as demais variedades se ligam mais ou menos
diretamente a uma ou a outra dessas duas categorias, e
algumas participam de ambas. Analisando os diversos
fenômenos produzidos sob influência mediúnica vê-se que
há em todos um efeito físico, e que aos efeitos físicos
se junta quase sempre um efeito inteligente.
É às vezes difícil estabelecer o limite entre ambos, mas
isso não acarreta nenhuma dificuldade. Incluímos na
classificação de médiuns de efeitos intelectuais os que
podem mais especialmente servir de instrumentos para
comunicações regulares e contínuas. (Ver n° 133)
_______
(2) Essa classificação
mediúnica foi duplamente confirmada pela pesquisa
científica. Primeiro, pela Metapsíquica, que dividiu os
fenômenos em objetivos e subjetivos. Depois, pela atual
Parapsicologia, que criou as classificações psigama e psikapa,
designando a primeira os fenômenos intelectuais ou
subjetivos, e a segunda os fenômenos objetivos ou
materiais. Ambas as ciências reconheceram também as duas
categorias de sensitivos (médiuns), com as diversas
variedades ou classes constantes deste livro (N. do T.)
()
A transcrição do item 187 tem como principal objetivo
ressaltar a nota do tradutor, no caso o jornalista José
Herculano Pires (1914-1979), que apresenta a visão da
Parapsicologia sobre os dois tipos de médiuns.
188. Variedades comuns a todos os gêneros de
mediunidade:
Médiuns sensitivos –
Pessoas suscetíveis de sentir a presença dos Espíritos
por uma sensação geral ou local, vaga ou material. Na
sua maioria distinguem os Espíritos bons ou maus pela
natureza da sensação que causam. (Ver n° 164)
Os médiuns delicados e
demasiado sensíveis devem abster-se de comunicações com
Espíritos violentos ou cuja sensação é penosa, por causa
da fadiga resultante. ()
Completam a lista de gêneros de mediunidade: os médiuns
naturais ou inconscientes, os médiuns
facultativos ou voluntários.
Nesse item, a definição de médiuns sensitivos é a mesma
do item 164, essa é a razão pela qual julgamos ser ela a
que deve prevalecer.
Do cap. XIX – Transes e incorporações da obra No
Invisível (1903), autoria Léon Denis (1846-1927),
transcrevemos o seguinte trecho:
[…] Em nosso grupo
contavam-se por dezenas os Espíritos que se comunicavam.
Em cada sessão, tínhamos de seis a oito, dos quais dois
ou três para cada médium. À medida que cada um deles se
apresentava, mudava a fisionomia do sensitivo, a
expressão das feições se modificava. Pela inflexão da
voz, pela linguagem e atitude, a personalidade invisível
se revelava, antes de ter dado o nome. Esses Espíritos
não se manifestavam todos seguidamente. […]. ()
Pelo que pudemos entender, Léon Denis usa o vocábulo
sensitivo para, genericamente, designar os médiuns.
Em Animismo ou Espiritismo? (1938), de Ernesto
Bozzano (1862-1943), no cap. III – As comunicações
mediúnicas entre vivos provam a realidade das
comunicações mediúnicas com defuntos, vale a pena
destacar:
Não esqueçamos que a
denominação de “fenômenos mediúnicos” propriamente ditos
designa um conjunto de manifestações supranormais, de
ordem física e psíquica, que se produzem por meio de um
“sensitivo” a quem é dado o nome de médium, por se
revelar qual instrumento a serviço de uma vontade que
não é a sua. Ora, essa vontade tanto pode ser a de um
defunto, como a de um vivo. […]. ()
Mais um estudioso do Espiritismo que usa a palavra
sensitivo para designar os médiuns.
Particularmente, preferimos ficar com a definição e a
consequente especificação dada por Allan Kardec
(1804-1869), deixando apenas para os parapsicólogos o
uso de “sensitivo”.
Referência bibliográfica:
BOZZANO, E. Animismo ou Espiritismo? Rio
de Janeiro: FEB, 1987.
DENIS, L. No Invisível. Rio de
Janeiro: FEB, 1987.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns.
São Paulo: Lake, 2006.
RICHET, C. Tratado de Metapsíquica –
Tomo I. São Paulo: Lake, 2008.
GUIA – HEU, Metapsíquica,
disponível em: LINK-1.
Acesso em: 10 nov. 2022.
INTERNET ARCHIVE (site), Richet,
Charles Robert, Traité de métapsychique, disponível
em LINK-2.
Acesso em: 15 dez. 2022.
MOURA, M. A. Fenômenos Mediúnicos,
Metapsíquicos e Parapsicológicos, disponível no site
Associação Espírita Allan Kardec pelo link: LINK-3.
Acesso em: 10 nov. 2022.