O
homem com micose
O estranho título, a princípio, será
explicado. Pode acreditar.
A história que passo a narrar com minhas
palavras foi encontrada no excelente
livro (mais um, aliás) do Dr. José
Carlos de Lucca, Editora Intelítera,
intitulado Pensamentos Que Ajudam.
Um homem com intensa coceira e lesões
estranhas na virilha (região localizada
entre a coxa e o abdome) procurou um
médico buscando o tratamento necessário.
O facultativo examinou o local e
explicou ao paciente que precisava
levantar alguns dados para a posterior
orientação dele, já que se tratava de
uma micose.
O doente insistiu com o médico para que
passasse apenas a medicação necessária
porque o restante eram apenas detalhes.
Diante da recusa do profissional e o
argumento de que precisava conhecer a
origem do problema e não apenas
medicá-lo, o homem, meio relutante,
respondeu que trabalhava com cavalos.
O médico insistiu em aprofundar o
assunto, o que não agradou ao enfermo,
que teimava em obter o remédio sem
maiores detalhes já que, em sua opinião
leiga, o restante não vinha ao caso.
Queria apenas a medicação sem entrar em
maiores detalhes.
O facultativo foi firme em sua decisão e
não abriu mão da decisão de mais dados
para o tratamento adequado.
Diante da postura inabalável do médico o
paciente informou que tinha vergonha em
se aprofundar no assunto, mas acabou
cedendo e explicou que seu “trabalho”
era com cavalos.
Detalhista, o médico quis saber
exatamente o que ele fazia junto a esses
animais. Constrangido, o homem foi
obrigado a revelar que roubava cavalos
dos pastos alheios.
O profissional explicou-lhe, então, que
ao montar o animal para subtraí-lo dos
seus verdadeiros donos, sem nenhum
arreio, o contato do corpo do homem com
o pelo do cavalo associado ao suor da
pele de ambos proporcionava o
crescimento de fungos, que eram os
responsáveis pela micose que a virilha
dele apresentava.
Pegou o receituário e fez duas receitas
que passou às mãos do interessado.
Na primeira estava uma pomada
antimicótica bastante efetiva.
No segundo papel do receituário estava a
medicação mais importante: não roube
mais cavalos!
Creio que a imensa maioria da humanidade
sofre de “micose” da alma!
Buscamos o socorro da Providência Divina
suplicando apenas pela “pomada” para o
mal. Não queremos entrar em detalhes
sobre a origem daquilo que nos aflige.
Aliás, quando obtemos através das
diversas religiões a segunda “receita”,
não a lemos ou, se a lemos, deixamos
esquecida como fizemos e fazemos com o
Evangelho de Jesus.
O Evangelho é pleno dessas segundas
medicações para a alma, das quais temos
tanta necessidade para extinção do mal
que nos importuna, mas para o qual
desejamos apenas a “pomada” que alivia
e não a cura tão bem representada pelo
alerta de Jesus às pessoas que curava e
recomendava a não pecar mais!
Dificuldade financeira? Queremos a
“pomada” de um novo emprego e não a
segunda receita de uma vida financeira
mais bem cuidada, mais bem planejada.
Doença que nos importuna? Queremos a
“pomada” que traz o alívio e não a
segunda receita de reformular a vida
íntima para que não ocorra a recidiva do
mal.
Tumulto dentro do lar? Buscamos a
“pomada” da paz que nos seria dada sem
nenhum esforço de nossa parte e não a
segunda receita de sermos nós o agente
da calmaria.
E assim por diante. Estamos sempre
procurando obter a “pomada” que cura
rápido e não nos exija maiores
investimentos no campo do bem.
Poderíamos invocar como a “segunda
receita” para evitar a recidiva do mal a
questão de número 919 d’O Livro dos
Espíritos em que Santo Agostinho
relembra um conselho do templo de Delfos
na Grécia antiga e que nos fala sobre o
conhecer a si mesmo.
O interessante da resposta de Santo
Agostinho é que ele disseca as diversas
evasivas que possamos dar em nossa
defesa e em defesa do mínimo esforço. A
primeira delas é o argumento de que
somos brandos conosco e, portanto, seria
difícil identificar quando erramos para
nos corrigirmos.
A orientação nesses casos é aplicarmos a
conduta de troca de lugares. Será que se
recebêssemos a ação que estamos a
praticar, gostaríamos que assim
procedessem para conosco?
Outra receita seria propiciada pela
opinião daqueles que se sentem como
nossos inimigos. Qual a opinião deles
sobre nossa conduta?
Os inimigos não passam as mãos em nossas
cabeças. Sobre o que opinarem, é bom
refletirmos e analisarmos com coragem e
verdade o conteúdo.
Lembro-me de uma passagem na vida de
Chico Xavier relatada por um dos seus
muitos biógrafos, quando revelam que
essa grande alma estava muito triste por
terem falado mal dele. Emmanuel se
apresenta e, de modo contundente, lhe
disse: Se o que dizem for verdade,
corrija-se; se não for, continuemos a
trabalhar no bem. Nem é preciso dizer
qual foi a opção escolhida.
Então, na vida, vemos surgir aqui, ali
ou acolá, “micoses” da alma.
Inutilmente buscaremos a “pomada” de
ação rápida que pode até trazer o alívio
transitório. Mas o uso da “segunda
receita” é indispensável para a cura
radical do mal.
Desejamos parar de “roubar cavalos”?