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por Rogério Coelho

 

Suicídio inconsciente


A intemperança e o abandono voluntário dos princípios da fraternidade é suicídio também


“(...) O Espiritismo apresenta-nos os próprios suicidas a informar-nos da situação desgraçada em que se encontram e a provar que ninguém viola impunemente a Lei de Deus.” - 
Allan Kardec[1]


Com Kardec aprendemos[2] que são chamados “suicídios inconscientes” aqueles que se dão em estado de loucura ou de embriaguez... Informa-nos André Luiz[3] que existe um terceiro tipo de suicídio inconsciente: é aquele motivado por nossa intemperança e pelo abandono voluntário dos princípios da fraternidade. 

Foi com grande perplexidade que André Luiz ouviu3 do enfermeiro Henrique de Luna, do Serviço de Assistência Médica de Nosso Lar, a trágica notícia de seu suicídio que, aliás, ratificava os gritos e impropérios das Entidades umbralinas que o martirizaram por quase oito anos, quando vociferavam, acusadores: “suicida! criminoso! infame!...”

“Suicídio?! Creio haja engano” – asseverei melindrado – “meu regresso do mundo não teve essa causa...  Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Saúde, tentando vencer a morte.   Sofri duas operações graves, devido a oclusão intestinal”.

— “Sim” — esclareceu o médico, demonstrando a mesma serenidade superior —, e inclinando-se, atencioso, indicava determinados pontos do meu corpo: “mas a oclusão radicava-se em causas profundas. Talvez o amigo não tenha ponderado bastante... O organismo espiritual apresenta em si mesmo a história completa das ações praticadas no mundo”.

 — “Vejamos a zona intestinal” — exclamou. — “a oclusão derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis.  A moléstia talvez não assumisse características tão graves, se o seu procedimento mental no planeta estivesse enquadrado nos princípios da fraternidade e da temperança. Entretanto, seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio, cap­tava destruidoras vibrações naqueles que o ouviam.  Nunca imaginou que a cólera fosse manancial de forças negativas para nós mesmos? A ausência de autodomínio, a inadvertência no trato com os semelhantes, aos quais muitas vezes ofendeu sem refletir, conduziam-no frequentemente à esfera dos seres doentes e inferiores. Tal circunstância agravou, de muito, o seu estado físico...”

Singular desapontamento invadira-me o coração.  Parecendo desconhecer a angústia que me oprimia, continuava o médico, esclarecendo: “os órgãos do corpo somático possuem incalculáveis reservas, segundo os desígnios do Senhor. O meu amigo, no entanto, iludiu excelentes oportunidades, esperdiçando patrimônios preciosos da experiência física. Todo o aparelho gástrico foi destruído à custa de excessos de alimentação e bebidas alcoólicas, aparentemente sem importância. Como vê, o suicídio é incontestável”.

Meditei nos problemas dos caminhos humanos, refletindo nas oportunidades perdidas.  Conceituara, até ali, os erros humanos, segundo os preceitos da criminologia. Deparava-se-me, porém, agora, outro sistema de verificação das faltas cometidas: não me defrontavam tribunais de tortura, nem me surpreendiam abismos infernais; contudo, Benfeitores sorridentes comentavam-me as fraquezas como quem cuida de uma criança desorientada, longe das vistas paternas. A bondade exuberante de Clarêncio, a inflexão de ternura do médico, a calma fraternal do enfermeiro, penetravam-me fundo o Espírito.  Não me dilacerava o desejo de reação; doía-me a vergonha...  Reconheci a extensão de minhas leviandades de outros tempos.   A falsa noção da dignidade pessoal cedia terreno à justiça. Perante minha visão espiritual só existia, agora, uma realidade torturante:  era verdadeiramente um suicida!”

Entendemos, assim, com a dolorosa saga de André Luiz, que os órgãos de nosso corpo físico têm “prazo de validade”, que poderá ser cumprido, desde que não os sobrecarreguemos com libações alcoólicas, excessos gastronômicos e muito menos os bombardeemos com intemperanças de vária ordem... O fígado e os rins, por exemplo, não foram feitos para filtrar álcool, os pulmões não têm como função suportar o ataque da nicotina e quejandos, o estômago responde com úlceras ao comportamento atrabiliário... Não fica difícil entender e concluir que os nossos variegadíssimos descalabros psicofisiobiológicos, encurtam o “prazo de validade” de nossos órgãos somáticos, fazendo-nos aportar no Mundo Espiritual antes da hora, portanto, na condição de suicidas inconscientes ou indiretos.

Emmanuel[4], afirma que “(...) todas as criaturas humanas adoecem, todavia, são raras aquelas que cogitam de cura real.  Se te encontras enfermo, não acredites que ação medicamentosa, através da boca ou dos poros, te possa restaurar integralmente. O comprimido ajuda, a injeção melhora, entretanto, nunca te esqueças de que os verdadeiros males procedem do coração.   A mente é fonte criadora.  De que vale a medicação exterior, se prossegues, triste, acabrunhado ou

insubmisso?! Como regenerar a saúde se perdes longas horas na posição da cólera ou do desânimo? A indignação rara, quando justa e construtiva no interesse geral, é sempre um bem, se sabemos orientá-la em serviços de elevação, contudo, a indignação diária, a propósito de tudo, de todos e de nós mesmos, é um hábito pernicioso, de consequências imprevisíveis. O desalento, por sua vez, é clima anestesiante; que entorpece e destrói. E que falar da maledicência ou da inutilidade, com as quais despendes tempo valioso e longo em conversação infrutífera, extinguindo as próprias forças?  Que gênio milagroso te doará o equilíbrio orgânico, se não sabes calar, nem desculpar, se não ajudas nem compreendes, se não te humilhas para os desígnios superiores, nem procuras harmonia com os homens?!...

“Se estás doente, meu amigo, acima de qualquer medicação, aprende a orar e a entender, a auxiliar e a preparar o coração para a Grande Mudança. Desapega-te de bens transitórios que te foram emprestados pelo Poder Divino, de acordo com a lei do uso, e lembra-te de que serás, agora ou depois, reconduzido à Vida Maior, onde encontramos sempre a própria consciência.

“Foge, portanto, à brutalidade; enriquece os teus fatores de simpatia pessoal pela prática do amor fraterno; busca a intimidade com a sabedoria, pelo estudo e pela meditação; não manches teu caminho; serve sempre; trabalha na extensão do bem; guarda lealdade ao ideal superior que te ilumina o coração e permanece convicto de que se cultivas a oração da fé viva, em todos os teus passos, aqui ou além o Senhor te levantará”.

Ainda há tempo, pois está em nossas mãos mudar o nosso destino, e a Doutrina Espírita, revivescendo e completando os ensinamentos do Cristo, é poderosa auxiliar de quem deseja abandonar as vestes apodrecidas e fétidas do “homem velho”, conquistando a tão sonhada e almejada “veste nupcial” tecida com os fios do amor, do conhecimento, da renúncia e da abnegação...

Joanna de Ângelis[5], mostra nossa destinação para as faixas superiores do bem: "(...) Por maior que seja esse período de dominação negativa, cessará, ao impositivo da evolução que jamais será detidaPortanto, é conveniente utilizar-se, desde logo, dos antídotos poderosos para as paixões que desgovernam os homens e a época, e de que nos dão conta e excelentes provas a química do amor e a dinâmica da Caridade de que o Cristo Se fez paradigma excelente.   Pequenos    esforços    somam     resultados expressivos; migalhas reunidas formam volume respeitável; átomos agregados constituem forças atuantes e vivas... Pequeno empenho agora contra a ira, uma migalha de caridade logo mais, um átomo de amor que se dilata, e será formado o condicionamento para as arrancadas exitosas”.

Quando os seres cultivarem o Amor segundo os parâmetros ofertados por Jesus, compreenderão, finalmente, ser ele a argamassa que ligará toda a humanidade sob o seu pálio, e todos se desprendendo das constringentes peias do egoísmo e do orgulho, passarão a buscar os suavíssimos gozos da alma em prelúdios das celestes e imarcescíveis alegrias.
               


[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho Seg. o Espiritismo. 129.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap V, item 17.

[2] - Idem, ibidem, cap. V, item 15.

[3] - XAVIER, F. Cândido.  Nosso lar.  50.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2000, cap. 4.

[4] - XAVIER, F, Cândido.  Nosso livro. 3.ed. São Paulo: LAKE, 1999, cap. “Estás Doente?”  p.  65.

[5] - FRANCO, Divaldo. Após a tempestade. 3.ed. Salvador: LEAL, 1985, cap. 4.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita